Opinião
Por | 01 de Jan de 2020, 11h40
Sergipe d’El Rey, 2020 e o bicentenário de quê?    
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Sergipe d’El Rey, 2020 e o bicentenário de quê?    

[*] Antônio Samarone de Santana

Os Tupinambás já ocupavam o atual território de Sergipe por volta de 1400. O atual território de Sergipe foi a Capitania doada a Francisco Pereira Coutinho, em 1534. A Capitania estendia-se por 50 léguas a partir do Rio São Francisco, em direção a Baia de Todos os Santos. 

Com a morte de Francisco Pereira Coutinho num ritual antropofágico na Ilha de Itaparica, a Capitania ficou abandonada, até a decisão do Rei de Portugal em comprar a Capitania a Família de Coutinho, em 1574 e com a expulsão dos Tupinambás em 1590, a antiga Capitania de Coutinho virou a Capitania de Sergipe d’El Rey, ligada diretamente à Coroa Espanhola, como qualquer outra, segundo Ivo do Prado. 

Quando da ocupação de Sergipe, Portugal e Espanha formavam a União Ibérica, no reinado de Felipe II. O primeiro Capitão Mor de Sergipe foi Tomé da Rocha, nomeado em 1591. A Capitania de Sergipe d’El Rei é antiga e foi governada por Capitães Mores indicados pela Coroa até 1637, quando São Cristóvão foi invadida pelos holandeses e Sergipe ficou sem governo. 

Somente em 1648, já com a restauração e Portugal ficando independente da Espanha, foi nomeado outro Capitão Mor para Sergipe, Balthazar de Queiroz de Serqueira.
Em 1696, por decisão da Coroa portuguesa, a Capitania de Sergipe alçou à condição de Comarca. Continuou tendo Capitão Mor, Provedor de Fazenda, Guarnição de Infantaria e Ouvidor. O Soberano, para dividir as duas Comarcas (Bahia e Sergipe), estabeleceu as fronteiras de Sergipe até a Praia de Itapuã.

Contudo, na prática, a Bahia foi invadindo, tomando território, restringindo competências da Comarca de Sergipe, e em pouco tempo tornando Sergipe uma Subcapitania subordinada à Bahia. 

Foi disso que nos libertamos em 1820. No Brasil, as Capitanias foram transformadas em Províncias em 1821, pelas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, no âmbito do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Como gratidão por Sergipe ter enviado combatentes para lutar ao lado das tropas reais e derrotar a Revolução Pernambucana de 1917, El Rei D. João VI, em 8 de julho de 1820 restabeleceu a autonomia da Capitania de Sergipe d’El Rei, eliminando os vínculos com a Bahia.

Para concretizar o ato, El Rei nomeou Carlos Burlamarque o primeiro governador da Província de Sergipe, em outubro de 1820. A Bahia reagiu e não deixou Burlamarque assumir.

Somente em janeiro de 1824, com a nomeação do sergipano Manoel Fernandes da Silveira, é que a Província de Sergipe começou a pensar em autonomia política.
Mesmo assim não foi lá essa autonomia toda. 

O Senado Federal funciona desde 1826. Os dois primeiros representantes da Província de Sergipe no Senado, José Teixeira da Mata Bacelar - 1826 a 1838 - e José da Costa Carvalho, o Marquês de Monte Alegre - 1938 a 1860 -, não eram sergipanos.

O primeiro sergipano a representar a Província de Sergipe no Senado foi Antônio Dinis de Siqueira e Melo, eleito somente em 1859. Depois tivemos o Barão de Maruim, eleito em 1861, e o Barão de Estância, eleito em 1885. E só! 

A elite sergipana cuidava dos seus interesses, Sergipe era um detalhe. É esse fato histórico: o decreto de D. João VI de 1820, que completa 200 anos agora em 2020. Não houve luta de sergipanos para conquistar essa separação da Bahia. Pelo contrário, parte de sua elite não queria. O decreto real foi uma recompensa, um prêmio da Coroa, por Sergipe ter lutado ao lado das tropas reais para derrotar os irmãos pernambucano na Revolução de 1817.

O Hino de Sergipe é um canto de agradecimento à separação administrativa de Sergipe da Bahia. Acho que o professor Manoel Joaquim de Oliveira Campos exagerou em louvações no hino de Sergipe, que quase ninguém sabe cantar:

"Alegrai-vos, sergipanos
Eis que surge a mais bela aurora
Do áureo jucundo dia
Que a Sergipe honra e decora".
Menos, bem menos, professor Manoel Joaquim.

A autoestima dos sergipanos por Sergipe é recente. Historicamente muito recente, como dizia Luiz Antônio Barreto. Essa ideia da sergipanidade pode ajudar.
O único sergipano inscrito no livro dos heróis da Pátria é o Cacique Tupinambá Serigy, e mais recentemente Tobias Barreto. Creio que esqueceram até de Francisco Camerino.

Não sei o que as agências oficiais vão inventar esse ano para a comemorar o bicentenário desse “jucundo dia”, como diz o nosso hino. Na verdade, a história de Sergipe precisa ser recontada. Vamos aguardar!


[*] É médico sanitarista, professor da Universidade Federal de Sergipe, ex-vereador de Aracaju e pesquisador. Escreveu este artigo gentilmente a pedido do Portal JLPolítica.

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