Aparte
OPINIÃO II - Cabe ao TRF-4ª Região decidir entre a farsa contra Lula e o Estado de Direito

[*] Lucas Rios

Como deve ser para uma pessoa ter que provar todos os dias de sua vida que não é culpado de algo imoral, ilícito ou ilegítimo? Provavelmente, pergunta-se o maior personagem da vida política brasileira dos últimos 30 anos, Luiz Inácio Lula da Silva.

Não é fácil ter que provar que uma criança pobre nascida no interior do sertão do Brasil pode estudar; não é fácil ter que provar que pode existir um sindicalismo forte no Brasil; não é fácil ter que provar que pode existir um partido de trabalhadores no Brasil.

Não é fácil ter que provar que um torneiro mecânico pode presidir o Brasil; não é fácil ter que provar que esse mesmo torneiro mecânico poderia se tornar o maior presidente da história do país, reconhecido em todo o mundo por sua liderança, carisma e resultados de seu governo.

O ter que provar algo, portanto, nunca foi uma novidade na vida de Luiz Inácio Lula da Silva. Provar que seria capaz de fazer tudo o que fez era o maior desafio que lhe poderia ser imposto. E Lula provou!

Provou porque acreditou na política como instrumento de mediação de conflitos, provou porque acreditou que a democracia brasileira seria possível - democracia essa existente na Constituição como peça, elemento fundante do Estado de Direito brasileiro. Nosso Estado só é de Direito porque democrático; sem democracia, não há Estado de Direito - e assim foi concebido na Constituição de 88.

Neste sentido, surge, então, mais um grande desafio para o hoje já septuagenário Luiz Inácio Lula da Silva: provar que é inocente. Absurdo? Sim. Um absurdo, mas essa é a condição a que as forças judiciárias politizadas e carregadas de convicção lhe impuseram nos idos de 2018, ano em que a Constituição completará 30 anos de promulgada.

Porquanto a grande mídia corporativa, por interesses não menos políticos, também o pressuponha culpado, não se pode descurar da relevância que um sistema judicial articulado para punir a qualquer custo alcança numa democracia ao pretender condenar Luiz Inácio sem provas.

Não que isso fosse tolerável se não se tratasse de Lula da Silva, mas porque Luiz Inácio também é cidadão portador de direitos e garantias, e porque não se trata apenas Luiz Inácio. Lula da Silva são milhões de brasileiros que veem nele a oportunidade de figurar na nossa, ainda que frágil, democracia.

A comunidade jurídica, nacional e internacional, já percebeu a farsa do julgamento do Lula no âmbito da Lava Jato e não se tem omitido em denunciá-la. Questionamentos acerca do domínio do fato ou do fato indeterminado (Lula sabia ou deveria, por dever de ofício, saber de tudo que se passava na Petrobras), da propriedade do suposto fruto da corrupção (um imóvel de valor venal muito aquém do que o próprio Lula poderia adquirir, caso quisesse, a partir dos rendimentos que auferiu ao longo da sua vida), da pressão sofrida pelo delator para dar a versão desejada pelo órgão acusador, dos depoimentos das testemunhas que não só não a confirmam, mas contrariam frontalmente aquela versão, foram como são suficientes para questionar a legitimidade do decreto condenatório imposto pelo juízo de Curitiba, bem assim sua manutenção pela instância revisora.

Mas, mais do que questões processuais, de ordem probatória ou ligadas a teses jurídicas importadas de outros sistemas jurídicos e mal aplicadas no âmbito do nosso ordenamento, está a intenção clara e inequívoca de retirar de Luiz Inácio Lula da Silva o direito de continuar exercendo seu papel - visto como indesejado por alguns setores da sociedade brasileira, alguns deles incrustados em nossas instituições - na democracia brasileira.

Portanto, caso a sentença do juízo de Curitiba seja confirmada, estar-se-á avançando em mais uma etapa, provavelmente a principal delas, do golpe que se iniciara com a deposição de Dilma Rousseff da Presidência da República. Caberá ao TRF da 4ª Região, então, decidir entre a farsa e o Estado, desde que democrático, de Direito.

[*] É advogado com atuação especializada em Direito Público e pós-graduado em Processo Civil.

Deixe seu Comentário

*Campos obrigatórios.