Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Indústria das big festas ameaçada

Em tempos de crise, com dinheiro federal, estadual e municipal cada vez mais escasso, uma atividade na esfera pública entrou em profundo questionamento: são as festas e os eventos de massa que demandam altos custos ao erário.

Para normatizá-los dentro da nova ordem, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe tem até uma Resolução, a 295/2016, que regulamenta a realização deles. Soa invasiva, mas, aparentemente, tem sido de extrema utilidade. A ação do TCE juntou-se à dos diversos promotores do Ministério Público do Estado na vigilância. Veja o que aconteceu em Aracaju.

Publicado 26 de junho 20h00 - 2017

Edvaldo anunciou a não realização do Forró Caju durante coletiva no dia 14 de junho

CRISE

Para Edvaldo, a decisão foi a mais acertada. “Tanto que senti que a maioria da população a apoia. Nos esforçamos para realizar a festa, mas sempre afirmei que não faria com recursos próprios, então acredito que isso não me prejudicou. Pelo contrário. As pessoas estão sentindo que a Prefeitura tem gestor, que está pensando na cidade, nos compromissos com a cidade e não apenas em fazer atos políticos”, afirma o prefeito.

O principal argumento de Edvaldo para a não realização do Forró Caju é o da crise financeira. “A minha decisão foi séria, porque a Prefeitura está em crise. Qualquer recurso que fosse alocado no Forró Caju faria falta em outras atividades”, ressalta.

Mas, sendo esse o argumento principal, por que não fazer uma festa menor, menos megalomaníaca e mais voltada às reais tradições juninas? Para Luige Costa Carvalho de Oliveira, professor e mestre em Sociologia e vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, esse é um ponto que, de fato, merece ser problematizado: o formato original do Forró Caju enquanto uma política de valorização e resgate cultural.

RELAÇÕES ESCUSAS?

“Na verdade, o Forró Caju foi se transformando ao longo dos anos numa relação com os grandes empresários de grandes bandas e cantores que pouco têm a ver com a cultura local”, opina Luige. “Parece-me que os nossos gestores foram picados pela mosca azul e aprisionados pela lógica dos megaeventos em detrimento da cultura local, mesmo os de partidos de centro-esquerda, como o PC do B”, analisa.

Luige acredita que, por trás dessa relação de “apagamento” de uma cultura local, existe uma relação de troca entre os empresários dessas grandes bandas e os políticos, vide diversas denúncias sobre a discrepância entre os valores dos cachês reais e os anunciados.

“Será que o Forró Caju não poderia ter acontecido por fora das amarras do circuito empresarial dessas grandes bandas? Será que uma política de resgate cultural não estaria mais alicerçada nos arraiás, trios de forró, cantores locais, quadrilhas juninas, incentivo a grupos folclóricos que fortalecem a identidade local?”, questiona.

Nitinho “há quatro anos percebi que era um custo muito alto para se gastar em uma festa, para se tirar dos cofres públicos”

INGERÊNCIA

A vereadora Emília Corrêa, PEN, fez o mesmo questionamento. Para ela, a não realização do Forró Caju foi mais uma demonstração da “falta de preparo administrativo e ausência de planejamento estratégico da gestão do prefeito”.

“Os festejos juninos não serão realizados por uma total falta de gerência e senso de previsão da equipe que deixou os aracajuanos sem sua tradicional festa. A administração do prefeito, por falta de planejamento e criatividade, demonstra seu descompasso com a modernidade administrativa”, pontua.

Para Emília, o que se vê na capital sergipana, desde o início da gestão, são as repetições dos mesmos erros: um prefeito que, desenha ela, reiteradamente justifica a inoperância da sua administração com a falta de recursos, sem indicar alternativas para mudar a realidade.

“Desde o início da gestão, chamei a atenção para a prática de estelionato eleitoral. Houve traição aos compromissos que acabaram ludibriando a população que Aracaju, que acreditou que a nossa cidade voltaria a ser a “Cidade da Qualidade de Vida”, destaca.

DA CAPITAL AO INTERIOR

Mas não é só em Aracaju que festa e política se misturam. Em Lagarto, embora o caminho tenha sido inverso, essa fusão também ocorreu. Lá, o tradicional Festival da Mandioca, criado pelo atual gestor, Valmir Monteiro, só foi retomado agora, quatro anos depois, com a volta dele à Prefeitura.

“Nós inventamos a festa na gestão passada e ela ficou quatro anos sem ser realizada por causa dessa mistura”, critica Ibrain Monteiro, presidente da Câmara de Vereadores do Município e filho de Valmir. De acordo com Ibrain, a gestão passada fechou os olhos para os benefícios que a festa traz.

“Entre eles, aquecimento do comércio local, a geração de empregos informais, o reconhecimento da cultura, etc. Este ano mesmo, ofertamos cursos para os 500 subprodutores de mandioca. Não é só a diversão”, garante o vereador.

Vereadora Emília questionou o poder de gestão de Edvaldo

TCE DE OLHO

Mesmo assim, o Tribunal de Contas de Sergipe mostra que, para fazer festa, não se trata apenas de vontade ou falta dela. Este ano, o colegiado decidiu apertar o cerco dos gestores que realizam festas sem ter condições de fazê-las – comprovando a institucionalização da tal política do pão e circo.

A realização de eventos festivos – como é o caso dos festejos juninos – é regulamentada pelo TCE por meio da Resolução TC nº 280/2013, alterada pela Resolução TC nº 295/2016. Entre outros itens, a norma veda a realização de eventos festivos quando da decretação de calamidade pública ou em caso de inadimplência com os servidores.

Para discutir detalhes da Resolução, os prefeitos chegaram a se reunir no TCE. Responsável por intermediar a reunião, Marcos José Barreto, ex-prefeito e presidente da Federação dos Municípios do Estado de Sergipe – Fames – destacou a importância do momento. “Essa reunião se deve à crise que os municípios estão passando e o débito que ficou em alguns deles; é de grande importância tirarmos as dúvidas”, observou.

É PROIBIDO FAZER FESTAS

Em Canindé de São Francisco, o debate foi além. O Ministério Público do município não autorizou a contratação de bandas para os festejos juninos através da Prefeitura. O promotor Emerson Oliveira Andrade chegou a entrar com Mandado de Segurança para impedir as contratações, tomando como base o fato de que o município está em crise, demitindo funcionários e sendo obrigado a reduzir despesas.

E aí, eis que surgiu Heleno Silva, ex-prefeito da cidade, prometendo ajudar a iniciativa privada a realizar a festa. “Meus olhos não se fecharam para Canindé e nem para seu povo. Eu incentivo as festas locais e culturais. Vou ajudar os comerciantes porque entendo que essa é uma festa tradicional com comidas típicas, o nosso forró pé de serra e acho que o momento é de todos se ajudarem”, garantiu Heleno.

Vale lembrar que, no caso de Aracaju, a Prefeitura também contaria com uma grande ajuda, a do deputado federal André Moura, que chegou a disponibilizar uma emenda no valor de R$ 1,5 milhão. Mas são soluções?

“O sistema não autorizou o cadastramento do projeto”, explicou Edvaldo. Isso porque, segundo o prefeito, a atual gestão foi informada pelo Ministério da Educação que a gestão passada não destinou 25% das verbas para a Educação, como preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que impede o município de receber recursos de emendas parlamentares.

André Moura: “Atendi ao prefeito. Fiz minha parte”

"FIZ MINHA PARTE”

E quem saiu bem de todo esse episódio foi André. “Atendi ao prefeito Edvaldo Nogueira. Minha parte foi feita. Infelizmente, a Prefeitura não tem certidão negativa. Veremos como transferir esses recursos adquiridos para municípios como Itaporanga, Estância, Areia Branca e outros, para abrilhantar mais nossas tradições”, disse ele, à época.

Já o vereador Nitinho Vitale também cantou a pedra da não realização do Forró Caju desde cedo. “Estamos em momento de crise, momento difícil. “Em 2013, a Prefeitura de Aracaju já dava sinais de dificuldade, foi quando fiz a proposta para o então prefeito João Alves para que não realizássemos o Forró Caju, isso há quatro anos, porque percebi que era um custo muito alto para se gastar em uma festa, para se tirar dos cofres públicos, já que tivemos uma dificuldade muito grande de conseguir patrocínio”, ressalta.

Para ele, que é presidente da Câmara de Vereadores de Aracaju, o momento é de se pensar em não realizar festa. “Deixaremos para realizar no próximo ano, já que a Prefeitura herdou da gestão anterior mais de R$ 500 milhões em dívidas e precisa quitar, pois está pendência com os fornecedores. Acredito que no próximo ano, com a folga em caixa, a administração poderá planejar e realizar um Forró Caju à altura que o povo aracajuano merece”, assegura.

Com relação ao mote político atrelado à questão, Nitinho mostra tranquilidade. “Não posso reclamar nem repudiar este posicionamento da oposição. Este é o dever dela, de criticar e falar. Agora, que fale as coisas com muita coerência e prudência, sempre respeitando as pessoas e a administração. Que faça uma oposição equilibrada para que nenhum vereador sofra alguma sanção na Justiça”, alerta.

Vale lembrar que a festa na Capital ficou por conta do Governo do Estado, que, acertadamente, investe em uma celebração mais simples e típica na Orla da Atalaia. Edvaldo, porém, diz que na crise é preciso ter prioridade. “Preferi pagar o servidor, recolher o lixo, fazer a pavimentação asfáltica, melhorar a saúde”, diz. Que tudo isso seja feito então e que reste a cultura de que festa faz bem ao coletivo, mas desde que feita sem causar danos ao erário.

Luige: Gestores foram picados pela mosca azul