Aparte
OPINIÃO - O risco da ditadura

Jair Bolsonaro: segundo José Maria Alves da Silva, ele não é fruto de fascistas, homofóbicos, trogloditas, chauvinistas

Se ela voltar, não será por causa de Bolsonaro

[*] José Maria Alves da Silva

Antes de especular se o evento Jair Bolsonaro coloca a democracia em risco, como tem sido aventado, é preciso saber se o regime político brasileiro condiz com o que se deve entender por democracia. Em caso positivo, faria sentido debater sobre riscos de perdê-la; caso contrário, a discussão não faz sentido, já que não se pode perder o que não se tem.

Portanto, em vez de risco à democracia, é mais apropriado especular sobre risco de ditadura, pois nisso, sim, a história brasileira é rica de experiências. Torço para que não, mas se porventura a ditadura voltar, não o será por causa do “fenômeno Bolsonaro”.

Ditaduras não se instalam onde a democracia funciona bem, e infelizmente não é isso o que tem ocorrido no Brasil, já faz muito tempo.

Desde o início da chamada Nova República, nosso regime político tem ficado muito aquém do que, em termos ideais, se pode chamar democracia, entendida esta como forma de Estado na qual o poder político “emana” dos cidadãos, para ser exercido em seu favor, diretamente, ou por meio de seus representantes legítimos.

Na democracia representativa, a vitória eleitoral deve ser um ponto de partida para o alcance responsável de objetivos públicos, sociais e nacionais, não um ponto de chegada de conquistadores do poder para proveito próprio, de seus aliados e “clientes”. Não é o que temos visto depois de mais de um quarto de século, desde o fim da última ditadura.

Portanto, a emergência de Jair Bolsonaro não é um fato isolado, mas sim reflexo da tomada de consciência de cidadãos pelo menosprezo recebido dos que venceram as seis últimas eleições presidenciais. 

Não foi o voto de fascistas, homofóbicos, trogloditas, chauvinistas etc. que definiu o resultado da última eleição, mas sim o voto de profissionais autônomos e assalariados, produtores rurais, empresários da indústria e comércio, trabalhadores braçais e outras categorias que estão fazendo o que podem para viver e manter suas famílias honestamente, enfrentando dificuldades de toda sorte e riscos crescentes de fatalidades pessoais, por falta de políticas adequadas para o desenvolvimento econômico e social do país.

Numa democracia autêntica, os eleitores devem ser vistos como cidadãos, não como gays, lésbicas, homens, mulheres, negros, brancos etc. A cidadania não tem cor, não tem sexo, não tem gênero; é um direito fundamental de todo aquele que cumpre seus deveres civis, em respeito às leis vigentes, com o direito de se empenhar na sua mudança, quando achar necessário.

Enquanto isso não for bem entendido pelo povo e respeitado pelos políticos, o risco da ditadura será sempre iminente.

[*] É doutor em Economia e professor titular aposentado da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. Este texto foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.

 

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