Aparte
Jozailto Lima

É jornalista há 40 anos, poeta e fundador do Portal JLPolítica. Colaboração / Tatianne Melo.

Zezinho Sobral e a memória do sobrevivente: “A Covid é uma doença da solidão. Fiquei angustiado” 
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Zezinho Sobral: “A gente se sente pequeno diante das coisas”

“Admito: fiquei nervoso. Fiquei muito angustiado. O isolamento é difícil. Você se sente no meio de uma pandemia, de um negócio que tem essa letalidade - porque a gente sabe que o coronavírus não é uma coisa simples. (O momento mais angustiante) foi na hora em que eu fui para o meu apartamento e tive de me trancar no quarto. Os meus meninos ficavam batendo na porta e não podiam entrar. Ficavam dizendo: “meu pai, meu pai”. E eu não abria. O isolamento é difícil”.

Este trecho aí acima é apenas parte do drama que o deputado estadual e ex-secretário de Estado da Saúde e da Agricultura de Sergipe, Zezinho Sobral, 54 anos, viveu neste mês de maio ao descobrir no dia 1º que houvera sido infectado pelo coronavírus.

Zezinho Sobral não desenvolveu gravemente a doença Covid-19. Sequer necessitou de internamento. Mas guarda na memória a mordida dos piores desconfortos. “Foram as dores de cabeça e dores de amolecer o corpo de não poder levantar, de não sentir disposição. A perda de apetite. Ah, devo dizer que tem diarreia também. É um sintoma da Covid”, diz.

Nesta breve entrevista para a Coluna Aparte, Zezinho, que é líder do Governo do Estado na Alese, fala da segregação que a doença gera. “Eu me senti distante daqueles que a gente tem mais proximidade - e aí é trágico”, diz ele. Vale a leitura.

Aparte - Como é que o senhor recebeu a notícia de que havia testado positivo?
Zezinho Sobral -
Olha, todas as quintas-feiras eu participei das reuniões do Comitê da Saúde do Estado, que define quais serão as medidas e os decretos. Uma vez, juntamente com o deputado Luciano Bispo. E esse pessoal da saúde, que estava com a gente, como está sempre em muito contato com a área, faz exames periódicos.

Aparte - Mas o que lhe despertou a necessidade de fazer o exame?
ZS -
Eu comecei numa segunda-feira véspera de uma dessas reuniões a sentir os sintomas. Repare que coisa interessante: perdi o apetite, perdi paladar. Na terça, na quarta e na quinta eu não almoçava mais. Não tive vontade, perdi o apetite. Na segunda seguinte senti dores de cabeça e pensei: “rapaz, será que isso é gripe”?

Aparte - Mas era gripe?
ZS -
A gripe não aparecia, então não era. Aí eu disse: estou com esses sintomas, então vou fazer o exame. Fiz o PCR, que é aquele que coleta resíduos da garganta e é o que chamam de o mais preciso de todos. Quando foi na sexta de manhã, dia 1º de maio, recebi o resulta: estava positivo.

Aparte - E qual foi a sua reação?
ZS -
Amigo, admito: fiquei nervoso. Fiquei angustiado. Preocupado com a minha família, e a primeira reação que tive foi em direção às pessoas com quem estive, de avisar a todo mundo. Eu disse: “olha, pessoal, eu testei positivo”. Avisei inclusive às pessoas com quem estive na semana, incluindo Luciano Bispo. Quando eu disse para Luciano, ele reagiu: “é mesmo rapaz? Eu fiz o teste semana passada e não deu nada”. Ele foi fazer novamente. E aí deu positivo também.

Aparte - Qual é o grau de angústia numa hora dessas?
ZS -
É uma situação difícil. Você se sente no meio de uma pandemia, de um negócio que tem essa letalidade - porque a gente sabe que o coronavírus não é uma coisa simples. 

Aparte - Mas qual foi o momento mais angustiante dentro desse seu estágio? Quando se sentiu fisicamente mais desconfortável?
ZS -
Olha, foi na hora em que eu fui para casa, para o meu apartamento, e tive de me trancar no quarto, isolado. Os meus meninos ficavam batendo na porta e não podiam entrar. Ficavam dizendo: “meu pai, meu pai”. Batendo e eu não abria. Fiquei muito angustiado. O isolamento é difícil.

Aparte - Em algum momento o senhor chegou a se separar fisicamente da sua família?
ZS -
Não. Depois que fui para o meu apartamento, fiquei trancado no meu quarto. Me isolei assim total dos meninos e da minha mulher. Nesse momento, percebi que o quanto o vírus, ou a doença, lhe deixa só. A Covid-19 é uma doença da solidão, não é?

Aparte - O senhor se sentiu segregado pelas outras pessoas?
ZS -
Sim. Eu me senti distante daqueles que a gente tem mais proximidade - e aí é trágico.Com esse isolamento, percebi que as pessoas têm medo. No próprio prédio em que moro, as pessoas que vão levar o lixo para fora do apartamento ficam preocupadas.

Aparte - Qual foi o sintoma mais grave que o senhor desenvolveu?
ZS -
Foram as dores de cabeça, e dores de amolecer o corpo de não poder levantar. De não sentir disposição. E a perda de apetite - e olhe que os meus sintomas foram mais leves. Ah, devo dizer que tem diarreia também. É um sintoma da Covid.

Aparte - E as suas funções olfativa e gustativa retornaram?
ZS -
Retornaram. Estou me sentindo muito bem. Sinto o meu paladar, sinto o sabor das coisas e me alimento melhor. Bem melhor. 

Aparte - Em nenhum momento precisou ser internado?
ZS -
Não. Não fui internado em momento nenhum.

Aparte - Mas o senhor chegou a sentir um certo pânico, pensando que poderia ser entubado ou algo assim?
ZS -
Não cheguei a pensar nisso. Sou pai e fiquei mais preocupado foi com as crianças, com os meus filhos pequenos - o meu menino de um ano e nove meses e a minha menina, de cinco anos.

Aparte - Procede a informação de que 16 pessoas do seu entorno testaram positivo?
ZS -
Não. Do gabinete nosso de trabalho, três pessoas testaram positivo. Minha mulher, os meninos e meu irmão Alexandre Sobral testaram positivo também - foram essas pessoas somente. Os outros, testaram negativo.

Aparte - Em algum momento o senhor se sentiu culpado por ter contraído a doença?
ZS -
Não me senti. Tem gente que nesta hora vai para as farras. Eu o que fiz? Trabalhei, mas usando máscara antes e depois. Me protegi o tempo inteiro.

Aparte - Diante da experiência que o senhor passou, daria que conselho às pessoas que negligenciam o vírus e a doença?
ZS -
Eu diria que se cuidem, porque é uma experiência de muita vulnerabilidade. A gente se sente pequeno diante das coisas. As vezes a gente se sente inatingível, pensa que “isso não acontece comigo”. Só que acontece com qualquer um. Todos estamos expostos. Então nesse momento, cuide de quem é mais vulnerável. 

Aparte - Dos idosos, por exemplo?
ZS -
Sim. Nem fui ver minha mãe nesse período e veja a que ponto chegamos: a minha maior tranquilidade foi ela ter estado longe de mim. São 60 dias longe dias longe um do outro. Se estivéssemos estado perto, eu estaria apavorado. Ela tem 76 anos e, obviamente, é muito vulnerável. Por isso, digo sem afetação: cuide daqueles que são próximos. O isolamento, sim, é importante. Só saia se for preciso. Se não for, não saia. Tem gente que precisa trabalhar e sai porque tem que sair - é compreensível. Mas quem não precisa e pode ficar em casa, fique.

Aparte - Hoje o senhor é um paciente negativado para o coronavírus?
ZS -
Eu fiz um segundo exame e não apresento mais o vírus. Estou aguardando aparecer os anticorpos.

Aparte - Qual é a recomendação médica que recebe nesses casos quem não apresenta mais o vírus?
ZS -
A recomendação que recebi é de que devo manter todos os procedimentos da quarentena. Ou seja: devo usar a máscara, usar álcool em gel, manter-me em casa o maior tempo possível. Não tem essa história de “ah, você está imunizado, pode ir para rua e fazer o que quiser”. Nada disso.

Aparte - O senhor chegou à conclusão, óbvia, de que o coronavírus não distingue classe, não é!
ZS -
Sem dúvida. E sabe mais o que eu acho? Que o coronavírus veio para ficar. A gente vai ter que esperar a vacina, e a população se imunizar e desenvolver a resistência a ele - isso, para poder ter uma vida normal.

Aparte - Qual é o seu conceito quanto às atitudes das autoridades políticas e da área de saúde?
ZS -
Acho que, no plano local, está todo mundo sendo precavido. O isolamento é importante, concordo com ele, e os decretos estão dentro da normalidade. Agora, a gente precisa pensar no dia de amanhã. Precisamos criar um ambiente de diálogo, de conversa, para construir uma retomada planejada da vida. Uma retomada criteriosa, respeitando nossas vulnerabilidades. Estou preocupado com os pequenos e microempresários de Sergipe.

Aparte - E qual é a sua visão do presidente do país em relação à doença?
ZS -
A minha visão é a de ele é um cara que parece não estar observando a realidade com clareza. Acho que Bolsonaro ainda não enxergou o tamanho do problema, e quem é político e está numa situação como essa não pode ter medo de sofrer. Quem assume responsabilidade de governar não pode estar preocupado com imagem. Na posição de quem vai comandar um país, o desgaste e o risco precisam ser assumidos.

Aparte - Qual seria o risco que o presidente precisaria assumir nesta hora?
ZS -
O de entender que a gravidade da pandemia não o permite politizá-la. Ele precisa ser técnico. Ele precisa se isolar e precisa planejar o dia seguinte. O mundo todo se comportou assim, cientificamente. 

Aparte - O senhor acha que o pós-pandemia será tão dramático quanto a pandemia em si?
ZS -
Para mim o pós será pior. Haverá uma mudança de paradigma e a sociedade não irá se comportar nunca mais como se comportou até hoje. A saúde, que sempre foi olhada com uma visão muito crítica no nosso país, será enxergada de modo pior. A economia, onde nós tínhamos 14 milhões de desempregados, estará bem pior. Esses três aspectos serão seriamente alterados daqui a alguns meses, quando tudo estiver passado no campo sanitário.

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