Eles não atingiram em 2018 percentual de voto estipulado, perderão o acesso ao fundo partidário e também tempo de propaganda na TV e no rádio. Ou seja, terá a sua existência bastante dificultada, quando não inviabilizada de por inteiro
Passadas as eleições e as posses dos eleitos em outubro passado, os debates políticos agora giram em torno de fusões e incorporações de partidos que não atingiram a cláusula de barreira - mecanismo que impôs, a partir de 2018 e através da minirreforma política de 2017, um percentual mínimo de votos para que o partido continue “existindo”, ativado.
Isso porque, sem atingir esse percentual, ele perderá o acesso aos recursos do fundo partidário e também tempo de propaganda na TV e no rádio. Ou seja, terá a sua existência bastante dificultada, quando não inviabilizada de por inteiro. A regra pegou 14 dos 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
São eles: Rede Sustentabilidade; Patriota; Partido Humanista da Solidariedade; Democracia Cristã; Partido Comunista do Brasil; Partido Comunista Brasileiro; Partido da Causa Operária; Partido da Mulher Brasileira; Partido da Mobilização Nacional; Partido Pátria Livre; Partido Republicano Progressista; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro; Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e Partido Trabalhista Cristão.
PRESSÃO SOCIAL
Para o advogado Eduardo Macêdo, professor de Direito Constitucional e Direito Eleitoral, a medida atende ao clamor do povo por mudanças nas regras eleitorais a fim de dar mais transparência ao processo eleitoral e tentar colocar filtros que pudessem minimizar a corrupção daí advinda.
“O Congresso Nacional se viu pressionado pela sociedade para atender a esse clamor, e como a nossa Constituição Federal prevê o pluripartidarismo, não há possibilidades legais de frear e conter o surgimento de partidos a todo momento. A fórmula encontrada para não ofender a Constituição Federal foi promover a sua adequação para administrar o funcionamento e a regularidade dos Partidos Políticos”, avalia Eduardo Macêdo.
Para o professor, a ideia da cláusula de barreira é, sobretudo, fortalecer a democracia. “Sob esse viés, a democracia brasileira se fortalece com partidos políticos compromissados e com afiliados que expressem esse compromisso e essa determinação. Mas para que o partido político ganhe solidez e capilaridade – já que no Brasil eles são nacionais –, agora há necessidade de que ele tenha representatividade nacional”, explica Macêdo.
NOVO MODELO?
Essa mudança, obviamente, trará novos arranjos políticos. Porém, o professor Eduardo Macêdo não acredita que eles ensejarão novos modos de se fazer política. “A política é e sempre foi a arte do diálogo. Não é diferente quando se traz esse quadro para o partido. Basta lembrar da antiga situação de coligações, composições, etc. Os novos requisitos impostos aos partidos implicam apenas em reconhecer e premiar aquele partido que demonstra uma real representatividade”, analisa.
Agora, para Macêdo, essa representatividade, deve espelhar seu alcance e compromisso de forma ampla e nacional e não mais apenas de forma local e regional. “Tudo isso reflete de forma óbvia e clara na Câmara Federal, com os seus representantes eleitos”, ressalta o professor.
REPRESENTATIVIDADE
“Em verdade, dos 35 partidos políticos existentes e registrados no TSE, estimo que, no máximo, apenas dez partidos têm representatividade ou representantes em alguma Câmara ou Prefeitura Municipal. Isso porque não existem a nível federal. Não têm representantes eleitos. Portanto, a grande maioria dos partidos já “não existe” quando se observa a sua finalidade”, destaca.
A esses partidos convencionou-se chamar de “partidos de aluguel”.
“São aqueles que só aparecem em época de eleição, para fins de composição e coligação. Mais nada”, opina Eduardo Macêdo. No entanto, para ele, a cláusula de barreira não visa necessariamente extinguir ou acabar com partidos, mas apenas reconhecer o trabalho sério e competente daquele partido que se preocupa em angariar filiados, contribuir com os debates e lutar de forma séria para ocupar espaços políticos de decisão da gestão pública.
Por isso, para Macêdo, “mesmo sem tempo de TV e rádio e também sem recursos públicos do fundo partidário, essas agremiações podem, sim, continuar existindo para prosseguir na sua caminhada e tentar se consolidar e se restabelecer”, acredita.
DEMOCRACIA
Para Macêdo, a democracia se fortalece quando os partidos são fortes. E, por isso, as alterações trazidas com a vigência da cláusula de barreira são positivas. “Como a nossa democracia é uma democracia representativa, o partido é essencial à sua consolidação. Partido forte é democracia consolidada. Ademais, há plena liberdade de criação e manutenção de partidos”, ressalta.
Vale lembrar que os ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal – STF –, já afirmaram não ver problemas na eventual fusão de partidos para as legendas atingirem a cláusula de barreira.
Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral – TSE –, Gilmar Mendes afirmou que o objetivo da cláusula é justamente diminuir o número de partidos no Parlamento. “A cláusula de desempenho foi pensada com esse objetivo”, garante. Marco Aurélio Mello também disse não ver impedimentos para as fusões. "Em tese, podem. A fusão é sempre possível”, acrescentando que a nova legenda poderá adotar um novo nome.
VOTOS SOMADOS
Mas com a incorporação, acabaram sendo nove federais e passaram a compor uma bancada. “Se não tivéssemos feito a incorporação, teríamos apenas os cinco e não poderíamos fazer parte de Comissões”, lembra Uezer. De acordo com ele, a incorporação foi viável para os dois partidos. “Falta ser homologado, mas já está certa. E como haverá outras fusões, acho que não demora”, garante o presidente do Patriota.
De acordo com Uezer, apesar da fusão, os ideiais do Patriota continuam – assim como o nome e o número, 51. “Nossas ideologias já são bem parecidas. O que mudou foram algumas normas, como o fato de o vice-presidente ter voto igual ao presidente”, revela. Além disso, a estratégia já foi pensada a longo prazo, já que em 2022 o percentual de desempenho sobe para 2%. “Juntando, será possível chegar lá”, diz Uezer.
Para também chegar lá, o PCdoB apostou numa fusão com o Pátria Livre, como explica o presidente estadual Antônio Bittencourt. “Findada a eleição, o partido não atingiu as imposições colocadas pela cláusula, mas fizemos tratativas e o Pátria Livre foi somado ao PCdoB, resolvendo esse problema”, esclarece Antônio Bittencourt.
TRATATIVAS
Com o acerto, o Pátria Livre deixa de existir, os votos se somam, os deputados eleitos se somam também. Mas, tudo isso, ainda não foi homologado também. “O que existe são encaminhamentos das direções nacionais, que se fundem agora, iniciando tratativas com as regionais, para conversar e ver como permanecem”, reitera.
Mas para Bittencourt, a cláusula de barreira atende pura e simplesmente à tentativa de reduzir o quantitativo de partidos, pois, por si só, não se coloca como algo que implica numa mudança qualitativa. Principalmente no caso do PCdoB.
Fundado em 1922, o partido fará 100 anos em breve. “O tamanho do partido não implica necessariamente em ele ser bom ou ruim, organizado ou desorganizado, mas sim toda a sua história, o seu envolvimento e sua representatividade em movimentos sociais, porque a seara da política não é exclusiva da seara eleitoral”, atesta o presidente.
MUDANÇA GRADUAL
Por isso, o professor acredita que a vigência da cláusula de barreira foi excelente. “Principalmente porque na forma em que foi aprovada, esses ajustes se farão de forma gradual e sem maiores impactos. Esse formato vai permitir que os partidos e a própria sociedade aos poucos vão se ajustando e se planejando, permitindo uma acomodação quase natural e delimitada no contexto da política partidária”, ressalta.
Por exemplo: para as eleições que aconteceram em 2018, os partidos estavam obrigados a atingir, nas eleições para a Câmara dos Deputados, pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com um mínimo 1% dos votos válidos em cada uma delas. Ou ter eleito pelo menos nove deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.
Já nas próximas eleições, o mínimo de votos válidos será de 2% e segue crescendo gradualmente até 2030. Nas eleições posteriores a 2030, o desempenho mínimo exigido será o mesmo do pleito de 2030. A ideia é que as regras da cláusula fiquem mais rígidas a cada eleição.
FUSÕES E INCORPORAÇÕES
Com isso, além do fundo, que é abastecido com dinheiro público, também perderão acesso às multas pagas à Justiça Eleitoral – No ano passado, o Orçamento da União reservou R$ 888,7 milhões a serem divididos entre as legendas. Além disso, em 2022, se esses 14 partidos tiverem melhor desempenho nas urnas poderão voltar a ter acesso ao fundo e à propaganda.
Isso, claro, se não se fundirem a outras siglas, como a maioria que esbarrou na cláusula está fazendo. O Patriota, segundo o presidente Uezer Licer Mota Marquez, vai passar por um processo de incorporação junto ao Partido Republicano Progressista – PRP. “Não estamos preocupados, pois já decidimos pela incorporação com o PRP, o que nos deixou tranquilos”, afirma Uezer Marquez.
O Patriota, que em Sergipe teve em Emília Corrêa uma votação expressiva para deputada federal – foram 52.921 votos, totalizando 5,30% dos votos válidos –, elegeu cinco deputados federais – quatro a menos que os nove que a cláusula de barreira impõe – e também não bateu a meta de 20 mil votos.
IDEOLOGIAS
Segundo ele, embora os partidos apresentem nomes para o processo eleitoral, a vida partidária vai além disso. “Alguns existem exclusivamente para concorrer à eleição. Mas nós entendemos que a via eleitoral, que é uma importante via de representação, não é a única”, completa Bittencourt.
O médico Emerson Ferreira, ex-vereador e presidente do Rede Sustentabilidade em Sergipe, concorda com essa visão de que os partidos vão além da existência partidária. E exatamente por isso ele não vê prejuízos em se somar a outros partidos, como pretende fazer ao se fundir ao PPS.
“A ideologia, em hipótese alguma mudará, pois não é o parido que faz as pessoas e sim as pessoas que fazem o partido. Nossos ideais continuarão os mesmos”, assegura Dr Emerson. Para ele, nesse momento, é preciso fazer uma autocrítica e, a partir dela, entender a necessidade da proposta – que é inovadora. “Muitas vezes, as ideias são muito boas no papel, mas na hora de executá-las, não saem como o planejado. Então, a força tem que estar nas pessoas”, reforça.
DEFINIÇÕES
Apesar dessa convicção, o Rede Sustentabilidade ainda aguarda um congresso, que ocorrerá em março, para definir a estratégia que seguirá de fato. Até lá, ambos – Rede e PPS – seguem coexistindo. “Aqui, em Sergipe, já fizemos reuniões para discutir e decidimos que somos favoráveis à fusão. Então, independentemente de que haja ou não em nível nacional, nós vamos para o PPS”, avisa.
Isso, claro, os membros estaduais que assim desejarem. Pois, segundo Dr Emerson, nem nessa hora o Rede irá impor qualquer coisa, já que surgiu e se mantém como uma alternativa diferenciada de agrupamento.
“Sempre se fez reforma administrativa para acomodar as lideranças. Com isso, estimularam a criação de partidos e houve essa proliferação, enfraquecendo a democracia. Agora, os grandes partidos viram que os pequenos vão tomar o poder e estão dando um jeito de evitar. Mas a gente sabe que o compromisso dessas pessoas não é com a ética na política”, adverte.
De fato, houve um boom de partidos no país, fazendo com que o número deles no Brasil fosse um dos mais altos no mundo. E agora, com a cláusula de barreira, dezenas deles partidos vão perder tônus e, consequentemente, podem deixar de existir. Mas, até que ponto isso é bom para o Brasil?
►Critérios gradativos da cláusula de barreira
Eleições de 2018
Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara dos Deputados, pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com um mínimo 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 9 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.
Eleições de 2022
Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara dos Deputados, pelo menos 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com um mínimo 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.
Eleições de 2026
Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara dos Deputados, pelo menos 2,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 13 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.
Eleições de 2030
Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara dos Deputados, pelo menos 3% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.