Aparte
Opinião - Exercício da advocacia e os 85 anos da OAB/SE

[*] Gilton Garcia

Inácio José Krauss de Menezes, estimado e competente presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe, fez contato comigo solicitando um artigo sobre os 85 anos da nossa seccional.      

Cumpro a missão com enorme prazer, embora escreva em momento delicado da pandemia da Covid-19, que se alastra pelo país sem poupar a vida das pessoas físicas e jurídicas. 

Como estou a completar em janeiro próximo oitenta anos, permito-me citar minha inscrição como advogado sob o nº 320 da OAB/SE, em 27 de abril de 1965.

São 55 anos de exercício da advocacia de forma ética e dedicada, inspirado pelo conselheiro federal Luiz Garcia, meu saudoso pai. Propalaram que os músicos não se aposentam, perdem a inspiração.

Como advogado, não perdi a inspiração e respondi ao desafio continuando a trabalhar, produzindo e peticionando. Jamais atropelei as regras de conduta e a ética profissional que devem nortear a vida do advogado.

Sob as ameaças do AI-5, sobrevivi graças à advocacia. Jamais me omiti frente a um processo rumoroso ou impopular. 

Se me fosse permitido dar um conselho aos colegas mais novos, lhes diria: como advogado, diante de um processo judicial, relativizem as teorias, não se impressionem com o denominado espírito das leis, se apeguem sempre aos fundamentos, ao essencial, às provas, razões necessárias para vencer uma causa.  

Ao me inscrever na OAB/SE já havia sido eleito deputado à Assembleia Legislativa de Sergipe. Fui seu presidente aos 28 anos, no segundo mandato, e punido em 1969 pelo AI-5 de triste memória.

“O filho do Garcia tem futuro promissor como político e advogado”, diziam as informações agora públicas do SNI - o antigo Serviço Nacional de Informação, pai da atual Abin. 

Na sanha da perseguição política, tentaram, na época, me impedir de exercer funções mais elevadas às quais eu estivesse porventura destinado.

Apearam-me da Presidência da Assembleia Legislativa, fui cassado como deputado estadual, aposentaram-me compulsoriamente da Faculdade de Direito, onde era professor titular da UFS e me condenaram a uma pena de 10 anos de proibição de exercer cargos públicos.

Era tempo de olho grosso e de muita inveja e, de propósito, recordo a frase latina “tristian altenum bonum” - a dor pelo sucesso alheio.

Cícero, orador e filósofo, realisticamente dizia a respeito dos homens: “Eles são como andorinhas: acompanha-nos no verão da prosperidade e voam no inferno das aflições”. 

Mas por que estou desfilando esse rosário de amarguras vividas? Justamente para ressaltar que quatro anos depois os meus colegas resolveram, em eleição direta, me eleger presidente da seccional da OAB/SE. 

Depois disso, fui reeleito para mais um período de dois anos. Era como se os advogados sergipanos enviassem ali uma mensagem cifrada aos ditadores de plantão.

Na verdade, foram quatro anos de muitas dificuldades, já que vivíamos sob o regime de recessão, sob o arbítrio do AI-5 e a OAB/SE era na época comandada por um cassado.

Era assim, embora tivesse o apoio total do então presidente do Conselho Federal da OAB, o escritor e jurista Raimundo Faoro, amigo saudoso e colega admirado.

Mesmo vigorando a censura da imprensa, criamos o Jornalex, espaço livre e independente para os advogados discutirem os assuntos da classe e externarem suas opiniões jurídicas. 

Creio que o fato marcante deste período foi mesmo a criação da Caixa de Assistência - Caase -, cujo o primeiro presidente foi Osório de Araújo Ramos. Aliás, a OAB/SE está em débito com o advogado Osório, pois lhe cabe voltar no tempo e restaurar a história da instituição.

Acentuo que o exercício da advocacia é complexo e espinhoso, porquanto o advogado é vitrine predileta de preconceitos e por isso vem pagando um alto preço.

Hoje é precário o ensinamento que recebe, instável a lei que invoca e fraco o Judiciário a que recorre. Mas, ainda assim, o advogado não desiste e é aquele que postula, que contesta, que arrazoa, que recorre, sempre perseguindo o triunfo da tese esposada.  

Nessa linha de raciocínio, lembrei-me do Papa Paulo VI, falando no Conselho da Union Internacionale des Advocats (L´Osservatores Romano, de 15/05/65). Veja o que dissera ele.

“Ninguém, talvez, a não ser o sacerdote, conheça melhor do que o advogado a vida humana sob o seus aspectos mais variados, mais dramáticos, mais dolorosos, por vezes os mais defeituosos, mas não raro, também, os melhores”. 

E disse mais: “Não é, portanto, de admirar tenha sido o advogado, desde a antiguidade, o candidato naturalmente indicado para as funções políticas ou em cargos púbicos, por ser o mais capaz de exercê-los, homenagem prestada, espontaneamente, a seu valor humano, à sua capacidade, à sua experiência”.  

Assim, por ser bacharel em Direito e advogado, tive a oportunidade de exercer importantes cargos públicos, mesmo depois de cassado, como deputado federal – 1983 - e governador do Estado do Amapá - 1990 -, procurador geral de Justiça e chefe do Ministério Público - 1979 -, no honrado governo Augusto Franco.

Portanto, aos 85 anos de existência, a OAB/SE é uma instituição sedimentada, madura, intrépida, fruto de quantos lhe prestaram serviços. E por isso saúdo a todos os seus dirigentes - os vivos e os ausentes. A obra é de todos nós advogados.      

[*] É advogado.

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