OPINIÃO
Por Opinião | 30 de Mar de 2018, 23h23
Que Tiro foi esse, Jackson Barreto?
[*] Sílvio Santos
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Que Tiro foi esse, Jackson Barreto?

Sílvio Santos: \"Jackson surpreende ao trazer Déda para essa arena\"

Surpreendeu a todos a declaração do governador Jackson Barreto à imprensa, onde ele acusa o ex-governador Marcelo Déda, falecido em 2013, de ter usado todo o dinheiro do sempre polêmico Proinvest para outros fins que não as obras às quais o dinheiro era destinado, deixando para ele, JB, o caixa do governo zerado.

Segundo Jackson, a má gestão de Déda no uso daqueles recursos oriundos de empréstimo o levou a fazer das tripas dinheiro para realizar as obras constantes daquele programa. 

De uma cajadada só, Jackson justifica não só a crise que o leva a atrasar os salários dos servidores e aposentados do Estado como também o atraso nas obras do Proinvest. 

Estaria aí explicada, em duas singelas entrevistas, a causa da péssima situação em que o Estado se encontra. Sim, foram duas entrevistas. A primeira, no amanhecer da quarta feira (28) para o programa matinal do radialista/deputado Gilmar Carvalho na Rádio Mix, e outra no início da noite desse mesmo dia, para o próprio Gilmar Carvalho, agora para o programa televisivo que este ancora na TV Atalaia. 

Jackson surpreende ao trazer Déda para essa arena pois, faça-se justiça, JB tem sido um dos maiores defensores da memória e do legado de Déda como homem público e especialmente como governante sério, competente e eficiente. Estes termos, elogiosos ao saudoso ex-governador, são encontrados facilmente nos discursos de JB ao se referir a Déda. 

Diga-se mais, a respeito de Jackson: ele é, sem dúvidas, um dos mais importantes políticos sergipanos do campo progressista com visível atuação há mais de 40 anos em defesa das causas populares, sensível à luta dos despossuídos e com um histórico de reconhecimento daqueles que estiveram nas trincheiras lutando por essas mesmas causas. 

Daí a surpresa em pegar Déda pra Cristo em plena Semana Santa e às vésperas da data em que fala da sua saída do governo. Jackson surpreende pela falta de cuidado ao buscar um fato cuja cronologia é conhecida por todos e talvez o esforço mais marcante dos dois governos de Marcelo Déda.

Certamente, nunca houve um projeto votado pela nossa Assembleia Legislativa mais polêmico, mais debatido e mais discutido pela sociedade e pela própria imprensa do que aquele que aprovou o Proinvest. Desde setembro de 2012, quando o projeto fora derrotado na Alese, passando pelo discurso proferido em dezembro daquele mesmo 2012 por um Déda já combalido pela doença que o levaria à morte um ano depois, num evento de formação de alunos do Instituto Luciano Barreto Jr, onde o saudoso governador fez um apelo emocionado à oposição representada naquele ato por suas principais lideranças, que reabriu o diálogo na Assembleia fazendo com que o projeto voltasse àquela Casa e finalmente depois de um intenso debate, negociações e entendimentos entre governo e oposição foi aprovado pela unanimidade dos deputados em 7 de maio de 2013.

Sancionado em 13 de maio, portanto seis dias depois, numa solenidade realizada no auditório da Codise com a presença da presidente da Assembleia Legislativa, deputada Angélica Guimarães, e todas as lideranças da oposição e a ausência de importantes lideranças do bloco governista. Essa solenidade ficou marcada pelo histórico discurso do governador Marcelo Déda em que ele falava que estava ali plantada uma importante semente para o desenvolvimento de Sergipe e que provavelmente não estaria mais aqui quando chegasse a hora da colheita e falou que quando fossem “colher os sorrisos” lembrassem dele. 

A infeliz entrevista de Jackson Barreto é uma triste e perversa ironia àquele discurso.  No dia 27 de maio de 2013, quinze dias depois de sancionado o projeto de aprovação do Proinvest, o então vice-governador Jackson Barreto assume a titularidade do governo, substituindo o governador Marcelo Déda, que se licencia do cargo para tratamento de saúde, infelizmente, para não mais voltar. O então vice-governador Jackson Barreto assume o governo, primeiro em exercício até 2 de dezembro 2013 (data da morte de Déda) e a partir daí, em caráter definitivo. 

Lembre-se de que na data em que JB assume o governo, ainda estava no processo de tramitação de toda documentação exigida junto a Secretaria do Tesouro Nacional - STN -, para credenciar o Estado a fazer jus ao empréstimo. O primeiro real do Proinvest somente foi liberado para os cofres do Estado em agosto de 2013. Praticamente no terceiro mês em que Jackson era governador.

Mais: em outubro de 2013, Jackson anunciou as primeiras oito obras do Proinvest. Sobre essa solenidade, encontramos com facilidade na página do governo na internet (agência.se.gov.br) uma matéria completa onde se destaca a fala do governador em exercício Jackson Barreto: “Tivemos que percorrer um longo caminho, em paralelo com a tramitação do projeto na Assembleia Legislativa, pois tivemos que enfrentar toda a burocracia em Brasília, passando pela Secretaria do Tesouro Nacional, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, dentre outras que nos exige competência, agilidade e articulação para que os recursos do Proinvest fossem liberados”, explicou Jackson Barreto, referindo-se à mecânica que possibilitou a liberação de 60% dos recursos. 

Como podemos ver, a cronologia do Proinvest prova que a declaração do governador na fatídica entrevista é inverossímil, por ser impossível Déda ter gastado os recursos do Proinvest, pois era Jackson e não Déda o governador quando o dinheiro chegou aos cofres do Estado.

Jackson surpreende ao perder uma boa oportunidade de fazer um diagnóstico mais preciso e profundo das causas reais que levaram o Estado à crise. Crise que, sejamos justos, é nacional e afeta todos os estados brasileiros. Uns mais, outros menos. Mas todos sofrem. Essa crise, é verdade, já se fazia presente também nos últimos anos sob Déda. 

Uma das principais razões é o déficit da Previdência, que aumentou vertiginosamente na última década. E entre os motivos desse aumento, estão os irresponsáveis “Trens da Alegria” e as benesses criadas para favorecer parentes, amigos e cabos eleitorais por governantes na década de 80. 
Jackson surpreende ao responsabilizar um morto que está na memória do nosso povo como uma das raríssimas exceções de político probo, responsável, com perfil de estadista, pelos erros dos muito vivos que, no governo, praticaram atos que levaram à situação atual. 

Jackson surpreende ao tentar enlamear a memória da única liderança política, ainda que morto, que pode ajudá-lo a realizar o sonho de sair desse purgatório em que vive e chegar ao salão azul do céu do Senado da República.
Por fim, sobra a pergunta que não cala nos bastidores da política: o que e/ou quem levou Jackson Barreto, político experiente, inteligente, sagaz, matreiro, a dar esse tiro no próprio peito? A resposta? Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.

[*] É ex-vice-prefeito de Aracaju, jornalista e dirigente do PT.

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