Ângelo Antoniolli: “Campus da UFS do Sertão sonha nova civilização pro semiárido”

Entrevista

Jozailto Lima

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Ângelo Antoniolli: “Campus da UFS do Sertão sonha nova civilização pro semiárido”

“Do Campus da UFS do Sertão pode florar uma Universidade Independente do Semiárido e do Sul

Quer comprar uma briga com o reitor da Universidade Federal de Sergipe - UFS -, Ângelo Antoniolli, 61 anos, e estancar aquele riso sempre ativado que carrega com ele?

É facílimo: fale mal, ou desaprove o Campus da UFS do Sertão, no qual desde 2014 vem sendo implantado pela gestão da UFS uma nova realidade nas ciências agrárias, na medicina veterinária, zootecnia e nas perspectivas agroindustriais, e onde estão hoje quase mil alunos e 60 professores-doutores.

Diga que nada disso presta. Ou que vai dar em nada todo um investimento que já recebeu mais de R$ 10 milhões e que vai ter um aporte de R$ 20 milhões só agora em 2019. Diga isso, mas prepare a lata para aprisionar um siri enfezado.

Esse siri na lata seria Ângelo Antoniolli, um doutor em Farmácia nascido em Itupeva, mas criado numa das regiões mais pobres do Estado de São Paulo - Pariquera-Açu - e que há quase 30 anos faz carreira acadêmica na UFS, seu emprego mais viçoso, e da qual foi vice-reitor por dois mandatos antes de chegar a uma Reitoria pela qual responderá até dezembro do ano que vem, quando também um segundo mandato.

Antoniolli é passional, sem a menor sem-cerimônia, quando mexem nas estruturas da UFS. Superpassional quando o caçula dos Campi da UFS, o do Sertão, entra em pauta.

“Estou convencido de que o campus da Universidade Federal do Semiárido, vai fazer uma história antes e depois daqui a esses 20 anos de que você fala”, diz ele. Diferente para o Sertão, óbvio.

Você leu de fato a expressão “Universidade Federal do Semiárido”. Porque é com essa instituição que Ângelo Antoniolli sonha: com uma Universidade Federal Independente no Semiárido. Ou do Centro Sul e Semiárido Sergipanos - juntando as expertises dos Campi de Lagarto e de Glória.

Mas uma Universidade “Independente” em relação à UFS-matriarca - essa de São Cristóvão. “Não é um sonho impossível. Você vai Minas Gerais e vê que tem 13 universidades. A Bahia tem cinco universidades federais. Rio Grande do Sul tem 15. Por que Sergipe só tem uma federal e não tem uma estadual? Nós precisamos debater isso”, diz ele.

Com o prefeito de Nossa Senhora da Glória, Chico do Correio. Claro, na pauta, o Campus do Sertão
Ângelo Antoniolli: \"por que Sergipe só tem uma federal e não tem uma estadual?\"

QUAL DOS CURSOS É EXCLUSIVAMENTE DO SERTÃO?
“Só o de Agroindústria. São poucas universidades do Brasil que o têm. E por que pensamos no curso de Agroindústria? O maior arranjo produtivo do Sertão sergipano está na esfera do leite”

JLPolítica - Até que ponto o Rio São Francisco estando próximo é um elemento agregador para a viabilidade desse campus?
AA –
Em muitos aspectos. Creio que o Rio São Francisco será a grande saída para o desenvolvimento da agricultura do semiárido. Assim como o foi e o é para Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. Todo o desenvolvimento daquela região, é significativo, está ligado ao São Francisco. Então, o que pensamos fazer para os nossos semiárido e sertão  é exatamente o foi pensado em Petrolina e em Juazeiro. Trazer, através das águas do São Francisco, um bom manejo para a produção da fruticultura, dos animais, do leite mesmo - e a qualificação dessa produção. Esteja certo: aonde chega a universidade, chegam a qualificação da região toda. O curso de Agroindústria fecha todo o arranjo - o melhor manejo, a melhor produção de queijo, de carne, das proteínas de modo geral. Tudo isso pode ser trabalhado com esse arranjo produtivo virtuoso que nós pensamos para o Sertão e o semiárido sergipano.

JLPolítica – Quantos vestibulares já foram realizados lá?
AA -
Já promovemos quatro seleções.

JLPolítica - E quando sairá a primeira turma?
AA -
Este ano o curso de Agroindústria vai formar a primeira turma. E por que será o de Agroindústria? Porque é um curso de quatro anos de duração. Os demais são de cinco anos de duração. Então, eu formo a primeira turma de Agroindústria agora em 2019, no dia 9 de julho, e no ano que vem, no mesmo mês de julho, as primeiras turmas de Medicina Veterinária, Zootecnia e Engenharia Agronômica.

JLPolítica – A Universidade Federal de Sergipe foi buscar expertise onde para montar o modelo desse curso de Agroindústria?
AA –
Esse curso de Agroindústria foi uma reflexão específica e exclusiva. Não foi copiado. Nada ali foi na base do copiar e colar. Nós tivemos que montar uma estrutura, pensar numa estrutura singular. A nossa inspiração veio, no nosso caso especifico do Campus de Medicina de Lagarto. Por quê? Porque o Campus de Saúde de Lagarto é todo montado em metodologia ativa, integrado em metodologia ativa. E essa expertise é só nossa no país – como será a do Sertão. Ninguém tem isso no Brasil. Então, criamos o primeiro Centro de Ciências Agrárias todo por rumo e norte a metodologia ativa, à semelhança do que foi feito em Lagarto. Aliás, essa é uma experiência muito vivenciada no Canadá.

Sonha com a chamada Universidade do Semiárido

DO SONHO QUE VAI SE MATERIALIZANDO
“Quando pensamos no surgimento do campus, o idealizamos para ter uma sede inicial administrativa e acadêmica na cidade de Glória. Foram disponibilizados cursos de Medicina Veterinária, Zootecnia, Engenharia Agronômica e Agroindústria”

JLPolítica - Em que pé se encontra a montagem e consolidação do Campus da Universidade Federal de Sergipe do Sertão, com base em Nossa Senhora da Glória?
Ângelo Antoniolli -
Encontra-se bem. Quando pensamos no surgimento do campus, o idealizamos para ter uma sede inicial administrativa e acadêmica na cidade de Nossa Senhora da Glória. E depois uma fazenda experimental para formar o aluno para a sociedade dentro desse conjunto que é a universidade na sua função experimental. Uma fazenda experimental para que os nossos alunos pudessem de alguma forma realizar os experimentos e capacitar a sociedade. Nós já realizamos por completo essa primeira etapa, que é a da sede em Glória. Em síntese, o Campus da UFS do Sertão sonha nova civilização para o nosso semiárido. 

JLPolítica - Em que condições materiais a UFS instalou o Campus do Sertão lá em 2014?
AA –
As mais simples possíveis. O Estado tinha um espaço onde já funcionava a EAD – Educação a Distância - nossa e uma célula do Estado ligada à saúde. Esse espaço foi cedido. Reformamos e criamos as estruturas capazes de atender aos quatro cursos pensados para aqueça unidade da UFS em Sergipe. Nossa ideia é que funcionasse definitivamente no primeiro e no segundo anos do curso - 2015 e 2016. Os demais seriam complementados na fazenda experimental que fica a 12 km de Glória, entre essa cidade e Feira Nova.

JLPolítica – Mas quantos e quais são os cursos disponibilizados ali?
AA -
Foram disponibilizados quatro cursos: Medicina Veterinária, Zootecnia, Engenharia Agronômica e Agroindústria.

JLPolítica - Qual deles é exclusivamente do Campus do Sertão?
AA -
Só o de Agroindústria. Aliás, são poucas universidades do Brasil que têm esse curso. E por que pensamos no curso de Agroindústria? O maior arranjo produtivo do Sertão sergipano está na esfera do leite.
O Campus do Sertão está instalado no epicentro da bacia leiteira. Pensamos nos cursos de Medicina Veterinária para melhorar os rebanhos e as práticas e os cortes adequados. No de Zootecnia, para que os nossos alunos e a sociedade tivessem melhor controle e conhecimento dos rebanhos e o desenvolvimento desses animais. Pensamos na Engenharia Agronômica para que tivéssemos lá um centro do melhor uso do nosso solo, da melhor produção de alimentos daquela região, que é extremamente rica na produção de alimentos.  

Medicina Veterinária, Zootecnia, Engenharia Agronômica e Agroindústria são cursos do Campus do Sertão

UMA UNIVERSIDADE PARA O HOMEM DA REGIÃO
“90% dos alunos que estão ingressando no campus rural são oriundos dos municípios sertanejos. Porque a universidade criou um bônus de 10% na seleção da média do aluno na prova do Enem para os que vêm dos 11 municípios que pertencem ao Campus Rural”

JLPolítica - Quantos professores O Campus do Sertão demanda hoje?
AA –
São quase 60 professores, mas o limite que estamos trabalhando são 70 professores. Estamos com déficit de dez, ainda.

JLPolítica - O senhor espera ver preenchido quando?
AA -
Esperemos que este ano, ou no ano que vem. Não depende de nós, mas do MEC.

JLPolítica - O Campos do Sertão pretende usar como sede quanto por cento das 600 hectares da Fazenda Experimental da Embrapa Semiárido lá de Glória? 
AA -
Nós estamos inicialmente utilizando em torno de 75 hectares lá dentro. Para quê? Para que os demais espaços possam ser consorciados à medida em que surjam as necessidades, principalmente se estas forem integradas com a Embrapa do Semiárido, o que para nós é muito importante. Fazer dos demais espaços dessa fazenda - aqueles que sejam possíveis utilizar - um laboratório de transferência de tecnologias, de conhecimento da fruticultura do semiárido pernambucano, à semelhança do que é feito lá em Petrolina e Juazeiro - Petrolina que está mais desenvolvida hoje. Queremos trazer essa expertise para o Campus da Universidade do Sertão. A proposta é a de que a gente possa criar novas riquezas naquela região e compartilhar com a sociedade. Esse é o papel da ciência, o papel do conhecimento e da UFS.

JLPolítica - Em que pé estão as tratativas para essa concessão da terra da fazenda?
AA -
Nós já temos a propriedade dos 75 hectares da terra. Estamos agora dialogando um convênio com a Embrapa Semiárido para compartilhar essa expertise. O compartilhar da universidade é criar um programa de pós-graduação, de mestrados e doutorados lá dentro.

“90% dos alunos que estão ingressando no campus rural são oriundos dos municípios sertanejos\", contabiliza

JÁ TEM FORMATURA EM JULHO DESTE ANO
“Este ano Agroindústria vai formar a primeira turma. E por que será o de Agroindústria? Porque é de quatro anos de duração. Os demais são de cinco. Ano que vem, as primeiras turmas de Veterinária, Zootecnia e Engenharia Agronômica”

JLPolítica – Qual é a tradução de metodologia ativa?
AA -
A metodologia ativa deriva da Aprendizagem Baseada em Problemas – a ABP -, cuja matriz vem do inglês Problem Based Learning. Então, o que acontece é que primeiro o aluno vê o problema, conhece a comunidade toda e a partir daí ele constrói o conhecimento dentro das salas de aula da universidade. Uma turma tem de ter no máximo dez alunos, e esses dez alunos dos diversos cursos convivem com as disciplinas que vão para o campo conhecer os problemas da comunidade

JLPolítica – Ou seja, Lagarto faz uma metodologia voltada para a assistência humana, a saúde, e o Sertão para a do animal, do agronegócio, dos vegetais?
AA –
Exatamente isso. É por aí mesmo. A questão ambiental também. Tudo é importante para a nossa gente no Sertão. O leite, a produção, a saúde do animal, do negócio. Qualificando isso estamos melhorando práticas e vidas.

JLPolítica – O senhor tem noção de quanto por cento do alunado recepcionado pelos cursos dali é descendente de produtores rurais do semiárido?
AA -
Tenho: 90% dos alunos que estão ingressando hoje no campus rural dali são oriundos dos municípios sertanejos. Por quê? Porque a universidade criou um bônus de 10% na seleção da média do aluno na prova do Enem para os que vêm dos 11 municípios que pertencem ao Campus Rural.

JLPolítica - Seria uma espécie de Lei do Boi de antigamente?
AA –
Não é a Lei do Boi, porque ninguém precisa apresentar título de terra dos pais. Criamos apenas um “privilégio” para atender uma demanda, por querer que essa demanda fique por lá. Mas ele nem precisa ser filho de proprietário rural. Precisa apenas ter estudado lá em um município do Sertão. Aí está a diferença da Lei do Boi. Não gosto da ideia dela.

\"Ano que vem, formam as primeiras turmas de Veterinária, Zootecnia e Engenharia Agronômica”, relata

DA PARCERIA COM O ESTADO E A SOCIEDADE
“Nesse instante precisamos estar dialogando intensamente com o Governo do Estado, através das Secretarias da Agricultura e do Desenvolvimento Científico e Tecnológico, de todos os pares, para que a gente encontre uma política de desenvolvimento da região”

JLPolítica - Qual o tempo de maturação de um projeto como esse do Campus do Sertão?
AA –
É de 20 anos. Dificilmente, antes de 20 anos a gente tenha uma reflexão completa. Primeiro, temos que convencer todos os atores da importância de uma universidade numa região. Segundo, é preciso que todos estejam caminhando numa mesma direção. E que a sociedade se perceba integrada nesse desenvolvimento.

JLPolítica - Qual a interlocução que o Campus do Sertão pode estabelecer com as práticas e realidades da fruticultura de Juazeiro, na Bahia, e de Petrolina, em Pernambuco, e com a Embrapa Semiárido?
AA -
Nós temos toda a liberdade em direção à integração. Os dois campi já são muito integrados, tanto o nosso Campus do Sertão quanto o Núcleo da Embrapa do Semiárido, que tem estabelecido diálogos. Frequentemente, nossos alunos e professores vão a Petrolina. E Petrolina também tem os seus professores ligados ao Campus do Sertão. E com as condições adequadas que estamos implementando, iniciando agora, esperamos fazer com que ali seja um laboratório de experimentação para todos de qualquer região que querem fazer mestrado, doutorado, para entender e compreender melhor o semiárido brasileiro.

JLPolítica - A Fazenda da Embrapa em Glória pertence a Embrapa Semiárido de Petrolina?
AA –
A fazenda, toda ela, pertencia a Embrapa de Petrolina. A Embrapa dou aqueles 75 hectares dela para a Universidade Federal de Sergipe.

JLPolítica - Os 525 hectares restantes estão ativos?
AA –
Inativos, porque ela não consegue dar conta desses dois aspectos. Ela tem muito interesse, mas ela não tem como a essa distância. Por isso que a ida da UFS para ela é muito importante.

Com André Moura, quando ele ainda era deputado federal e líder do Governo Temer no Congresso Nacional

PAPEL DE GERAR NOVAS RIQUEZAS NA REGIÃO
“A proposta é a de que a gente possa criar novas riquezas naquela região e compartilhar com a sociedade. Esse é o papel da ciência, o papel do conhecimento e da UFS

JLPolítica - Por que isso é possível?
AA -
Porque 100% dos nossos professores do semiárido têm doutorado. Com isso, estamos discutindo o primeiro programa - veja bem, não formamos a primeira turma de graduação -, mas já estamos discutindo a primeira turma de mestrado ligada ao desenvolvimento regional.

JLPolítica - O Governo do Estado de Sergipe consegue visualizar o real alcance sócio econômico desse projeto das UFS e ajuda em alguma coisa, ou se mantém à margem?
AA –
Diria quenesse instante precisamos estar dialogando intensamente com o Governo do Estado, através das Secretarias da Agricultura e do Desenvolvimento Científico e Tecnológico, de todos os pares, para que a gente encontre uma política de desenvolvimento da região, centrada em todos que são responsável pela região. A universidade tem lá um grande exército, tem quase mil alunos, quase 60 professores com doutorado, 40 técnicos administrativos. Equivale a dizer que estamos formando uma massa crítica muito grande naquela região. E essa massa crítica não estamos formando para nós. Nós temos as cabeças pensantes. Esses professores com doutorados, oriundo de várias regiões do país, vieram para Sergipe e estão morando lá. Com isso, eles enxergam a importância que tem essa articulação entre a universidade e as demais instâncias do Estado, com todos os secretários. Não é só a vontade do governador. É um política de Estado ligada ao desenvolvimento. É preciso que todos estejam debatendo com muita clareza o projeto de cada um no desenvolvimento dessa região. Transferir somente para a universidade é perder o eco maior de desenvolvimento daquela região como um todo. 

JLPolítica - Mas, em síntese, o senhor acha que o Governo vê isso? Vê esse projeto do Campus do Sertão como uma política de Estado? Ou ainda não perceber esse peso?
AA -
De modo geral, a gente não conseguiu, talvez pela história das universidades, essa maior interação. Veja: há dez anos essa era uma universidade que tinha 500 professores, não tinha pós-graduação, tinha seis mestrados e um doutorado, e nove mil alunos. Hoje, é uma universidade grande, complexa. Tenho 30 mil alunos na graduação, três mil fazendo mestrado e doutorado, 1.500 professores - 1.100 deles doutores.Então, nós temos uma capacidade e uma capilaridade por Sergipe muito maior. E precisamos encontrar e convencer os parceiros de que temos esse compromisso com o desenvolvimento. É preciso ficar patenteado que não estamos fazendo uma universidade para nós. É diferente olhar para a UFS e olhar para a USP.

JLPolítica - O fato de não se ter uma universidade estadual não poderia fazer com que o Estado de Sergipe se aproximasse mais da federal enquanto instituição?
AA -
Eu acho que, em algum momento, vamos ter que repensar e rediscutir essa questão de uma universidade estadual. A Universidade Federal não podendo se desenvolver, estando impedida de crescer ainda mais, é necessário a estadual. O projeto de crescimento da Universidade Federal de Sergipe estava ainda para acontecer para as regiões de Estância e Propriá. São regiões que necessitam de algum desenvolvimento ligado à universidade. A universidade poderia alavancar o desenvolvimento nelas. Por isso, pensamos assim: se as universidades federais não puderem crescer, seria importante que o Estado pensasse num braço estadual - pelo menos na região de Propriá -, num modelo de desenvolvimento nessa linha.

Café da manhã com Jackson Barreto, quando ele ainda era governador

INTEGRAÇÃO COM A EMBRAPA DE PETROLINA
“Nós temos toda a liberdade dE integração. Os dois campi já são muito integrados, tanto o nosso Campus do Sertão quanto o Núcleo da Embrapa do Semiárido, que tem estabelecido diálogos. Frequentemente, nossos alunos e professores vão a Petrolina”

JLPolítica - O senhor acha que essas falas supostamente ameaçadoras são de quem está chegando e que elas podem se diluir no passar dos anos?
AA -
Eu quero entender que seja sim. Até por não conhecer profundamente as realidades do nosso Brasil, das nossas universidades. É preciso que as mazelas acabem - isso em qualquer lugar, em qualquer sistema, e não falando sobre universidade. Vivemos num país aonde há mazelas em todos os cantos. O que temos que fazer é diminuir as mazelas. Encontrar um jeito de integrar as ações para que, junto com o Governo Federal, a gente possa diminuir as mazelas. É preciso que isso aconteça.

JLPolítica - O senhor é um educador que não acredita que o Brasil tem universidade demais?
AA -
Não acredito nisso. O Brasil tem universidades de menos. Se você pegar o censo da educação de qualquer lugar do mundo verá isso. Veja: nós temos apenas 15% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior brasileiro. A Argentina tem 42%, o Chile 36%. Todos os países da América do Sul tem um indicativo melhor de ensino superior que o do Brasil.

JLPolítica - Isso apesar do aporte das universidades particulares?
AA -
Sim. Hoje 73% dos alunos matriculados no ensino superior estão nas universidades privadas, e um pouco mais de 25% nas públicas. Isso é um retrato ruim para o brasil, que é um país pobre.  

JLPolítica - A UFS tem muitos investimentos em abertos a serem concluídos nesse Governo?
AA -
Tem sim. Nós estamos começando esse Campus do Sertão de que tanto falamos aqui. A fazenda experimental é pensada para estar integrada ao desenvolvimento. Então, quando pensamos Medicina Veterinária, pensamos num abatedouro-escola que vai fazer com que a própria comunidade seja capacitada lá dentro. Tenho que pensar num frigorífero-escola, porque temos que agregar valor aos produtos da região. Se não fizer isso, o aprendizado e a integração com a comunidade não será intensa.

A seu lado, Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF

DA EVOLUÇÃO DA FEDERAL DE SERGIPE
“Há dez anos essa era uma universidade que tinha 500 professores, não tinha pós-graduação, tinha seis mestrados e um doutorado e nove mil alunos. Hoje, é complexa: 30 mil alunos na graduação, três mil fazendo mestrado e doutorado, 1.500 professores - 1.100 deles doutores”

JLPolítica - Por que o senhor tanto sonha com a possibilidade de um dia, a partir dos cursos dos Campi de Lagarto e do Sertão, se fazer uma Universidade Federal do Semiárido, independente da UFS?
AA -
Porque eu gosto de sonhos. Não é um sonho impossível. Você vai Minas Gerais e vê que tem 13 universidades. A Bahia tem cinco universidades federais. Rio Grande do Sul tem 15. Por que Sergipe só tem uma federal e não tem uma estadual? Eu vou a São Paulo e ao Rio de Janeiro tem uma gama de universidades. Nós precisamos debater isso. A sociedade precisa, de alguma forma, desse reforço. E tendo outra universidade que junte à de Lagarto, que tem metodologia ativa de que falamos, e a do Sertão, que tem também a mesma metodologia, poderíamos criar uma universidade agora mesmo, do Centro Sul e Semiárido Sergipanos. Porque eu agregaria dois campi, saúde e agrárias, para o desenvolvimento das regiões. Seria fantástico para todos nós, e ficaria mais fácil de a universidade, gerenciando suas questões, avançar. Ela seria parceira da nossa universidade-mater, a UFS.

JLPolítica - É errado dizer que o senhor tem mais afeição pelo Campus do Sertão na comparação com os campi de Itabaiana e de Lagarto?
AA -
(Risos) Não é uma questão de mais afeição. É que está surgindo um campus, o do sertão. Quando um filho é bebê, você, como pai, mima mais, dá mais atenção. Você gosta dos mais velhos, também, mas eles já estão caminhando. Estão se desenvolvendo. Por exemplo: Lagarto já tem um hospital universitário. Você já tem um campus estruturado, pronto, que está fazendo, desenvolvendo muito bem a sua ação. Certamente os gestores daquela região, na área da saúde, são muito gratos à universidade, porque ela está lá, relacionando-se com toda a comunidade. Lagarto recebe um grande aporte de recursos, inclusive, para isso.

JLPolítica - O senhor diria que em mais 20 anos seria possível dizer que existia um Sertão antes e um depois do Campus de Glória?
AA -
Eu não tenho dúvidas sobre isso. Estou convencido de que a universidade, de que o campus da Universidade Federal no Semiárido, vai fazer uma história antes e depois daqui a esses 20 anos de que você fala. A mesma coisa vai acontecer em Lagarto. A presença do campus neste modelo pedagógico faz com que a transformação de toda a sociedade aconteça. O ensino-aprendizado baseado em problemas permite que o aluno conheça a realidade das comunidades, traga para a sala de aula o debate necessário da sociedade, tenha o compromisso de discutir as saídas e de devolver à sociedade um conhecimento muito importante.

JLPolítica - Como reitor de uma universidade pública federal o senhor anda pisando em ovos de preocupação com a nova realidade do Governo de Jair Bolsonaro?
AA -
Realmente, sim. Nós estamos preocupados com algumas falas no sentido de minimizar o aporte de recursos para as universidades públicas federais, de diminuir a quantidade de investimentos para assistência estudantil. É claro que ficamos preocupados: 65% dos nossos alunos são oriundos das escolas públicas, e eles não são das escolas públicas por uma opção ideológica. Mas por questões socioeconômicas mesmo. Aí vem para a universidade num sistema integral. Ele precisa comer, viver. Boa parte dos nossos alunos precisa de uma ajuda, de um aporte de recursos. O ensino é difícil aqui e a educação é levada a sério. Então, nós temos que fazer alguma coisa para que aconteça isso. Outra questão: vivi a minha vida defendendo a universidade pública, sempre vivenciei isso. Isso é intenso em mim. E sempre nas mudanças de governo têm aquelas coisas do “acho que tem que cobrar”, e isso mexe com a estrutura da universidade pública. Acho que universidade tem que ser inclusiva.

Na prosa com os prefeitos de Socorro, Padre Inaldo; e de Aracaju, Edvaldo Nogueira (de costas na imagem)

SONHO DA UMA FEDERAL INDEPENDENTE NO SEMIÁRIDO
“Eu gosto de sonhos. Não é um sonho impossível. Você vai Minas Gerais, vê que tem 13 universidades. A Bahia tem cinco universidades federais. Por que Sergipe só tem uma federal e não tem uma estadual?”

JLPolítica - Para a grandeza do Campus do Sertão ele é ainda infanto-juvenil, está no jardim da infância? 
AA -
Sim. O Campus do Sertão tem que crescer. Não para ele em si, mas para a sociedade. Sabe para que o laticínio-escola? Na região são mais de 300 laticínios clandestinos. Temos que capacitar os produtores, ter um bom manejo do leite, da produção de queijo, com possibilidades de ampliar o mercado, e agregar valor ao produto. A mesma coisa com os cortes de carnes, que são feitos como antigamente. À base do facão ainda. Temos que melhorar a produção, melhorar o corte, trazer novos consumidores. Cuidar da saúde dos animais e, consequentemente, da saúde dos humanos. Estamos protegendo a nossa sociedade.

JLPolítica - O Campus do Sertão está diante de uma civilização atrasada ainda, na questão alimentar, nas cadeias produtivas, e quer resgatar um atraso que ainda está na região?
AA -
Sim. Sempre faço essa analogia: o queijo é produzido do mesmo jeito há 50 anos ou 100 anos. O manejo, a criação, o abate, tudo do mesmo jeito. A tecnologia chegou. A universidade encampa, traz tecnologia, traz luz para uma região que precisa disso, inclusive para oferecer um produto bom para a sociedade sergipana. O gado que é morto de manhã tem que ver sua carne vendida até a tarde, a qualquer preço. Mas em qualquer lugar é abatido. O que temos que fazer é regulamentar esse processo com conhecimento. A universidade tem muitos veterinários, os nossos alunos precisam aprender e são dessa região. Boa parte do gargalo sergipano está ali. Eu começo esse ano com a emenda impositiva destinada ao Campus do Sertão, de R$ 20 milhões. Ela é dos parlamentares em parceria do Governo do Estado. Governo e parlamentares entenderam que uma das saídas será apostar na educação da Universidade Federal de Sergipe lá no Campus do Sertão. São recursos que não podem ser contingenciados, de forma a gente pode iniciar as estruturas da fazenda experimental.

JLPolítica – Há que ser grato por isso?
AA –
Sem dúvida nenhuma sou muito grato. Uma parceria entre o Governo -  quando digo Governo referencio a todos que fazem o Estado - e todos da bancada federal. Este projeto não está vinculado ao desenvolvimento da universidade. Está vinculado ao desenvolvimento da região e da sociedade. Se uma região cresce, toda a sociedade tem produtos melhores, melhora renda, gera emprego. Nossos alunos ficarão na região, fazendo isso nas suas propriedades.
JLPolítica - O senhor se acha um cavaleiro solitário na propagação da importância do Campus do Sertão ou sente um esforço conjunto?

AA - Tenho sentido muito esforço dentro da universidade e noutras esferas do Estado. Tenho falado tanto disso, que creio ter alimentado a expectativa dos muitos que fazem Sergipe. E tinha que ser assim. Será um sucesso, e nem acompanharei tão efetivamente - porque estou deixando a gestão em dois anos, em dezembro de 2020. O Campus do Sertão está começando a florar agora. E para a educação, o ciclo é muito mais do que a primeira floração.

Com Eliane Aquino, vice-governadora; e Maria Cecília, secretaria de Educação do município de Aracaju
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