
Marcos Moura Vieira: sob o coice da besta enorme, alguém sempre ficará ferido
Em primeiro lugar, quero registrar as minhas desculpas pelo sumiço na última quinta, 13 de julho. Desde o dia anterior a pressão esteve descontrolada. Recebi atestado do setor de saúde da UFS e também a receita de um calmante que me provocou um estado grogue.
Saí da rede somente porque um bar novo que abriu perto de casa, no bairro São José, atiçou os meus instintos roqueiros dos anos 80 e 90. Fui até lá. Duzentos metros de caminhada, mas já estavam pedindo a saideira, que foi o “Toca Raul!”.
No dia seguinte, 14 de julho: sessentei! Ainda não estou situada como anciã, mas a ida à doutora, na última quarta, 19, de manhã me deu um choque de real.idade: dona Maria Roseneide, pode entrar!
Olhei em volta e esperei alguma queixa, pois eu era a última, de 6, a chegar no consultório. Foi tudo muito rápido. Divisei cinco carinhas jovens, no máximo, entre 20 e 35 anos. Compreendi o chamado.
Mas vamos ao que interessa: o texto da última quinta, dia do Rock, 13 de julho de 2023, meu último dia de não idosa. Nos últimos 8 dias, tivemos aniversariantes ilustres, dignos de nota.
Vamos lá: em 12.07 - A historiadora e poeta sergipana, de Aracaju, Maria Beatriz Nascimento (1942-1995), que atualmente dá nome à Biblioteca do Arquivo Nacional e, em novembro passado, recebeu o título de doutora honoris causa da Universidade Federal Fluminense, como também foi inscrita no Livro Heróis e Heroínas da Pátria, através do PL 614/2022, de autoria do senador Paulo Paim.
A grande intelectual e pesquisadora, ativista negra, se debruçou sobre os estudos da origem dos quilombos para nos retirar do conceito fácil, popularizado nas escolas, como o lugar de escravos fugidos: “O quilombo surge do fato histórico que é a fuga. É o ato primeiro de um homem que não reconhece que é propriedade de outro”. (Doc. Ori, 1989, direção de Raquel Gerber).
Dessa forma, o conceito é atravessado pela necessidade humana de liberdade. Assim, a historiadora completa: “Todos somos quilombo”. Beatriz Nascimento faria 81 anos nesse último dia 12.
13.07 – O poeta e médico psiquiatra Marcos Moura Vieira, mestre em Educação, PHD em Linguística Aplicada, nasceu em Aracaju, em 1964. Estudou e atuou profissionalmente na França e Holanda.
Iniciou sua atividade literária na década de 1980, em Sergipe, participando das oficinas de poesia ministradas por Maruze Reis e Iara Vieira, bem como das de conto e romance ministradas por Luís Antônio de Assis Brasil. Escreve poesia, dramaturgia, conto e romance. Em 1989, seu livro Voragem recebeu o Prêmio Santo Souza de poesia. Leiamos...

Voragem - É como o coice de uma besta enorme/ Sobre o monturo da vida empedrecida/ Ou quebra a pata e aumenta a fúria manca/ Ou lasca a redoma e a razão se espalha/ (De qualquer forma alguém fica ferido!).
Mundo dos homens - Fecha a cortina/ Pra ninguém olhar/ que a gente se olha/ Deixa o carinho ao amigo pra depois da morte/ Esconde os versos embaixo do colchão/ A lágrima atrás da porta/ e vamos jogar bola.
12.07.2023 - Temos outro aniversariante ilustre, mas não do universo literário. Trata-se do grande jogador brasileiro José Vinicius Júnior, que fez 23 anos no último dia 12: “O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista.” (Instagram do jogador, maio de 2023). Um Vinícius chama outro
José Vinícius - atendente fechador -, de Aracaju, eu ainda não sei quando aniversaria, mas fez um relato sobre as condições de trabalho no BK do Shopping Jardins (19.05.2023): “Quero relatar aqui o inevitável. Eu acabei de mijar. Sim, mijar aqui no quiosque, porque eu não posso sair daqui; porque, se eu sair daqui do quiosque, eu levo advertência, a segunda vez, eu levo suspensão e, na terceira, eu levo uma justa causa”. - Vídeo postado pelo professor doutor Ilzver Matos, em rede social. Um Vinícius chama outro.
Em 1962, o poeta Vinícius de Moraes resolveu deixar os EUA e voltar para o Brasil, quando ainda poderia permanecer por lá, no mínimo, por mais um ano.
Um americano muito rico que o recebeu em casa disse não compreender por que Vinicius preferia voltar a “Latin America”. E ele respondeu: “Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo que o Sr. tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills. Está muito certo que em ambas as residências o Sr. tenha geladeiras gigantescas capazes de conservar o seu preconceito racial. Mas me diga uma coisa, Mr. Buster. Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: o Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?”.
Ainda meio confusa com a novidade da terceira idade, não espero que as leitoras e os leitores que me acompanham aqui no Portal JLPolítica & Negócio compreendam tudo que escrevi acima, mas como botafoguense roxa, ops, alvinegra, preciso confessar que o texto do poeta Vinicius de Moraes sempre me foi caro pela menção ao time do coração.
Nunca tinha prestado a devida atenção às “geladeiras gigantescas”. Minha sugestão é justamente esta: leiamos com atenção. É muito triste saber que pessoas ditas intelectuais possam diminuir a importância da luta contra todo tipo de preconceito, principalmente contra o racismo.
Minha reverência à doutora Beatriz, ao doutor Marcos Moura Vieira, aos Vinícius aqui presentes, a Nelson Mandela -18/07 -, pois todos são presentes nas nossas lutas.
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