
As cartas, de amor ou de briga, renderam boa literatura no Brasil e no mundo
Ouçam isto: “Escreva uma carta meu amor e mande outro beijo, por favor!” E isto: “Cartas na mesa, verdade, franqueza. Pago dobrado e perco calado...”.
Esses trechos de músicas do Roberto Carlos e do Moacir Franco eu deixarei aqui como provocação para o companheiro das quintas-feiras neste Portal JLPolítica & Negócio, o já muito querido Mário Sérgio Félix, para o dia em que ele quiser se enfronhar em uma pesquisa sobre músicas com o tema cartas.
Esperarei ansiosa pela missão do nobre Mário, mas meu negócio mesmo é com a Literatura. Coleciono, há algumas décadas, livros de cartas, principalmente, entre escritores, mas muitos são os exemplos de cartas e bilhetes nos livros ficcionais.
Em O primo Basílio (Eça de Queiroz, SP: Abril, 1979), temos as exclamações da personagem Juliana: “- Minha senhora! Minha senhora! É um criado com esta carta, diz que vem do hotel”. (p. 124).
Na página seguinte, vem o trecho que se popularizou na música Amor i love you - Marisa Monte -, lido por Arnaldo Antunes: “E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações”.
No livro Ninguém escreve ao coronel (Gabriel García Márquez, Record, 1996), vamos encontrar três tristes personagens: o coronel, sua esposa asmática e um galo, mas a protagonista da história é a carta.
A espera do coronel por uma carta vinda do governo para liberar sua aposentadoria que, após mais de 15 anos de espera, resolve ele mesmo escrever: “Levou para a mesinha de centro da sala um bloco de papel pautado, a caneta, o tinteiro, uma folha mata-borrão. Deixou a porta do quarto aberta a fim de fazer consultas à mulher, que rezava um rosário. - Que dia é hoje? - 27 de outubro. Escreveu com uma compostura aplicada, posta a mão com a caneta na folha de mata-borrão, a coluna vertebral reta para favorecer a respiração, conforme lhe ensinaram na escola”. (p. 44).
Em 1949, foi publicado o livro As grandes cartas da história (Wallace Brockway, SP: Cia Ed. Nacional). Os temas são muitos: cartas satíricas, de amor, de ódio, de amizade, de desespero - neste último tópico, a breve carta da Virgínia Woolf a Leonard Woolf, seu esposo: (Março de 1941).
“Tenho a impressão de que acabarei louca e não posso mais suportar esses tempos terríveis. Ouço vozes e não consigo concentrar-me em meu trabalho. Lutei contra isto, mas não posso lutar mais. Devo toda a minha felicidade na vida a você. Você foi perfeitamente bom para mim. Não posso continuar a viver e a estragar a sua vida” (p. 537).
No livro Cartas do Cárcere, de Antonio Gramsci (Ed. Civilização Brasileira, 1978), temos mais de 200 cartas trocadas entre Gramsci, sua esposa, sua mãe, irmão e cunhada. Apesar de serem cartas familiares e de passarem pela censura carcerária, elas darão conta, no dizer de Roberto Pontual, de estabelecer os métodos do fascismo “em suas manifestações mais bárbaras e torpes”.
São 10 anos de correspondências (1926-1936), nas quais o ex-deputado Antonio Gramsci trata principalmente de consolar a família: “Roma, 20 de novembro de 1926. Querida mamãe, Não tinha ainda lhe escrito que me nasceu outro filho: chama-se Giuliano e escrevem que é robusto e desenvolve-se bem. Délio, ao contrário nestas últimas semanas teve escarlatina, se bem que leve (...). Não deve se preocupar pelos seus netinhos: a mãe deles é muito forte e com seu trabalho fará com que cresçam muito bem.” (p.18).
Nas Cartas a Heloísa (SP:SMC, 1992), Graciliano Ramos se espalha em amorosidades, talvez certo de que as missivas ficariam somente entre o casal: “Heloísa: Mandei-te uma carta pelo último correio, e já a necessidade me aparece de falar novamente contigo. Se pudesse, empregaria todo o tempo em escrever-te, só para ter o prazer de receber respostas. Tenho tanto que te dizer... Nem sei por onde começar, fico indeciso, com a pena suspensa, vendo interiormente esses olhos que me endoideceram quando os vi pela primeira vez. (...) Beijo-te as mãos. Teu Graciliano. Palmeira, 18 de janeiro de 1928”. (P. 35).
Ainda pretendia trazer aqui o livro Il Postino, de Antonio Skarmeta, que resultou no belíssimo filme O carteiro e o poeta (direção de Michael Radford, 1994); também o livro Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Morais, de Georgina Koifman, mas finalizarei com o belo livro Cabral, Mário: Cartas Abertas (Aracaju: Sercore, 2011), do escritor sergipano Marcelo Silva Ribeiro.
A história tinha tudo para ser de uma grande inimizade, criada a partir de texto contido no livro de Mário Cabral Roteiro de Aracaju (1948), sobre um empreendimento de nome Vaticano, no centro de Aracaju, do senhor José da Silva Ribeiro - avô de Marcelo Ribeiro -, a quem a pena de Mário Cabral não poupou de pesadas críticas ou, no dizer do neto, Cabral exagerou na pintura: “...principalmente, na mordaz caricatura do pai do meu pai”:
“O Vaticano, querida, é um monstruoso prédio construído na esquina da Avenida Otoniel Dória com a Avenida Getúlio Vargas. Aconteceu assim: José da Silva Ribeiro (um capitalista) idealizou, certa vez, levantar um grande edifício na capital sergipana.(...). Não havia planta, nem projeto, nem engenheiro. Havia apenas dinheiro e a ideia esquisita do capitalista José da Silva Ribeiro’. (P.29).
O livro de Marcelo Ribeiro vai nos presentear com histórias e cartas trocadas entre ele e Mário Cabral e entre Mário e outros grandes nomes deste Estado. Como diz, no prefácio, o pesquisador Luiz Antônio Barreto: Foi uma Carta Aberta, também de corajosa e lúcida discordância, que aproximou, no curso do tempo, Mário Cabral e Marcelo Ribeiro. Leiamos... [*] E, então, Mário Sérgio Félix, vai encarar?
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