Aparte
OPINIÃO - Representação política, fragmentação partidária e renovação na Alese

[*] Eliano Sérgio Azevedo Lopes

É interessante como as análises políticas, em anos de eleições, são centradas prioritariamente nos cargos majoritários, principalmente nos de presidente da República e de governadores de Estado, como ocorreu recentemente no pleito de 2018.

Não obstante reconhecer a importância de que esse fato se reveste, até porque se trata da escolha dos principais mandatários do país e dos estados, penso que é importante refletir sobre a eleição para o parlamento e o papel que os congressistas, seja no âmbito federal ou estadual, podem representar no cenário político, no âmbito legislativo.

Não faz muito tempo, alegava-se que no Brasil existia uma hipertrofia do poder executivo, vis-à-vis os outros poderes - Legislativo e Judiciário -, posto que aquele se utilizava de Decretos-Leis para impor seus projetos. Com a redemocratização do Brasil, o executivo federal passou a editar inúmeras Medidas Provisórias para levar avante seus projetos, usurpando o que seria o papel do parlamento.

Mais recentemente, com o chamado presidencialismo de coalisão (melhor seria dizer, presidencialismo de cooptação), o parlamento passou a ocupar lugar de relevo nas decisões de governo e na manutenção ou não da “governabilidade”, eufemismo utilizado pelos políticos para explicar os acordos e alianças de interesses que fazem com quem até então era o seu mais ferrenho adversário.

Ou como dizem: sem maioria no parlamento é impossível governar. Logo, vale fazer qualquer coisa para conseguir obter essa maioria – cedendo cargos, comprando votos etc. É o famoso “toma lá dá cá”, lamaçal no qual o chamado “baixo clero” se chafurda.

Com a operação Lava-Jato, a crítica passou a ser na ‘judicialização” da política, ou de como os poderes executivo e legislativo têm, sistematicamente, visto suas funções serem usurpadas pela justiça, em suas diversas instâncias, veja-se o comportamento do Supremo Tribunal Federal – STF em vários acontecimentos políticos recentes. É como se tivéssemos passado da hipertrofia do executivo, citado anteriormente, para a hipertrofia do judiciário, onde o protagonista é o que o cientista político André Singer denomina de “Partido da Justiça”- uma generalização um pouco forçada, mas que ilustra muito bem o que vivenciamos hoje no Brasil, com o Poder Judiciário a ocupar o epicentro do poder político.

Essa passagem de bastão entre os poderes espelha nossa frágil democracia e o baixo nível de politização da população brasileira, ou aversão, no caso de muitos, à política, o que se reflete na existência de partidos que, com raríssimas exceções, têm consistência ideológica e programática e representam de fato os interesses de determinadas classes ou frações de classes da sociedade brasileira.

Não causa surpresa, portanto, a presença no atual cenário político brasileiro de 35 siglas partidárias presentes no Congresso Nacional, sem contar com um número expressivo à espera de registro eleitoral, a configurar um quadro de extrema fragmentação partidária e o predomínio de partidos de aluguel, que se alimentam de recursos do fundo partidário e da venda de tempo no rádio e na televisão para outros partidos, nos períodos eleitorais.

O que isso tudo tem a ver com as eleições de 2018 e, particularmente, com o cenário político em Sergipe? Um artigo do jornalista Marcos Cardoso, no site da Infonet (25/03/2018), chama atenção dos eleitores para a necessidade de ampliar o horizonte de visão sobre as eleições de outubro próximo. 

Com propriedade, o articulista afirma que é preciso se preocupar não apenas com a eleição majoritária - para presidente, senadores e governadores - mas, também, com a disputa das cadeiras na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas Estaduais. Eu concordo plenamente com ele e tento nesse artigo expor minhas razões para tal.

Sem pretensão de refletir e tecer comentários sobre a totalidade do cenário político nacional, o meu propósito nesse artigo é centrar a análise apenas no âmbito da Assembleia Legislativa de Sergipe - Alese - , principalmente na questão da representação e composição política naquela Casa de leis, visando a ressaltar a fragmentação partidária e os índices de renovação parlamentar, tomando como base o resultado das eleições para deputados estaduais de Sergipe, nos períodos legislativos de 1998 a 2014.

O argumento central que norteia o artigo é que a renovação observada nesse período não foi suficiente para configurar um novo quadro político na Alese, capaz de superar o continuísmo de um poder conservador e refratário a mudanças que atendam aos interesses da maioria da população de Sergipe.

Os “novos” ocupantes das cadeiras, com raríssimas exceções, nada mais representam que o continuísmo de clãs políticos historicamente presentes no cenário político sergipano - por relações de parentela ou amizade-, que envolvem pessoas do círculo familiar de políticos que deixam o parlamento estadual para ocuparem um cargo vitalício no Tribunal de Contas ou a prefeitura de um dos 75 municipais sergipanos, por exemplo. 

Nas últimas cinco eleições para a Alese, o número de partidos ali presentes variou entre 11 e 13, sendo que deputados eleitos pelo PMDB/MDB, PFL/DEM, PPB/PP, PSB, PDT e PT ocuparam assentos em todas essas legislaturas. Todavia, se houve essa constância de representação partidária, o mesmo não ocorreu com relação aos eleitos por tais partidos.

Seis partidos estiveram representados na Alese em todas as eleições para a ALESE, entre 1998 a 2014: PMDB (atual MDB), PPB (hoje PP), PFL (rebatizado de DEM), PSB, PSC e PT, seguidos do PSDB e do PDT em quatro legislaturas e o PT do B, em três. Como se pode notar, o predomínio tem sido de partidos da direita, que formam a maioria na Assembleia e ocupam os cargos mais importantes na mesa diretora, a começar pela presidência da Casa (Tabela 1).

Como são governistas por excelência, não importa qual o partido que esteja no poder: o objetivo é estar sempre ao lado do governo e dele tirarem o máximo proveito para si e para os que lhes são próximos. Daí a facilidade que tem o governador de plantão de coopta-los e estabelecer maioria na Assembleia. O famoso “toma lá da cá” logo se instaura e conduz a ação parlamentar dos representantes daqueles partidos. Resta aos poucos oposicionistas espernear e tentar evitar – quase sempre sem êxito – a aprovação de projetos que vão de encontro às necessidades da população.

Tabela 1

Estado de Sergipe

Representação partidária na ALESE – 1998/2014

Partido

Número de deputados

1998

2002

2006

2010

2014

PMDB

5

3

1

2

4

PPB/PP

2

1

1

1

2

PFL/DEM

3

3

4

3

2

PSDB

4

2

2

1

-

PMN

2

3

-

-

-

PDT

1

3

-

2

1

PL

-

2

1

-

-

PSB

2

1

1

2

1

PPS

1

3

-

-

-

PTB

2

-

1

-

-

PSC

1

2

6

4

2

PT

1

1

4

4

2

PV

-

-

1

1

-

PT do B

-

-

2

2

1

PSL

-

-

-

1

1

PTC

-

-

-

1

3

PSD

-

-

-

 

3

PRB

-

-

-

-

1

PC do B

-

-

-

-

1

Total

24

24

24

24

24

Fonte: TRE/SE

A renovação na Assembleia Legislativa de Sergipe, nas últimas cinco eleições tem se mantido estável, variando entre 45,8% e 50% do total das cadeiras. Do total de candidatos eleitos em 1998, metade voltou a ocupar uma cadeira na Alese quatro anos depois. Na legislatura 2002/2006, a renovação foi de 45,8%, voltando ao patamar de 50% em 2006/2010 e caindo para 45,8% na última eleição.

O troca-troca de partidos já começa logo após a proclamação dos resultados das eleições pelo TRE-SE, amplia-se até a proclamação dos eleitos e se acentua no decorrer da legislatura. Dos 63 deputados estaduais eleitos entre 1998 e 2014, apenas 12 (menos de 20%) mantiveram-se fiéis ao partido pelo qual foram eleitos, mantendo coerência ideológica e política. Nesse grupo, constituído por 10 legendas, tem-se tanto representantes das esquerdas (PT, PSB e PDT) como da direita (PPB/PP, PFL/DEM, PSDB, PSC, PT do B, PSL e PTC).

Fazem parte desse grupo os ex-deputados estaduais Antônio Passos Sobrinho, Belivaldo Chagas, Ulisses Andrade, Gilson Andrade e Conceição Vieira e os atuais deputados Paulinho da Varzinha, Ana Lúcia, Goretti Reis, Capitão Samuel, Zezinho Guimaráes, Venâncio Fonseca e Francisco Gualberto.   Mesmo assim, metade dos que sempre se elegeram por um mesmo partido já estão afastados do legislativo, por diferentes motivos, a saber:

- Antônio Passos Sobrinho, com três mandatos pelo PFL, atual DEM, é o atual prefeito de Ribeirópolis;

- Belivaldo Chagas, com dois mandatos pelo PSB, atualmente no PSD, é o governador de Sergipe e candidato a reeleição.

- Ulisses Andrade, deputado estadual em três legislaturas, eleito pelo PSDB, atualmente é Conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe;

- Conceição Vieira, deputada por duas vezes pelo PT, é a atual ocupante da Casa Civil do governo de Sergipe;

- Gilson Andrade, eleito por duas vezes pelo PTC, é o atual prefeito de Estância;

- Paulinho da Varzinhas, com três mandatos de deputado estadual pelo PT do B, está afastado da ALESE por determinação da Justiça eleitoral. 

Ressalte-se que entre esses parlamentares que não migraram de partido nas eleições ocorridas durante o período 1998/2014, e com maior tempo de casa na ALESE, destacam-se a deputada Ana Lúcia, eleita sempre pelo PT, e o deputado Venâncio Fonseca, pelo PPB (atual PP), nas quatro eleições de que ambos participaram. 

Situados em posições diametralmente opostas do espectro político-ideológico, são exemplos de que coerência e respeito ao mandato popular não têm, necessariamente, que ver com a coloração partidária. Ser de esquerda ou direita, por si só, não é atestado de compromisso do político eleito com os valores democráticos e com o eleitorado que o elegeu. Menos ainda, com a compreensão e o exercício da política em seu sentido mais nobre – voltado para ao atendimento das necessidades da maioria da povo.

Entretanto, como não existe bem que dure para sempre nem mal que nunca se acabe, o deputado Venâncio Fonseca, no curso do mandato atual, já virou a casaca e trocou o PP pelo PSDB e, atualmente, está no PSC. Resta como único baluarte da firmeza de suas posições políticas e ideológicas, a deputada Ana Lúcia, do PT, que resolveu não mais concorrer a cargo eletivo no parlamento.

Tabela 2

Estado de Sergipe

Deputados Estaduais Eleitos para a Assembleia Legislativa – 1986/2014

Nome

 

 

1998

2002

2006

2010

2014

 

Marcos Leite Franco

PMDB

PMDB

-

-

-

 

Bosco Costa

PPB

-

-

-

-

 

Augusto Bezerra

PMDB

PMDB

PFL

DEM

DEM

 

Antônio Passos Sobrinho

PFL

PFL

PFL

-

-

 

Jorge Araújo

PSDB

-

-

-

-

 

Maria Mendonça

PPB

PSDB

-

PSB

PP

 

Mundinho da Comase

PSDB

-

-

PSL

 

 

Ilzo Vieira

PMDB

-

-

-

-

 

Artur Reis

PMN

-

-

-

-

 

Nicodemos Falcão

PFL

-

-

-

-

 

Reinaldo Moura

PFL

-

-

-

-

 

Ulices Andrade

PSDB

PSDB

PSDB

-

--

 

Elma Paixão

PMDB

-

-

-

-

 

José Rivaldo

PSDB

-

-

-

-

 

Gilmar Carvalho

PMDB

PDT

-

-

-

 

Joaldo Barbosa

PMN

PL

-

-

-

 

Suzana Azevedo

PSB

PPS

PSC

PSC

-

 

Pedro Silva Costa Filho

PPS

-

-

-

-

 

Belivaldo Chagas

PSB

PSB

-

-

-

 

Angélica Guimarães

PTB

PSC

PSC

PSC

-

 

Valmir da Madeireira

PSC

PFL

PSC

-

PSC

 

Garibalde Mendonça

PDT

PDT

PMDB

PMDB

PMDB

 

Heleno Silva

PTB

-

-

 

 

 

Ismael Silva

PT

-

-

 

-

 

Alice Maria Dantas

 

-

PFL

-

-

-

 

Arnaldo Bispo

-

PMDB

PFL

DEM

-

 

Celinha Franco

 

PPS

PFL

-

-

 

Ana Lúcia

-

PT

PT

PT

PT

 

Fabiano Oliveira

-

PPS

-

-

-

 

Venâncio Fonseca

-

PPB

PP

PP

PP

 

Adelson Barreto

-

PMN

PSB

PSB

 

 

Pastor Antônio

-

PDT

-

PSC

PSC

 

Walker Carvalho

-

PSC

-

-

-

 

João Joaquim dos Santos

-

PMN

-

-

-

 

Mardoqueu Bodano

-

PL

PL

-

-

 

José Milton Alves

-

PMN

-

-

-

 

André Moura

-

-

PSC

-

-

 

César Mandarino

-

-

PSC

-

-

 

Rogério Carvalho

-

-

PT

 

 

 

Luiz  Mitidieri

-

-

PSDB

PSDB

PSD

 

Zeca

-

-

PSC

PSC

-

 

Armando Batalha

-

-

PV

 

 

 

Paulinho da Varzinhas Filho

-

-

PT do B

PT do B

PT do B

 

Francisco Gualberto

-

-

PT

PT

PT

 

João da Graça

-

-

PT do B

-

-

 

Conceição Vieira

-

-

PT

PT

-

 

Professor Vanderlê

-

-

PTB

-

 

 

Capitão Samuel

-

-

PSL

-

PSL

 

Jeferson Andrade

-

-

PDT

-

PSD

 

João Daniel

-

-

-

PT

-

 

Zé Franco

-

-

-

PDT

-

 

Goretti Reis

-

-

-

DEM

DEM

 

Zezinho Guimarães

-

-

-

PMDB

PMDB

 

Gustinho Ribeiro

-

-

-

PV

PSD

 

Gilson Andrade

-

-

-

PTC

PTC

 

Sílvia Fontes

-

-

-

-

PDT

 

Dr. Vanderbal

-

-

-

-

PTC

 

Luciano Bispo

-

-

-

-

PMDB

 

Robson Viana

-

-

-

-

PMDB

 

Luciano Pimentel

-

-

-

-

PSB

 

Jairo da Glória

-

-

-

-

PRB

 

Georgeo Passos

-

-

-

-

PTC

 

Padre Inaldo

-

-

-

-

PC do B

 

Fonte: TRE-SE

Observação: Os dados referem-se ao Partido pelo qual o candidato foi eleito.

Tomando-se por base de análise a eleição para a Alese em 2014, dos 24 deputados estaduais somente a metade deles continua no mesmo partido pelo qual foi eleito, nove trocaram de partido durante o mandato atual e três deixaram a Assembleia após terem sido eleitos prefeitos municipais de suas cidades: Valmir Monteiro, atual prefeito de Lagarto, Padre Inaldo, do município de Nossa Senhora do Socorro, e Gilson Andrade, de Estância.

Substituídos por suplentes, mesmo estes já não integram mais os partidos pelos quais se elegeram: Gilmar Carvalho (do SD para o PSC), Moritos Matos (do Pros para a Rede) e Adelson Filho, o Tijoi (do PSL para o PR). O primeiro, talvez seja, entre os políticos sergipanos, o que mais vezes mudou de partido, um verdadeiro camaleão ou macaco a pular de galho em galho, exemplo máximo de “coerência política-ideológica”.

Por outro lado, ressalte-se a presença expressiva de representantes de clãs e de oligarquias que têm dominado historicamente a cena política de Sergipe, a exemplo de Gustinho Ribeiro, Maria Mendonça, Luiz Mitidieri, Goretti Reis, Venâncio Fonseca, Paulinho da Varzinhas, Luciano Bispo, Georgeo Passos, Vanderbal Marinho e Jeferson Andrade. Estes ocupam quase metade das 24 cadeiras na Alese.

Sem aventar qualquer juízo de valor, até porque entre eles há os que se livraram do conservadorismo ou mesmo reacionarismos dos pais ou parentes, e têm tido um comportamento republicano e progressista em sua atenção parlamentar, o certo é que ainda falta muito para que tenhamos uma real e expressiva alternância de poder na Assembleia Legislativa de Sergipe. A renovação que tem ocorrido na Alese, portanto, está mais para a mudança de nomes do que de conteúdo, haja vista a hereditariedade que ainda marca fortemente aquela casa legislativa.

Na democracia, é legítimo qualquer cidadão participar da política e se candidatar a um cargo nos poderes executivo ou legislativo, independente de sua origem ou adscrição de classe social, porém, num país como o Brasil, marcado pela desigualdade e pelo patrimonialismo, onde o controle sobre a economia e a política sempre estiveram em mãos de oligarquias, nada mais necessário e imperioso que se rompa com essa sina. Sergipe, como se sabe, ainda não conseguiu se livrar dessa herança maldita.

Mudar e sacudir a poeira na Alese, com a renovação de seus quadros e a ocupação de suas cadeiras com pessoas realmente preocupadas com a melhoria das condições de vida da população mais pobre, é condição primeira para a democratização do poder e reorientação das políticas do governo estadual.

Até porque, quem pauta as matérias encaminhadas pelo executivo estadual para serem votadas é a Mesa Diretora da Alese. Daí a importância de se ter na Assembleia uma maioria que pense nas necessidades da população, ao invés de representantes de grupos econômicos, empresariais e corporativos que visam interesses específicos. De nada adiantará mudar de governador se a Alese continuar a ser um serviçal do poder executivo e não a casa da defesa dos interesses do povo.

Infelizmente, parece que ainda não será dessa vez que isso acontecerá, haja vista os resultados eleitorais das eleições de 2018 para a Alese.  Mas, isto é assunto para outro papo.

[*] Doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ, professor aposentado na Universidade Federal de Sergipe e avô da Liz e da Bia.

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