[*] Edson Júnior
Nesta terça-feira, 7.7, comecei o dia com uma daquelas notícias que a gente torce que seja uma brincadeira fora de época de 1º de abril - o dia da mentira -, mas que logo descobrimos se tratar de uma terrível verdade.
Na madrugada deste 7, o jornalista e poeta Amaral Cavalcante fez sua passagem para o plano celestial. Sentiu-se mal em sua residência, foi levado a um hospital, mas infelizmente veio a óbito.
O jornalismo e a cultura ficam órfãos desse genial cronista, que contava a vida como se ela passasse em frente ao leitor. Amaral transmutava as pessoas para a cena do que escrevia com um repertório vocabular simples e também erudito. Fazia-se compreendido por todos.
Ninguém descreveu os movimentos de contracultura e as décadas de 70 e 80 como Amaral, mais um simãodiense de “peia” que brilhou em nosso Estado. Contou muitas passagens desse município, pródigo em talentos da cultura e da política.
Foi também ator, produtor cultural e fundador do jornal alternativo Folha da Praia, onde revelou brilhantes nomes do jornalismo sergipano e fez a alegria nos bares da Orla da Atalaia. A edição do jornal era presença certa nas mesas durante a cervejinha e o caranguejinho domingueiro.
O Folha da Praia era mais aguardado que os petiscos. Entre uma conversa e um gole de cerveja, os olhos bebuns, como periscópios, caçavam o entregador do jornal para disputar um exemplar. Muitas vezes a tiragem não dava para quem queria: chegava e acabava.
Mas o espírito coletivo de Amaral reinava e quem já tinha lido o exemplar cedia para quem estava na orfandade. E o Folha da Praia chegava para todos, como um milagre da multiplicação.
Amaral deixou obras escritas e muitas crônicas em seu perfil no facebook. Um espaço de abstração dos dias chatos. Várias vezes fugi de domingos modorrentos encontrando em Amaral um pouco de anarquia e breve licença da realidade. Sempre me recuperava com seus “causos”. E o dia ficava divertido.
Nosso poeta também integrou a Academia Sergipana de Letras. Tornou-se um imortal. Foi um sopro de alegria e de qualidade nessa confraria de letras que ele desfilou com galhardia e mérito.
Atrevo-me, sem receio, a dizer que ele não apenas foi honrado com a láurea, como fez a academia se sentir honrada com um membro de tão alto calibre, que como poucos conhecia a magia de articular letras, transformando signos em vida bem vivida. Um bruxo das palavras.
E uma de suas alquimias recebe o nome de Cumbuca, revista cultural com a assinatura e editoria de Amaral Cavalcante. Um espaço da sergipanidade, com o refino de quem trilhou esse caminho e o venceu.
“Desde o início procuramos pautá-la (a revista) em função de certa atemporalidade, abordando temas contemporâneos e registrando fatos notáveis da nossa memória cultural, de modo a remetê-la ao interesse dos leitores, agora e num futuro qualquer”, registrou o imortal em entrevista ao Jornal do Dia, edição de 14 de março de 2018.
É e no presente, ou "num futuro qualquer", que sempre encontraremos Amaral Cavalcante, seja em uma leitura, uma lembrança, ou um dia chato para buscarmos nele uma inspiração.
Amaral Cavalcante partiu mas está entre nós através do seu legado de vida, para que hoje e sempre possamos falar dos seus causos como ele os contou, sem tirar nem pôr. Vamos falar de um tal Amaral Cavalcante, poeta que fez da vida um lugar bom para passar os dias. Até breve, Amaral!
[*] É jornalista.
*Foto: Carlos Cauê