Laércio Oliveira: “Terceirização regulamentada é zelo pelos direitos do trabalhador”
Publicado 20 de maio 20h00 - 2017
No momento mais tenso da discussão do projeto, esse pernambucano do Recife, às vezes irônico, às vezes brincalhão, bem aclimatado a Sergipe, presbiteriano praticante, sentiu a mão pesada da hostilidade. “Houve e bastante. Até agressão física. Quer dizer, tentativa de agressão física. Agressão à minha família, ao meu patrimônio. Insultos. Lamentavelmente, tudo isso aconteceu. E me deixou bastante triste, porque jamais imaginei”, diz.
Hoje, ele respira mais aliviado. Mas no começo do mês de março deste ano, quase foi elevado a Cristo e crivado numa cruz. Seu crime: relatar e assumir, de corpo e alma, a defesa do Projeto de Lei que regulamentou a terceirização da mão de obra no Brasil.
Ele é Laércio Oliveira, 58 anos, administrador de empresas por formação, empresário e deputado federal em segundo mandato. Na verdade, com o projeto que tão bem representou e fez aprovar, Laércio pôs a mão numa cumbuca complexa.
Trata-se de um mercado de trabalho nacional que envolve nada menos do que 13 milhões de pessoas, ou 20% da mão de obra economicamente ativa nesse gigante chamado Brasil. Isso é uma quantidade de trabalhadores que supera populações inteiras de alguns países notáveis, como Portugal, Bolívia, Senegal, Grécia e Bélgica.
A regulamentação da terceirização da mão de obra no Brasil faz dois meses nesta segunda-feira. Não é tempo suficiente para se medir o alcance dela. Mas Laércio não tem dívida de que a lei tem profundo significado social. “O que eu relatei, e que felizmente se transformou em lei, só trouxe benefícios e bem-estar à sociedade e aos trabalhadores”, diz ele.
“Ninguém perdeu nenhum direito com a regulamentação da terceirização. A grande pergunta que fiz em todos os debates era essa: qual foi o direito do trabalhador que eu retirei? Ninguém sabe dar a resposta, porque não existe resposta nessa direção. O que proporcionei foi segurança jurídica, cuidado e zelo pelos direitos sagrados que o trabalhador tem”, diz ele. Os resultados, admite Laércio, não devem demorar. “Acredito que o segundo semestre já é um prazo razoável para que isso aconteça”, diz.
Laércio Oliveira é sócio de Fernando Carvalho no Grupo Multserv, devidamente licenciado para o exercício do mandato. Vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC -, e presidente do Sistema Fecomércio em Sergipe, onde dá plantão quando não está em Brasília. Ele é casado com a juíza Adelaide Moura, é pai de quatro filhos e já é avô pela segunda vez.
Em 2018, quer disputar a sua quarta eleição – em 2006 perdeu a primeira por um mandato de deputado federal. Originariamente, admite ir à reeleição, mas está aberto ao Senado e à Governadoria. Veja entrevista com ele.
JLPolítica – Nesta segunda-feira faz dois meses de aprovação do Projeto de Lei da terceirização. Há destaques a serem aprovados ainda?
Laércio Oliveira – Na verdade, a lei de número 13.429 já está em vigor. O que existe em discussão no Senado Federal, no bojo da Reforma Trabalhista, são alguns artigos a serem incluídos no texto, que darão mais clareza ao que seja terceirização. O relator, o deputado Rogério Marinho, acrescentou alguns dispositivos tornando claro, principalmente, o alcance da terceirização. Ou seja, dizendo que a terceirização aplica-se a todas as áreas, que tudo pode ser terceirizado no Brasil.
JLPolítica – Quanto tempo os envolvidos com a nova lei – parlamentares, governo, empresas, sindicatos, trabalhadores e justiça do trabalho -, terão para começar a sentir os primeiros efeitos dela?
LO – Acredito que o segundo semestre já é um prazo razoável para que isso aconteça.
JLPolítica – Por que esse projeto dormitou de 1998 até 2016 no subsolo do Congresso, exatamente 19 anos?
LO – Isso mesmo. Ficou por 19 anos. Primeiro, porque os Governos não queriam. Em 2002, quando Lula assumiu, o projeto não interessava ao Governo de esquerda. Tanto que o presidente Lula enviou à Câmara um pedido de arquivamento do projeto. Ele pediu a parada da tramitação do projeto. Mas isso não foi votado em plenário e, por isso, o projeto seguiu agora. Quando chegou na Câmara, ele tramitou e depois no Senado. Quando voltou para a Câmara, era o Governo Lula, e as Presidências da CCJ são petistas e guardaram.
TERCEIRIZAÇÃO
"A terceirização é um fenômeno interessante, porque continuou crescendo nesses anos todos, mesmo sem existência da lei. Avançou regida apenas por um enunciado – 0 331- do Tribunal Superior do Trabalho"
JLPolítica – Em que pé estiveram as relações de trabalho terceirizadas no Brasil até o mês de março deste ano?
LO – A terceirização é um fenômeno interessante, porque continuou crescendo nesses anos todos, mesmo sem existência da lei. Avançou regida apenas por um enunciado – 0 331 – do Tribunal Superior do Trabalho. Mesmo assim, essa modalidade de contratação avançou ao ponto de, na votação do projeto, o Brasil já possuir 13 milhões de terceirizados. Com a lei, que traz segurança jurídica para essa modalidade, a tendência é de um crescimento exponencial.
JLPolítica – Em que pé estava essa relação com esses 13 milhões de trabalhadores? Essa súmula regia bem essa relação de trabalho?
LO – Diria que não, daí a importância da lei. Porque existia muita insegurança jurídica, muitas rotas de fuga que eram mal conduzidas e mal exercidas pelos empresários que aproveitaram que a terceirização não tinha uma regulamentação, quase sempre burlavam as práticas da terceirização e quase sempre com prejuízos para o trabalhador.
JLPolítica – Esses 13 milhões de terceirizados representam quanto da mão de obra economicamente ativa do País?
LO – Cerca de 20%.
JLPolítica – Isso é muito ou pouco para a capacidade do setor?
LO – Para esse momento, é bom. Mas com o advento da lei, a tendência é de que haverá crescimento.
JLPolítica – Como é que a economia mundial trata a terceirização?
LO – Trata de uma forma prioritária. Ela é vista como uma ferramenta de gestão indispensável nas áreas pública e privada. Há uma abundância da prática da terceirização no mundo todo.
JLPolítica – O senhor sente um certo preconceito de classe sobre o trabalho e os trabalhadores terceirizados no Brasil?
LO – Sim, existe. E principalmente porque não havia lei. Os terceirizados eram tratados como trabalhadores de segunda categoria. A minha felicidade em ter sido relator e ter ajudado a transformar um projeto de 1998 em uma lei é exatamente essa: a de trazer dignidade, reconhecimento, valorização, e de colocar o trabalhador terceirizado na mesma categoria de todos os demais trabalhadores de carteira assinada.
REGULAMENTAÇÃO
"Existia muita insegurança jurídica, muitas rotas de fuga que eram mal conduzidas e mal exercidas pelos empresários que aproveitaram que a terceirização não tinha uma regulamentação, quase sempre burlavam as práticas da terceirização com prejuízos para o trabalhador"
JLPolítica – E em que pontos esse preconceito prejudicou trabalhadores e empresários que viviam dessa relação?
LO – Em muitos. Veja que a empresa era chamada de gata, porque só praticava serviços através da terceirização e a terceirização era vista como subemprego. Então essa relação ficou muito desgastada perante o mercado de trabalho. A valorização do trabalhador é um processo que começa muito antes da lei, reconhecendo nele um trabalhador eficiente e promovendo os direitos que todas as outras categorias tinham.
JLPolítica – A regulamentação da terceirização abole essa classificação de gata?
LO – Sim. Hoje é empresa de prestação de serviços a terceiros.
JLPolítica – Foram muitos os mal entendidos em torno do senhor por causa da sua condição de relator e de quase pai do projeto? Houve hostilidade?
LO – Houve e bastante. Até agressão física. Quer dizer, tentativa de agressão física. Agressão à minha família, ao meu patrimônio. Insultos. Lamentavelmente, tudo isso aconteceu. E me deixou bastante triste, porque jamais imaginei. O que eu relatei, e que felizmente se transformou em lei, só trouxe benefícios e bem-estar à sociedade e aos trabalhadores. Ninguém perdeu nenhum direito com a regulamentação da terceirização. A grande pergunta que fiz em todos os debates era essa: qual foi o direito do trabalhador que eu retirei? Ninguém sabe dar a resposta, porque não existe resposta nessa direção. O que proporcionei foi segurança jurídica, cuidado e zelo pelos direitos sagrados que o trabalhador tem.
JLPolítica – Como vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC – sua atuação como relator não lhe deixou um sentimento de estar legislando em causa própria?
LO – O Congresso é formado por profissionais de todas as áreas: tem médicos que relatam projetos em benefício deles; engenheiros e outras categorias que fazem a mesma coisa. O parlamentar tem o privilégio de fazer a relatoria de projeto não o faz pensando em si, afinal de contas, a lei vai ser aplicada a todo o País. E cai por terra qualquer acusação de legislar em causa própria porque a atividade que minha empresa pratica não sofreu qualquer alteração com a lei.
JLPolítica – Quais os riscos em si para a terceirização da atividade-fim? Uma padaria não pode terceirizar a mão de obra de um padeiro?
LO – Risco nenhum. A sociedade confunde muito o que seja a terceirização. Não se terceiriza pessoas, se terceiriza serviço. Essa é a grande definição. A terceirização atua na contratação de motoristas, de padeiros, etc.
JLPolítica – A terceirização se confunde muito com o serviço sazonal?
LO – Não. A terceirização é a prestação de serviços contínuos. A sazonalidade é preenchida pelo trabalho temporário.
HOSTILIDADE
"Até agressão física. Quer dizer, tentativa de agressão física. Agressão à minha família, ao meu patrimônio. Insultos. Lamentavelmente, tudo isso aconteceu. E me deixou bastante triste, porque jamais imaginei"
JLPolítica – O debate em torno da terceirização parece querer dizer ao Brasil que essa prática é preocupante muito mais no âmbito público. É o emprego público pedindo para não ser mexido?
LO – Eu senti isso. Houve essa preocupação. Mas porque a terceirização é sinônimo de eficiência, de produtividade. Por outro lado, historicamente, a contratação de terceirizados tem maior alcance dentro do serviço público. Ou seja, o serviço público é quem mais terceiriza. Hoje, no Brasil, já é 50% a 50%. Dos 13 milhões de terceirizados no Brasil, podemos dizer que a metade está no serviço público e a outra no setor privado. Há muito tempo, já foi 70% a 30%. A terceirização vem ocupando muito espaço no setor público, também, pela eficiência. A modificação da lei permitindo que se terceirize qualquer atividade, certamente, vai alcançar outras áreas dentro do serviço público. O temor vem exatamente daí. Mas eu não creio que se terceirize todas a áreas dentro do serviço público, principalmente porque há atividades que são protegidas.
JLPolítica – Dentro do serviço público, é possível medir quem é o mais eficiente, entre o terceirizado e o não terceirizado?
LO – Por parte do poder público, não sei se existe algum tipo de critério. Mas o terceirizado produz muito mais, porque no serviço público existem determinadas atividades que não estão dotadas de alguns dos critérios de avaliação, como a produtividade.
JLPolítica – Com a terceirização, a impressão que se tem é a de que alguém está ganhando, além da empresa onde a mão de obra vai ser aplicada, para empreender os trabalhadores. Não é isso o que se dá?
LO – Não. O que terceiriza não está em busca de reduzir custos. O trabalhador não perde. Pelo contrário. O trabalhador terceirizado é contratado por uma empresa, de forma legal e formal, e uma empresa de terceirização é uma empresa como outra qualquer, que visa o lucro. Mas o lucro não está a serviço da depreciação do trabalhador, porque ele tem todos os direitos respeitados. Inclusive, quem contrata o serviço precisa ter muito cuidado em qual empresa vai contratar para ter serviço de qualidade e que respeite os direitos do trabalhador, sob pena de a contratante pagar por aquele direito que foi suprimido. Todas as categorias têm piso, convenção coletiva, que serão respeitados.
JLPolítica – A terceirização não impessoaliza demais as relações de trabalho? E em que isso altera produtividade?
LO – Não. Não tem nem deve ter impessoalização. O que caracteriza a terceirização é uma outra empresa contratar a prestação de serviços e na CLT existem algumas regras que caracterizam a subordinação. Uma delas é a impessoalidade. E aí se caracteriza subordinação, o trabalhador terceirizado, quando sair da empresa, a qualquer momento pode requerer, inclusive, o vínculo com a tomada de serviço.
JLPolítica – O senhor acha que as relações terceirizadas vão demandar mais ou menos assistência da justiça do trabalho?
LO – Vai ser menos, porque o grande litígio na Justiça era a dúvida que se podia terceirizar. E a falta de uma lei também formatava maus empresários nessa relação.
MULTSERV
"Cai por terra qualquer acusação de legislar em causa própria porque a atividade que minha empresa pratica não sofreu qualquer alteração com a lei"
JLPolítica – O senhor segue a linha que o Brasil tem uma legislação trabalhista draconiana?
LO – Draconiana, não. Acho que ela cumpriu seu papel. Hoje, é ultrapassada. Porque cria regras que engessam o Brasil, já que o Brasil é totalmente diferente do Brasil de 1943, quando ela foi criada.
JLPolítica – Quem terceiriza está buscando mão de obra mais barata?
LO – Não. O que terceiriza não está em busca de reduzir custos. O trabalhador não perde. Pelo contrário. O trabalhador terceirizado é contratado por uma empresa, de forma legal e formal, e uma empresa de terceirização é uma empresa como outra qualquer, que visa o lucro. Mas o lucro não está a serviço da depreciação do trabalhador, porque ele tem todos os direitos respeitados. Inclusive, quem contrata o serviço, precisa ter muito cuidado em qual empresa vai contratar para ter serviço de qualidade e que respeite os direitos do trabalhador, sob pena de a contratante pagar por aquele direito que foi suprimido. Todas as categorias têm piso, convenção coletiva, que serão respeitados.