Aparte
OPINIÃO - E onde entra o Boletim de Ocorrência nisso tudo?

[*] Antonio Moraes

Há muito que em Sergipe as delegacias territoriais (metropolitanas, regionais e municipais) perderam o protagonismo na ação policial. Estas delegacias, segundo os mais antigos, eram o ponto de apoio das comunidades onde elas eram localizadas. Morar perto de uma destas delegacias, além de significar segurança, significava acolhimento.

Essas delegacias são o ponto mais próximo de contato do cidadão com o Estado. Isso, por si só, deveria servir de motivação para que os gestores delas melhor as cuidassem. Infelizmente, as delegacias territoriais foram esquecidas. Não foram abandonadas, pois só se abandona o que não se esquece.

Com o passar do tempo, foram transformadas em verdadeiros pesos mortos. Lugar de depósitos de gente (policiais civis e presos eternamente provisórios), além de objetos apreendidos não remetidos ao Judiciário, juntamente com o correspondente inquérito, como determina a lei (Código de Processo Penal).

Suas edificações são precárias, seja na parte estrutural, seja na parte elétrica e hidráulica. Algumas, quase insalubres. As edificações próprias do Estado não foram projetadas para a finalidade de prestação de serviço policial. As alugadas, pior ainda: são casas postas nesse processo sem nenhum critério arquitetônico e estrutural, tão pouco de finalidade.

As últimas administrações que passaram e passam pela Polícia Civil e pela Secretaria de Segurança Pública esqueceram as delegacias territoriais e focaram nas delegacias especializadas (Denarc, Deotap, DHPP etc). É o que se percebe pela ação de mídia da comunicação social oficial. E isso só se justifica pelo apelo midiático dessas unidades.

O importante e necessário trabalho das especializadas representa menos de 10% da demanda pelo trabalho policial civil, mas tomam em 100% a atenção dos veículos de comunicação e redes sociais. O que ajuda na formação da tal “sensação de segurança”. Boa para a gestão, mas sem nenhuma aplicação prática para a população em geral.

É através do conhecido BO – Boletim de Ocorrência - que a população se comunica com a Polícia Civil. É por via dele que a instituição deve (ou deveria) acolher o cidadão que a procura.

Assim, facilitar o acesso das pessoas ao registro dos fatos que elas próprias entendem como passíveis de repressão policial, além de empoderar o exercício da cidadania, aproxima o cidadão do policial civil na construção de uma fundamental relação de confiança, base de toda atividade policial.

É direito público subjetivo de todo e qualquer cidadão ter sua notícia registrada e analisada por um servidor (autoridade) policial civil. Isso não obriga a Polícia Civil a instaurar procedimento policial, mas a obriga a dar uma resposta, uma satisfação ao cidadão que através do pagamento de seus impostos financia todo o aparelho policial.

Atualmente, cerca de 90% dos BO’s sequer são lidos com a necessária atenção. São apenas “despachados”. A pessoa que comparece a uma delegacia, por confiar no trabalho policial, ao não ter nenhum retorno daquilo que levou ao conhecimento da Polícia Civil, tem desencadeado em si um processo de desacreditação.

E isso a afasta da Polícia Civil e dos servidores (autoridades) policiais civis. Sem confiança, não se consegue as informações necessárias para o deslinde de importantes investigações policiais. Caminho aberto para a impunidade.

O BO pode ou não ensejar o início de uma investigação criminal. É a análise de uma verificação preliminar de informação que determinará ou não a instauração de um inquérito policial civil. O BO não é a única forma de se provocar a ação policial. É que as demais formas não serão objeto do presente texto.

Por decisão administrativa da cúpula da Polícia Civil e da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Sergipe, não há registro de Boletins de Ocorrência nos plantões noturnos e nos plantões de finais de semana e feriados nas delegacias territoriais. Justamente, nos momentos de maior vulnerabilidade da população.

Durante a noite e a madrugada e durante todo o dia de sábado, domingo e feriados, a população é injustificadamente obrigada, na capital, a se deslocar até a Central de Flagrantes, localizada no bairro Santos Dumont, ou até a Delegacia de Atendimento ao Turista – Detur -, na orla da Atalaia, em Aracaju. No interior, a se deslocar até uma cidade onde haja delegacia funcionando em regime de plantão.

Injustificadamente, porque em todas as delegacias territoriais (metropolitanas, regionais e municipais) há servidores (autoridades) policiais civis lotados e à disposição do serviço. Ou seja, já há policiais civis trabalhando com salários pagos pelo erário. Sempre houve. Nunca foi problema a falta de servidores: eles já estão lá.

E, mesmo assim, sempre se obrigou o povo a grandes deslocamentos para conseguir registrar suas demandas. Assim, nada justifica que esses servidores policiais civis não atendam a população que os procura. E a culpa não é deles. Não atendem, infelizmente, por expressa determinação dos gestores.

Atualmente, após o expediente, ou seja, durante a noite e madrugada, nos dias úteis, e durante todo o dia, noite e madrugada dos finais de semana e feriados, a população somente poderá registrar suas demandas em um BO nas unidades plantonistas e na Delegacia de Atendimento ao Turista - Detur.

Enfim, nada justifica o não haver registro de Boletins de Ocorrência e outros atendimentos em todas as delegacias territoriais (metropolitanas, regionais e municipais) durante os plantões noturnos e os plantões finais de semana e feriados.

Urge ampliar o registro das demandas da população através de Boletim de Ocorrência nos períodos noturnos e nos finais de semana e feriados para todas as delegacias territoriais (metropolitanas, regionais e municipais).

Primeiro, pelo respeito ao direito público subjetivo do cidadão de registrar sem embaraços suas demandas; segundo, pelo início do resgate da importância das delegacias territoriais para as comunidades de seus entornos.

[*] É servidor policial civil, ocupante do cargo de escrivão de Polícia Civil de 1ª classe e ex-presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Sergipe.

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