Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Durante pandemia, internet domina entretenimento em casa

Especialistas falam da importância de manter momentos de lazer nesse período e de como a arte tem se reinventado

Uma das famosas frases do filósofo Friedrich Nietzsche diz que “a arte existe para que a realidade não nos destrua”. Em tempos de pandemia, essa máxima está muito mais do que comprovada: em casa, na maioria das vezes sem ver familiares e amigos, é a ela que a população tem recorrido para suportar a solidão e outras consequências do distanciamento social. 

Mas, acostumada a ser das multidões, a arte também precisou se readequar e ser transmitida de outras maneiras para continuar alegrando, entretendo e, por que não, questionando e ensinando em tempos de pandemia. “É de fundamental importância manter hábitos de lazer/entendimento durante esse período”, garante a psicóloga Ana Karolina Nunes Silveira, especialista em Psicologia Escolar e Educacional / Certificada em Hipnoterapia Cognitiva Comportamental. 

De acordo com Ana Karolina, nesse momento, a probabilidade de os indivíduos apresentarem sintomas ansiosos, deprimidos, de estresses e insônia são maiores, o que faz necessário passar a investir mais em atividades que proporcionem prazer, alegria e satisfação. “Pois elas ajudam a reduzir esses sintomas”, assegura. 

Cantores sertanejos são os mais disputados para lives
Na TV, no computador ou no celular, as lives têm animado durante a quarentena

NOVOS TEMPOS
Porém, olhando por outro lado, pode ser a oportunidade que essas pessoas terão para interagir com as ferramentas ofertadas pela tecnologia e se atualizar. “Agora, além de ser necessário, também não haverá a desculpa de que não tem tempo, não é mesmo?”, completa José Carlos Correia.

O advogado afirma que isso é possível graças às diversas ferramentas tecnológicas que o mundo digital apresenta, bastando você ter um dispositivo eletrônico com acesso à internet, seja computador, tablet, notebook, smartphone etc.

“O trabalho home office pode ser viabilizado pela utilização de e-mails, aplicativos de mensagens de texto, áudio, e que possibilitam chamadas de áudio e vídeo, como por exemplo, o WhatsApp e Telegram, os quais permitem você manter contato com seus clientes. Há também aplicativos e plataformas digitais que possibilitam a realização de videoconferência para reuniões em grupo, como por exemplo, o Zoom, Hangouts, Skype, Microsoft Teams etc”, elenca.

LAZER ONLINE
“Contudo, não se pode focar apenas no trabalho, principalmente pela atual rotina das pessoas, que por passarem vários dias em casa, acabam se entediando e se estressando com mais facilidade. Por isso, também é importante aproveitar essa flexibilidade de horário do trabalho home office e tempo livre para aproveitar a presença da família, fazer novos cursos de aperfeiçoamento, ler livros, assistir filmes, documentários e seriados”, acrescenta.

Nesse caso, o advogado diz que o mundo digital também oferece muitas oportunidades, permitindo, por exemplo, que você adquira um e-book – livro digital – e que com apenas um clique possa ter um livro inteiro em suas mãos. “Também há plataformas digitais que possibilitam entretenimento, como as redes sociais: Instagram, Facebook, TicTok, etc; assistir filmes, séries, documentários e entretenimento de modo geral, como: Netflix, YouTube, Amazon Prime etc; ou até mesmo ouvir músicas: Spotify, Deezer, YouTube Music, etc”, revela.

Para ele, o importante é que, durante esse período de isolamento social, as pessoas se atualizem e aproveitem ao máximo o tempo livre e de trabalho remoto para explorar as ferramentas que o mundo digital e tecnológico oferece, mas, com cautela. “Justamente por causa desse período em que as pessoas estão ainda mais conectadas à internet, os criminosos se aproveitam para praticar diversos tipos de golpes”, alerta.

Anna Paula: “redes sociais têm funcionado como uma boa válvula de escape”

NOVO CENÁRIO
Mauro Ferreira, jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz', confirma a tese de Nino. “As lives proliferaram com tal força no Brasil que deverão até sobreviver, como nicho do mercado, após o fim da pandemia. Até porque podem ser lucrativas em todos os sentidos. No Brasil, os artistas sertanejos apontaram o caminho ao rentabilizar as lives com patrocínios de empresas e marcas que normalmente bancam esses cantores seguidos por milhões”, diz ele.

Segundo Mauro, artistas de médio porte também estão conseguindo algum alívio financeiro quando contratados por instituições culturais para apresentações programadas dentro de festivais e eventos virtuais dessas empresas voltadas para a cultura.

Do outro lado, estão os telespectadores, ávidos por novas formas de entretenimento para sair da rotina imposta pela quarentena. A consultora de imagem e influenciadora Anna Paula Aquino é uma delas. “Eu acho que são boas opções de entretenimento, embora já estejam congestionando o Instagram e o YouTube, por serem muitas lives o tempo inteiro”, diz Anna Paula.

Para ela, é importante filtrar as transmissões ao vivo por gosto musical ou tema de sua preferência. “Podem até ajudar a se fortalecer nesse momento, pois várias igrejas e centros estão fazendo lives também. São canais que possibilitam ver profissionais disponibilizando conteúdo de qualidade e ajudando as pessoas a superar esse momento. Então, se usadas de forma consciente e que não sirvam de gatilho para despertar sentimentos ruins, as redes sociais têm funcionado como uma boa válvula de escape”, analisa.

TECNOLOGIA
Durante a quarentena do coronavírus, aplicativos de videoconferência se tornaram muito usados, especialmente em ambientes corporativos. Inclusive, numa pesquisa do próprio Google, feita com mais de duas mil pessoas no Brasil, 80% dos entrevistados afirmaram que o principal uso das chamadas de vídeo é para estudar e/ou trabalhar.

O advogado José Carlos Correia Júnior, vice-presidente da Comissão de Direito Digital, Inovação e Tecnologia da OAB/SE, acredita que o isolamento social se fez necessário e, com ele, muitas pessoas foram pegas de surpresa por estarem despreparadas para enfrentar essa nova realidade.

“Acabaram se desesperando por não saberem o que fazer durante todo esse tempo em casa, principalmente no tocante à continuidade de seus trabalhos que garantem os seus sustentos e de suas famílias”, afirma. “Para as pessoas que não estão muito habituadas com a tecnologia e as ferramentas que ela proporciona, esse tempo de isolamento pode se tornar ainda mais difícil”, opina.

Nino Karvan e Alberto Silveira farão live no próximo dia 15, quando lançarão o álbum “De Lua”

SEGURANÇA
Segundo José Carlos, primeiramente é importante que se utilizem sistemas operacionais e softwares originais e atualizados, evitando a utilização de versões pirateadas. “Também é importante ter um antivírus instalado em seu dispositivo eletrônico e mantê-los atualizados, sendo que existem versões gratuitas, mas quem puder adquirir uma versão paga mais completa é sempre recomendado, inclusive, as assinaturas anuais não costumam ser muito caras”, esclarece.

De acordo com ele, é preciso tomar cuidado, também, ao fazer downloads de aplicativos que não estejam disponíveis na loja oficial de seus dispositivos eletrônicos – App Store, Google Play, Microsoft Store –, bem como ser vigilante quanto a realização de downloads de arquivos e acessar links suspeitos, principalmente aqueles relacionados a oferta de vantagens excessivas e notícias polêmicas.

“Recentemente, uma fraude estava sendo praticada por meio de um suposto aplicativo chamado Covid-19 Tracker, o qual se apresentava como um aplicativo de informações e estatísticas acerca da pandemia causada pela doença, contudo, na verdade se trata de um malware (vírus de internet), que acaba infectando seu dispositivo eletrônico e criptografando todos os dados”, revela.

José Carlos ressalta que ambiente digital serve de apoio nesse período, mas que deve ser usado com cautela

LULA CONVIDA
Um dos artistas que aderiram à internet como palco para os shows foi o cantor e compositor sergipano Lula Ribeiro, que levou seu projeto "Lula Ribeiro convida" para o Instagram, onde ele tem se apresentado semanalmente em uma live. O show ocorre toda sexta-feira, a partir das 19h, sempre com um convidado especial.

Na última sexta, dia 1º de maio, a participação foi do cantor João Suplicy. Segundo Lula Ribeiro, essa versão do projeto, apresentada durante essa quarentena, começou há duas semanas. “Já contamos com as participações dos amigos Kleiton Ramil, Marco Lobo, Zé Renato, Zeca Baleiro, Flavio Venturini e Celso Fonseca”, destaca Lula Ribeiro.

No último show, o cantor interpretou músicas do CD “O Amor é Sempre Assim”, além de outras que fazem parte do seu repertório, como Mercê de você, Te amo Aracaju, Congênito, Você não tava lá, Muito prazer. “O show é uma celebração musical, para o público vivenciar do aconchego dos seus lares”, diz ele.

MIGRAÇÃO?
O projeto "Lula Ribeiro Convida", lançado em 2010 em Belo Horizonte e há três anos também em Aracaju, já recebeu Flavio Venturini, Zeca Baleiro, Vander Lee, Fernanda Takai, Flávio Renegado, entre outros. No momento, está divulgando seu novo CD "O amor é sempre assim", com produção do baixista Arthur Maia, onde apresenta parcerias com Zeca Baleiro, Vander Lee, Pierre Aderne, Gabriel Moura, Paulinho Pedra Azul, etc.

Esse movimento que Lula Ribeiro fez, para o também cantor sergipano Nino Karvan, foi um processo natural. “A arte como um todo está tendo que se reinventar, especialmente o mercado de show, que requer aglomeração. Mas isso está ocorrendo em toda a indústria cultural, como galerias, teatros, museus. Toda a cadeia produtiva está afetada”, resume Nino Karvan.

Ele lembra que, segundo um artigo publicado pelo The New Tork, apenas no segundo semestre de 2021 é que tudo deverá estar de volta ao normal. Até lá, os artistas deverão continuar inovando para chegar até o público. “Obviamente que foi preciso se reinventar para ter um conteúdo não só legal, mas que possa sobreviver nessas plataformas digitais, para as quais os artistas já estavam migrando”, ressalta Nino.

Para Kezyane Araújo, lazer é algo essencial na vida das pessoas

O QUE FAZER
A psicóloga clínica Kezyane Karine Morais Araújo de Menezes, membro do Grupo de Trabalho Psicologia Escolar e Inclusão, pós-graduada em Psicologia Organizacional com ênfase em Avaliação Psicológica e em Psicologia do Trânsito, afirma que lives, livros e jogos são opções interessantes.

“Assim como qualquer outra opção que nos traga conhecimento em determinado assunto que tenha valor pessoal e/ou profissional, como também o autoconhecimento (poder ter um momento de reflexão) sempre é muito positivo”, afirma. 

Isso porque, segundo Kezyane, quando a pessoa busca algo que se identifica o lazer é ainda mais prazeroso. “Podemos dar exemplo sobre o grupo que procuramos nos inserir na sociedade, geralmente buscamos pessoas com gostos e ideologias parecidas. Então, devemos buscar sempre opções que nos transmita conhecimento paz, harmonia e alegria”, orienta. 

A profissional ressalta que o lazer “é algo essencial na vida das pessoas”. “Assim como o trabalho, é ele que nos revigora para enfrentar uma segunda-feira, por exemplo; ele que nos tira, nem que seja por um momento, da permanente sensação das obrigações e preocupações do dia a dia. Então, em meio a esse isolamento, busquemos algo que nos proporciona prazer, que nos faça sorrir, se divertir com responsabilidade e coerência”, aconselha.

CONFLITOS
Por ser tão importante, nesse período de caos plural e atípico, a falta desses momentos de lazer e entretenimento pode acarretar conflitos no ser humano, sob o ponto de vista psicológico. “Nessa falta, podem surgir pensamentos negativos, impaciência e angústia. É provável que, se muito prolongado, acarrete transtornos psicológicos relacionamos à ansiedade, depressão, entre outros”, alerta Kezyane.

Para ela, a família e os amigos são essenciais nesse novo contexto. “Conversem sobre o dia a dia, brinquem com os filhos, contando histórias e relembrando brincadeiras sobre a infância dos pais. Toda tentativa de aproximação e expressão de sentimentos positivos e verdadeiros é muito boa”, reitera.

Como tudo é muito novo e confuso, ela acredita que a tecnologia se apresenta como uma aliada importante, em tempo de isolamento. E de forma positiva. “Ela nos aproxima virtualmente das pessoas que amamos, diminuindo a ansiedade pela falta do contato físico. Também, e de maneira ambígua, nos aproxima de outros contextos cotidianamente e com a possibilidade de aprender e se reinventar, estreitando relações de maneira geral e específica”, analisa Kezyane.

Ana Karolina: “é de fundamental importância manter hábitos de lazer/entendimento durante esse período”

LIVES
O artista sergipano lembra que as lives eram esporádicas e que hoje são frequentes, o que deverá ser mantido. “Quando passar mais o pico de contaminação, vai ter um novo modelo para o mercado dos profissionais da área de audiovisual, a fim de oferecer um serviço de maior qualidade”, opina. Isso, na visão de Nino, deverá profissionalizar mais as lives e fazer delas uma nova fonte de renda.

“João Bosco, um grande artista nacional, fez uma live com o som estourando. Tudo bem, foi em casa, mas mesmo sendo ele, teve um conteúdo técnico amador. O público vai relevar isso, mas vai chegar um momento em que eles terão que mudar. O mercado vai se redesenhar. E pequenas equipes que possam produzir conteúdo de forma mais profissional serão necessárias”, acredita Karvan.

Nino define esse momento como uma “reviravolta total” no segmento. “Com todo respeito, tem havido live demais, todo dia tem algumas. Daqui a um tempo, da mesma forma que se pagava para ir ao show, será preciso pagar para assistir”, afirma. “Uma coisa é certa: o mundo de até janeiro de 2020 é um e nunca mais será o mesmo, o sistema todo vai se redesenhar”, completa.

 MUDANÇAS
Para Nino Karvan, esse redesenho vai transformar por completo uma das mais importantes indústrias, que é a do entretenimento. Mas não só. “O que virá depois será uma forma mais humana das relações econômicas, que tendem a ser menos usurpadoras. E quem conseguir se profissionalizar nesses estudos vai estar na dianteira”, reforça.

Mas será que Nino também se renderá às lives? “Eis a questão”, diz ele. Mas, sim, o artista sergipano fará uma live, junto ao também cantor Alberto Silveira, na qual interpretarão canções de Luiz Gonzaga. “Vamos lançar um single durante a live, que será no próximo dia 15. Estaremos juntos, numa live intimista e respeitando o distanciamento”, garante.

O projeto em homenagem a Luiz Gonzaga rendeu aos sergipanos o selo “Kuarup”, um dos mais importantes da música brasileira. “É um selo que reconhece trabalhos que propõem arte e a gente teve a sorte de entrar no selo e vamos lançar o single “Juazeiro””, revela Nino.  

Lula Ribeiro é um dos artistas que souberam migrar para as plataformas digitais