Aparte
Opinião - Aracaju e o racismo urbano - do espancamento até a catraca aérea

[*] Vinicius Oliveira

Em Aracaju, Edivaldi Jhon Francis, um jovem negro periférico, foi espancado por seguranças particulares de uma empresa de ônibus em uma linha periférica, mesmo alegando que pagaria a tarifa.

Pagar a tarifa muda todo o debate para algumas pessoas, principalmente quando o dinheiro vem de mãos negras – paga-se a dignidade e o direito de estar ali. Mas jamais o respeito. O sentimento de respeito fica para os não-negros.

Não ser preto(a) e periférico é garantia de respeito, e inclusive o sentimento de pena, caso a pessoa peça uma “carona”. Mas e se o jovem não tivesse realmente o dinheiro da tarifa, entenderíamos que foi um caso de racismo urbano?

Japãozinho, final de 2018. Ponto de ônibus sem cobertura. Mas não importa: o preço vai ser caro do mesmo jeito. O buzu para e, de repente, em meio a todo aperto, duas catracas acocham os usuários. Sim, tem uma catraca aérea.

O argumento das empresas de ônibus você deve imaginar: “para não perder os lucros, para que não pulem a catraca”. Gestantes, mulheres com crianças de colo e adolescentes com direito à gratuidade têm a sua dificuldade triplicada para acessar o seu direito.

Não bastasse a catraca, durante meses um carro da segurança particular andava atrás dos ônibus com homens para expulsar ou espancar qualquer pessoa que subisse no ônibus e não tivesse o dinheiro para pagar.

E vinham para aterrorizar. Mandavam recado e garantiam sua força com total conivência da PM e da Guarda Municipal. Neste momento, os governantes esquecem do direito de ir e vir dos periféricos, de quem lembram apenas quando tem manifestação. A periferia tem seu direito à cidade espancada em diversas linhas de ônibus.

O racismo urbano em Aracaju é nítido para quem no mínimo anda de ônibus. As linhas não levam aos bairros - levam ao centro e aos shoppings. Quanto mais periférico o bairro, pior os atrasos, a qualidade dos ônibus e a superlotação. E são os bairros periféricos com maior concentração de negros e pardos em Aracaju.

Em valores absolutos, ou seja, quantidade de pessoas que se autodeclararam de cor preta, os bairros Santa Maria, São Conrado, Farolândia, Santos Dumont e 18 do Forte se destacam. Tanto em valores absolutos quanto em relativos, os bairros São José, Salgado Filho, 13 de Julho, Jardins tem as menores concentrações.

A compreensão interseccional das desigualdades, leva a entender que as mazelas das violações dos direitos urbanos são diferentes de acordo com sua raça, gênero, classe e também território. Ou seja, as empresas (públicas ou privadas) decidem pela cor e também pelo CEP como dará tratamento diferenciado ao cidadão. E em que bairros ou comunidades o serviço público urbano aparece mais precarizado. Para quem não quer ir até um bairro periférico, basta ir no terminal Atalaia aos domingos.

Foram anos de luta para que a legislação brasileira formalizasse que ninguém poderia ser escravizado(a), violentado(a) ou preso por dívida. Não é admissível que em um Estado Democrático de Direito, linhas de ônibus que circulam em bairros periféricos tenham “seguranças com poder de polícia” (vulgo: capitão de mato) contratados por uma empresa que presta um serviço público.

O racismo urbano das empresas de ônibus de Aracaju conta com o aval silencioso da SMTT, da Setransp e da Prefeitura de Aracaju que, ao invés de discutir a violência do alto valor da tarifa, permitem que as empresas inventem uma nova profissão sem qualquer fiscalização.

O caso de Jhon tem que servir de alerta de que o corpo negro periférico vale muito mais do uma tarifa, e que além dos espancadores a empresa racista também precisa ser responsabilizada e Jhon ter reparado seus danos morais e materiais. Com a palavra, a Prefeitura de Aracaju.

[*] É jornalista e militante do Movimento Tudo Para Todos.