Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Prender ou não prender? Eis a questão

CRIMINALIZAÇÃO
Apesar disso, Aurélio também afirma que a análise rasa de que a decisão servirá para beneficiar políticos é, do mesmo modo, uma construção maquiavélica que tem a finalidade de criminalizar a política. “Precisamos sim, obviamente, combater a corrupção, coibir os desmandos, investigar e punir os culpados pelos desvios de recursos públicos, sejam eles políticos ou não. Contudo, é preciso sempre estar atento e enxergar o que está por trás do discurso populista de combate à corrupção”, avalia.

Isso porque, na opinião dele, generalizar para criminalizar a política não é a solução. “Afinal, não há democracia sem política”, atesta. “Embora muitos tenham sido soltos, não acho correto afirmar que a decisão do STF “beneficiou” políticos, há uma maldade na construção dessa assertiva”, acrescenta Aurélio. “A decisão do STF atinge aqueles acusados presos exclusivamente por cumprimento de pena fixada em condenação criminal em segundo grau recorrível ou recorrida. Os que tiverem contra si decretada prisão preventiva permanecem presos em razão dessa prisão cautelar”, reitera.

Diante disso, Aurélio espera - no sentido de torcer mesmo - que o Congresso Nacional não cumpra o que ele chama de papel de traidor da pátria, em alusão à fala de Ulysses Guimarães, que, ao promulgar a Constituição, afirmou que “traidor da Constituição é traidor da pátria”. “Espero que possamos seguir avante construindo o nosso Estado Democrático de Direito e não que fiquemos dando voltas em círculos, sem sair do lugar”, diz.

MANOBRAS
Ao contrário dos demais entrevistados, ele acredita que o Congresso não deveria se envolver nessa situação. “Ela está definida pelo Supremo Tribunal Federal, não obstante a deixa do ministro Dias Toffoli. Portanto, espero, sem fazer qualquer espécie de juízo de valor moral ou político, que o Congresso Nacional não se utilize de manobras legislativas (emenda constitucional) para criar mecanismos que antecipem o trânsito em julgado”, reforça.

Isso seria, para Aurélio, uma violação, por via transversa, à eficácia da cláusula pétrea da presunção da inocência. “Não cabe ao poder constituinte derivado driblar aquilo que foi estabelecido como pétreo pelo constituinte originário”, justifica. No entanto, ele admite que há, sim, um forte movimento político-ideológico que usa e abusa das massas e da opinião pública para criar um clima de revanchismo e, com isso, incitar a chamada “voz das ruas”.

“Mas não posso me iludir, no sentido de tapar o sol com a peneira, para não enxergar que essas vozes estão sempre prontas a pressionar o parlamento, que é o poder mais sensível ao apelo popular”, reconhece. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia, DEM, disse que a Casa já definiu qual texto sobre a prisão em segunda instância será discutido. A Proposta de Emenda à Constituição – PEC – em questão já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ – e aguarda a instalação de uma comissão especial para começar a ser debatida na Câmara.

TEXTO
A PEC sugere alterar os artigos 102 e 105 da Constituição, acabando com os recursos especiais e extraordinários para o Superior Tribunal de Justiça – STJ – e o Supremo Tribunal Federal – STF. O Senado, porém, também discute um projeto com o objetivo de permitir a prisão após condenação em segunda instância. No entanto, a proposta dos senadores não altera a Constituição, e sim o Código de Processo Penal – CPP.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, DEM, costurou nesta quinta-feira, 21, um acordo para priorizar o andamento, na Câmara, da PEC em detrimento ao projeto de Lei sobre o mesmo assunto que tramita no Senado. O acordo, decidido em reunião com o presidente da Câmara, deputados e senadores, desagradou parlamentares “lavajatistas”, que veem uma manobra para atrasar para o ano que vem a aprovação de uma proposta neste sentido.

Em nota, o presidente do Senado argumentou que é necessário construir um consenso no Congresso. "A importância do tema exige de nós, senadores e deputados, um debate amplo. Trabalhamos pela construção e aperfeiçoamento de uma proposta comum entre as duas Casas", afirmou Davi Alcolumbre.

Prisão e soltura de Lula estiveram no centro das discussões
Evânio Moura: “em verdade, o STF corrigiu um equívoco praticado no ano de 2016”

MUDANÇA
Ou seja, para Aurélio Belém, o que o Supremo Tribunal Federal decidiu, como guardião da Constituição, foi apenas o lógico, o que o artigo 283 do Código de Processo Penal é constitucional, perfeitamente compatível com o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que assegura presunção da inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como cláusula pétrea, portanto, imune a emendas constitucionais.

O advogado entende que o porquê dessa mudança de orientação jurisprudencial é algo que não é expresso, o que permite várias especulações políticas plausíveis. “O retorno ao entendimento anterior, em certa forma, para muitos, reforça essas especulações, expondo o Supremo e colocando os Ministros daquele Tribunal, antes encastelado, no olho do furacão”, opina.  

E a Ordem dos Advogados do Brasil também está nesse furacão, já que tem posição institucional firme contra a chamada “prisão sem segunda instância”. “A instituição vê com preocupação os ataques e tentativas de desmonte das garantias de direitos fundamentais e, por isso, permanece vigilante e ativa na defesa de tais direitos e do regime democrático”, garante Aurélio, que completa: “É missão da OAB defender a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito e às vezes, em momento de crise, é preciso defender a sociedade dela mesma”.

INSEGURANÇA JURÍDICA
Inclusive, vale ressaltar que é de autoria do Conselho Federal da OAB a Ação Direta de Constitucionalidade 44, que pediu a declaração da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, e foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal derrubando a prisão em segunda instância.

Ele admite que esse cenário gera uma insegurança jurídica, que, por sua vez, causa um mal extremo à saúde da já conturbada república. “Os poderes constituídos estão todos submissos à Carta Constitucional, pois ela é constituinte, eles constituídos. Ademais, os poderes são independentes, mas devem ser harmônicos entre si”, avalia.

Ou seja, para ele, as instituições precisam dialogar e se respeitar mutuamente. “Um poder não pode procurar se sobrepor ao outro, desfazendo decisões tomadas no âmbito da sua legítima competência. Essa discussão precisa ser encerrada. A quem interessa manter essa discussão viva, como lenha na fogueira? Só não é a nossa jovem democracia”, assegura.

CONSTITUCIONAL
Aurélio argumenta que a questão é constitucional e que isso deveria estar acima dos reflexos moralistas e odientos dessa polarização política radical que assola a sociedade. “Não foi por acaso que os constituintes erigiram o princípio da presunção da inocência ao patamar intocável de cláusula pétrea. Isso foi feito para justamente evitar o que está acontecendo agora. Nesse sentido, não podemos destruir aquilo que foi construído e blindado como garantia fundamental”, reforça.

Mesmo assim, ele admite que há quem defenda, com argumentos palpáveis, que a prisão em segunda instância só foi permitida para alcançar o ex-presidente Lula e impedir a sua nova candidatura. E que, por outro lado, há quem defenda, por sua vez, também com lógica argumentativa, que a prisão em segunda instância só foi derrubada para liberá-lo.

“Infelizmente, não há como negar que a situação do Lula norteou sim o debate. Acho que não poderíamos permitir que esse debate pudesse ser fulanizado - para usar uma expressão do professor Carlos Britto. Independentemente de Lula ou de quem quer que seja, na minha ótica a questão deveria ser analisada sob o ponto de vista jurídico e não moldada a partir das suas consequências políticas, invertendo a lógica processual do caminhar para frente”, ressalta.

E Davi Alcolumbre no Senado

REGRA X EXCEÇÃO
Ocorre que, no processo penal brasileiro, a liberdade é a regra e a prisão, a exceção. O que, de acordo com Evânio, significa dizer que se o réu é primário, de bons antecedentes e boa conduta social, se possui profissão definida, endereço fixo e não apresenta qualquer risco à coletividade, a regra é que uma vez acusado da prática de um crime, seja-lhe assegurada a possibilidade de responder o processo em liberdade.

“Acaso a liberdade do réu represente risco à ordem pública, ordem econômica, ao bom andamento do processo e conveniência da instrução processual e aplicação da lei penal, excepcionalmente e de forma fundamentada, pode o juiz decretar a prisão cautelar (preventiva)”, ressalta.

“E, diante da garantia de que não é possível presumir a culpa do réu, de que a não culpabilidade do acusado se prorroga até o trânsito em julgado da decisão condenatória, estando o réu em liberdade, deve-se assegurar o direito de permanecer em liberdade durante todo o trâmite do processo, ou seja, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", completa.


Congresso pode fazer voltar ao que era antes. Aí, liberados voltam às cadeias
Não satisfeito com a decisão da votação pelo do Supremo Tribunal Federal – STF -, o Congresso Nacional também colocou em pauta a prisão em segunda instância. O objetivo, agora, é aprovar a alteração da Constituição, que cabe mesmo ao Poder Legislativo. Evânio Moura espera que o Congresso respeite as cláusulas pétreas da Constituição Federal.

“As cláusulas pétreas são garantias fundamentais e princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito que não podem ser objeto de alteração, nem mesmo por Emenda Constitucional. Entendo que a garantia da presunção de inocência ou da não culpabilidade agasalhada no artigo 5º, LVII, da CF é cláusula pétrea, logo, essa matéria não deve ser objeto de deliberação no Congresso Nacional”, opina.

Já houve a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ - da Câmara dos Deputados e o assunto foi novamente deliberado em plenário na última semana, embora tenha tudo ficado para 2020. “Espero que os deputados, em sua maioria, resistam a essa sanha punitivista que busca defender prisão em segunda instância como se esse fosse o principal problema do direito penal brasileiro", reitera.


VISÃO PUNITIVISTA
E qual seria o mais grave problema do direito penal brasileiro? "Consiste em se aplicar um Direito Penal do século XIX para condutas do século XXI. É preciso uma reformulação no sistema. Por exemplo, para crimes financeiros e econômicos, muito mais eficaz que a pena de prisão é a incidência de penas de natureza pecuniária, como multa, perdimento dos bens, bloqueio patrimonial, dentre outras", diz o criminalista.

Para ele, nesses casos, a prisão nada ou muito pouco acresce à sociedade, a não ser a ideia de retribuição punitiva, completamente ultrapassada na filosofia do moderno direito penal. "Não se faz justiça penal com ressentimento", resume.

O advogado Aurélio Belém do Espírito Santo, secretário-Geral da OAB/SE é presidente da Abracrim/SE, avalia que, do ponto de vista jurídico, o conceito acerca da decisão do STF não poderia ser outro que não o acerto da decisão. “É preciso compreender que a jurisdição constitucional não está subordinada a juízo de valor moral ou político-ideológico”, atesta Aurélio Belém. 

Rodrigo Maia articula decisão na Câmara dos Deputados

IMPUNIDADE
Por isso, Cacho ressalta que “esse pânico criado por muitos dos que discordam da decisão do STF não se justifica”. “Se se considerar que existem mais de 700 mil presos no Brasil, sendo a terceira maior população carcerária do mundo, ultrapassando os números da Rússia, e que a decisão repercutirá em menos de cinco mil presos, que não possuem condenação definitiva”, justifica.

Para Cacho, a indignação maior deveria repousar na questão da superpopulação carcerária brasileira. Mas não só. “E no fato de que as condenações que levam ao encarceramento atingem quase que em sua totalidade pessoas pretas, pobres e periféricas e em que agentes políticos possam estar manipulando direitos fundamentais constitucionais e instituições democráticas para persecução de seus interesses pessoais e políticos”, diz ele.

Cacho rechaça que, embora muitos brasileiros tenham entendido tal regra como símbolo de impunidade, isto não é verdade. “É possível que os acusados permaneçam presos preventivamente durante todo o processo, em casos graves, em que haja evidência do cometimento do crime pelo processado criminalmente, preenchidos outros requisitos do Código de Processo Penal, tal como a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e de se garantir a ordem pública”, diz.

JUSTIÇA
Também procurado pelo Portal JLPolítica, o coronel Reinaldo Chaves, secretário executivo da Secretaria de Estado da Justiça - Sejuc –, explica que o sistema prisional é complexo e que vem se aprimorando ao longo dos anos. “Desde os primórdios até a alta idade média, predominava a pena de morte, que ainda existe em alguns países. Mas a partir do século 16, 17 e 18, com as casas de correção e trabalho, isso mudou: a pena restritiva passou a ser o centro do sistema, mas com limitações. E a prisão ao fim do processo é uma delas”, esclarece.

Ou seja, segundo Reinaldo Chaves, o objetivo da Constituição, ao estipular que a prisão só pode ser iniciada após o fim do processo é o de evitar excessos, como os que existiam antes. “Já tivemos pena de açoite, pena de morte, e essa foi uma limitação, porque pode haver um processo tramitando e, após julgado em segunda instância, haver uma prescrição e ninguém vê. Esse processo vai parar sem julgamento de mérito. E se a pessoa tiver presa, quem vai pagar por isso?”, questiona.

Dessa forma, para o secretário executivo, embora esse debate seja legítimo, a questão deve ser mantida como está. “Eu entendo que é uma garantia constitucional”, ressalta. Mas ele destaca que a Sejuc é um órgão do Poder Executivo. Ou seja, de execução, não tendo como competência avaliar nem filtrar a entrada de pessoas no sistema. “À Secretaria, compete cumprir o que determina a lei de execuções penais”, reforça.

Questionado sobre se a decisão pode impactar o sistema prisional, ele diz que o controle desses presos que têm processo em segundo grau compete ao Judiciário, mas reitera que a atual legislação garante que a execução seja feita tão somente após o trânsito em julgado e que ela tem que ser cumprida.

PREJUÍZOS
O advogado Evânio Moura não tem dúvidas de que o fato de que a prisão e a soltura do ex-presidente nortearam esse debate. E o prejudicou. “Ruy Barbosa, do alto de sua sapiência, dizia que “todas as vezes que a política adentra por uma porta do tribunal, a justiça sai pela outra”. A decisão jurídica não pode ser contaminada com o discurso e com a práxis da política. Nesse caso, a contaminação foi evidente. Isso tudo faz muito mal para o fortalecimento da democracia", atesta.

Exatamente por isso, o advogado afirma que não procede a análise rasa de que os políticos seriam “beneficiados” com essa decisão do STF. Para ele, infelizmente, essa questão da prisão em segundo grau é um exemplo clássico do impérios das fake news. “Primeiro, disseram que seriam libertados mais de 100 mil presos. Mentira”, constata.

“Depois, disseram que seriam libertados presos de elevada periculosidade. Mentira. Depois, disseram que seriam liberados todos os políticos presos. Mentira", critica. A prova disso, segundo Evânio, é que vários políticos acusados e condenados na Lava Jato continuam presos, pois foram presos preventivamente.

De fato, estão presos, por exemplo, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, o ex-governador do Rio, Pezão, entre tantos outros. “As mentiras que são divulgadas não contribuem em nada para um debate sério, com base em argumentos científicos e acadêmicos”, lamenta.

Aurélio Belém: “é preciso compreender que a jurisdição constitucional não está subordinada a juízo de valor moral ou político-ideológico”,

LEGITIMIDADE
O jurista destaca que o Brasil se arrasta, há anos, numa crise profunda, de natureza econômica, política e jurídica e que, nesse cenário, parece que é quase unânime a sensação de que o STF passa por uma crise de legitimidade sem precedentes. “Os julgamentos televisionados trouxeram fama para o tribunal e seus ministros, mas muitos de seus pronunciamentos, especialmente aqueles beneficiando pessoas envolvidas em atos de corrupção, levaram vários de seus membros ao mais completo descrédito, outros pelo próprio radicalismo para endurecer o sistema penal”, opina.

“Mas a repercussão também atingiu a massa de mais de 700 mil presos que estão encarcerados e receberam a notícia de forma distorcida, acreditando que de alguma forma também seriam beneficiados pela “decisão de Lula””, acrescenta. Aliás, questionado se a prisão e a soltura do ex-presidente nortearam esse debate em torno da condenação após segunda instância, Cacho não esconde que sim.

“Lula foi a figura nacional que sofreu as consequências e repercussão com maior visibilidade das duas decisões, a que o prendeu e a que o colocou em liberdade, principalmente por ter sido ex-presidente da República e porque estava em plena campanha no momento de sua prisão”, ressalta. Mas pondera: “Contudo, questão de tamanha importância, que diz respeito a direito fundamental constitucionalmente garantido, que repercute no sistema penal, judiciário e carcerário brasileiro, que tem correlação com a questão da desarmonia jurisprudencial e da morosidade do Judiciário, não poderia ser guiado pela vontade política de segregar ou não segregar socialmente uma figura pública”.

QUESTÃO POLÍTICA
O advogado admite que talvez esse norteamento que o caso Lula imprimiu à decisão tenha prejudicado o tema. “Mas se trata de um fato que de nenhuma forma poderia influir no resultado da questão, que deve se pautar pelas regras e princípios que retém o sistema jurídico brasileiro. Como disse a ministra Carmem Lúcia: “o Poder Judiciário não dispõe de armas ou de tesouro, mas da confiança da sociedade que o legitima”. Não podemos admitir que um a um os pilares do respeito ao sistema penal venham sendo corroídos diante da perda da credibilidade”, reitera.

Para além disso, Cacho diz que esse novo entendimento atingiu milhares de pessoas que estavam presas por força da decisão anterior do STF e que agora foram postas em liberdade em razão da mudança de posição da jurisprudência, e não apenas aos políticos, rebatendo, ainda que indiretamente, os comentários da população de que a decisão beneficiaria a classe.

“Nesse caso, devemos definir quem são os “políticos” e quem seriam os “beneficiados”. Políticos são os legítimos representantes do povo eleitos por voto direto. E, com certeza, estes são um número ínfimo dos que poderão obter liberdade em razão da decisão”, alega. E completa: “A sociedade civil em questão não pode ser representada por meia dúzia de entidades com legitimidades questionáveis, o que deve ser destacada é o que pensa o conjunto da sociedade que se encontra descrente no sistema penal”.

FUTURO
Agora, com a reação nas casas legislativas, Emanuel Cacho espera que o Congresso faça o papel que lhe é de direito, ou seja, o de legislar. “É certo que a Câmara Federal e o Senado, que foram pressionados pela decisão do STF e receberam uma espécie de salvo-conduto para enfrentar a questão, considerada uma cláusula pétrea e não poderia ser alterada por uma lei ordinária ou mesmo por uma emenda à Constituição. Rapidamente, as duas casas legislativas buscaram soluções através de soluções diversas. Acredito que a que Câmara Federal seja mais ágil e mude a forma dos recursos”, avalia.  

Em Sergipe, os ex-deputados Augusto Bezerra e Paulinho das Varzinhas e o ex-prefeito de Capela, Manoel Messias Sukita, foram beneficiados com a decisão. Todos foram liberados da prisão e estão aguardando o julgamento dos recursos em liberdade - não é que tenham sido absolvidos dos crimes pelos quais foram condenados. Augusto e Paulinho foram procurados pelo Portal e disseram não podem falar sobre o assunto.

Assim como eles, segundo o Conselho Nacional de Justiça – CNJ –, aproximadamente 4.895 pessoas deixarão as penitenciárias. “Em Sergipe, o número deve ser bem reduzido. Embora muitos presos no Estado esperam para ser beneficiados de alguma forma pela decisão do STF”, diz Emanuel Cacho.

Reinaldo Chaves: “pena restritiva passou a ser o centro do sistema, mas com limitações. E a prisão ao fim do processo é uma delas”

DECISÃO ANTERIOR
Evânio Moura diz que foi feita uma interpretação completamente equivocada da garantia constitucional, afirmando que a Constituição Federal de 1988 não garante o direito de liberdade durante todo o processo, mesmo diante de um dispositivo normativo de clareza solar, mesmo diante de previsão expressa no artigo 5º, LVII, dela. O STF passou a entender que como os recursos para as Cortes Superiores (STJ e STF) não discutem matéria fática, poder-se-ia iniciar o cumprimento da pena. “Eis o grave engano”, sentencia o advogado.

Evânio Moura explica que, mesmo não permitindo análise de prova, os referidos recursos admitem revaloração da prova e, mais ainda, análise acerca da admissibilidade de determinada prova. O advogado cita um exemplo para ilustrar: alguém que foi condenado com base em uma gravação ambiental ou interceptação telefônica.

“Pode o STJ ou STF declarar essa prova ilícita? Pode e deve, se presente e comprovada a ilicitude. Acaso esse argumento tivesse sido derrotado na segunda instância o cidadão teria que aguardar preso para demonstrar junto ao STJ ou STF que a prova que o condenou é ilícita. É razoável essa forma de interpretar o direito? Óbvio que não”, declara.

DEBATE POLÍTICO
Evânio reconhece que essa decisão ganhou um bojo excessivamente político. E que isso deve-se à prisão de Lula, essencialmente. “Independentemente do viés político que cada cidadão siga, se de esquerda ou direita, se aliado ou contrário ao ex-presidente Lula, não há dúvida de que o devido processo legal fora severamente violado no caso do ex-presidente”, alerta.

Isso porque, para Evânio, os diálogos divulgados pelo site The Intercepth deixam evidente que não havia uma estrita observância às regras processuais, com um juiz imparcial, com o tratamento isonômico das partes, respeitando-se a paridade de armas. “Isso ficou escancarado pelo teor dos diálogos, desnudando o que os professores de direito penal e de processo penal temiam, que é o risco de você utilizar um processo criminal com interesse ou contaminação política", ressalta.

Indubitavelmente, repete Evânio, essa questão da prisão em segundo grau ganhou maiores contornos de dramaticidade, politização, passou a ser objeto de passeatas, memes na internet, conversa em mesa de bar, em razão da prisão de um ex-presidente em pleno Estado Democrático de Direito por condenação da acusação de crimes comuns e não de crimes políticos. O jurista e advogado também criminalista Emanuel Cacho concorda. Embora tenha uma visão mais crítica e firme do papel do STF nessa discussão.

E A CREDIBILIDADE?
“Considero correta a decisão do Supremo, que é o guardião da Constituição. Entretanto, sou contra essas mudanças radicais na jurisprudência do STF em pequenos espaços de tempo. O sistema penal deve ter a credibilidade do povo de que ele foi construído de forma justa, madura e ponderada e no interesse de todos. O STF não pode dar sinais de que suas decisões mudam ao gosto do vento ou dos interesses e vaidades dos seus ministros”, analisa Emanuel Cacho.

Para Emanuel Cacho, o povo não compreende porque a primeira decisão do STF levou às prisões milhares de pessoas que ainda aguardavam o resultado de recursos no STJ e no STF e, agora, a corte suprema muda tudo, inverte a jurisprudência, passa a admitir o direito a recorrer em liberdade mesmo após o duplo grau de jurisdição aos que ainda tinham recursos em andamento e não havia trânsito em julgado.

“Esse fato é muito grave e nos faz temer o futuro. Certamente que nem os tribunais superiores nem o STF estarão preparados para responder às demandas dos milhares de recursos criminais que advirão desta situação”, alerta o advogado.

INCERTEZAS
Emanuel Cacho explica que, desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2009, o entendimento do STF era pela possibilidade de prisão após condenação em segundo instância e que apenas em 2009 isso foi alterado. “Em 2016, voltou-se ao primeiro entendimento de pela prisão. Agora, em 2019, mudou tudo e todos que foram presos foram postos em liberdade”, critica.

Para Emanuel Cacho, diante de tantas incertezas, o sistema penal brasileiro quase entrou em colapso quando o STF admitiu a prisão após esgotada a segunda instância. “A prisão com maior repercussão foi a de Lula. Naquela época, estávamos vivendo dias de muitas pressões sobre os poderes Executivo e Legislativo, com prisões e operações diárias da Polícia Federal e Ministério Público atingindo as mais importantes figuras políticas da nação. O Poder Judiciário estava pressionado pelas ruas e passou a repercutir um ativismo nunca visto, buscando visibilidade publica através do processo penal”, analisa.

Segundo Cacho, tudo surtiu grande influência nas eleições de 2018, o que, adverte, resultou nas eleições de várias dezenas de militares, delegados, juízes, promotores para mandatos políticos estaduais e federais. “As duas decisões do STF em pequeno espaço de tempo tiveram resultados terrivelmente avassaladores sobre a sociedade brasileira, com grandes repercussões na política e na vida civil”, reforça.

Emanuel Cacho: “fato é muito grave e nos faz temer o futuro”

Decisão sobre segunda instância divide opiniões e polariza ainda mais o país


Augusto Bezerra, Paulinho das Varzinhas, Manoel Messias Sukita, Luiz Inácio Lula da Silva. O que todos esses políticos têm em comum? Foram julgados, condenados e presos após decisão de uma segunda instância e libertados após a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF - de que é preciso esperar o trânsito em julgado para iniciar o cumprimento das penas.

O que isso significa? Que se o cidadão não concordou com a sentença do juiz de primeiro grau, ele pode recorrer para que o caso seja julgado no Tribunal de Justiça. Então, se o processo subiu para a segunda instância, quer dizer que houve recurso contra a decisão do juiz e, assim, o caso passa a ser examinado pelos desembargadores.

Com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, quem será liberado da prisão? Todo acusado em processo penal que, tendo respondido em liberdade e tendo sido julgado em segunda instância, apresente recurso aos tribunais. Nesse caso, exige-se que o processo chegue ao fim para que se inicie o cumprimento da pena.

Prisão após decisão em segunda instância divide opiniões