Articulista
Roseneide Santana

É mestra em Letras e técnica em Educação da UFS. Escreve às quintas.

Viva São João Oliva, do Riachão do Dantas!
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Hunald de Alencar e Seu João Oliva Alves: duas figuras idas, mas que devem ser lembradas gostosamente

Dentro de 11 dias, completaremos quatro anos sem a presença física do renomado jornalista João Oliva Alves -16.12.1922 - 03.07.2019. No último mês de março, tivemos a inauguração de uma escola municipal de tempo integral, em Aracaju, que recebeu o nome de EMEF Jornalista João Oliva Alves.

Em maio último, foi inaugurada a Academia de Letras e Cultura de Riachão do Dantas, tendo Seu João Oliva como patrono. Todas as homenagens são muito merecidas, mas o nome de João Oliva deve caminhar por este Estado, e fora dele, para além da imobilidade das placas.

Para isso, é importante que os poderes públicos que o distinguem também incentivem a leitura dos seus escritos, divulgando, republicando suas obras.

Conheci pessoalmente Seu João Oliva em outubro de 2013, na Bienal de Itabaiana, Sergipe. O filho dele, Luiz Eduardo Oliva, nos apresentou, abriu o livro do pai, Mural de Impressões, lançado naquele mesmo ano e, cheio de orgulho, leu o texto que o jornalista escreveu sobre um poema de Hunald Alencar do livro Ária suspensa.

O belo poema era Romance de Antoninho Ferreiro: “Antoninho trazia nas mãos/ estrelas de calo e frágua:/ agudos galos metálicos/ carpiam negras auroras./ Nas madrugadas cavalos/ com ferraduras na alma:/ guizos de crinas de lágrimas./ Dos seus olhos faiscavam/ as limalhas mais amargas (...)/ Antoninho e a forja/ pela noite se inflamavam”.

Minha relação com Seu João Oliva foi de um amor à primeira vista e à primeira leitura. O texto de Seu João, tratando da sua experiência de menino vizinho de ferreiros, não tinha versos, mas era especialmente poético. Leiamos...

“A cena é da minha infância; nela me revejo aos 7 ou 8 anos, no Riachão, minha terra natal, na oficina de seu Bernardo Ferreiro (...). Toda vez que eu ouvia o batido seco, metálico do malho na bigorna, corria para a oficina e ficava à parte, olhando fascinado para o batuque alternado dos dois ferreiros: seu Bernardo e seu João Cândido; protegidos por aventais de couro e máscaras, cada um segurava um torniquete numa das mãos e o malho na outra (“mãos de calo e frágua”) (...). Menino, fica bem longe senão as faíscas te queimam! (...) Seu Bernardo, para que presta este ferro? E ele respondia: É para proteger as rodas dos carros de bois que são de madeira e sem o ferro se estragam nas pedras da estrada. Mas eu insistia: E para que mais? E ele acrescentava: Também para que as rodas, que vão ficar brancas e polidas, tornem-se vistosas e bonitas, mesmo avistadas de longe.

(...) Por muitas vezes eu ficava uma boa parte da tarde ali na oficina, entretido com o movimento e os sons ásperos dos instrumentos do trabalho dos dois ferreiros; havia o atiçamento do fole e o colorido rubro das limalhas incendiadas; o chiado das peças mergulhadas no tanque de esfriamento e as figuras dos ferreiros - seu Bernardo e seu João Cândido - davam ao ofício deles um profundo ar de encantamento e dignidade, que ficou na lembrança e na alma do seu pequeno espectador. Tudo isso a poesia de Hunald Alencar vem ressuscitar, com um renovado sentimento de saudade, do fundo da minha memória, mais de setenta anos depois!”. (Oliva, João. Mural de impressões. Aracaju: Criação, 2013).

Os textos do livro Mural de Impressões, além de nos trazer histórias vividas pelo jornalista, são incentivadores de outras leituras. É impossível ler A nova poética de Hunald Alencar (p.123) e não ter vontade de procurar imediatamente o livro Ária Suspensa.

Do mesmo modo, os destaques no texto sobre “Retrato diverso”, de Jozailto Lima (p.175) e, ainda, na página 86, o texto Falando propriamente de crônicas, que trata das crônicas propriaenses de Marcos Melo, no qual o jornalista cita um artigo do teórico Antônio Cândido: “A vida ao rés do chão”, para reforçar o conceito de crônica enquanto “gênero menor”, segundo o crítico, graças a Deus! Temos também Núbia Marques, Mário Cabral, Clodoaldo de Alencar, Acrísio Torres, Petrônio Gomes e tantos outros.

Além das análises de obras importantes, temos muitas preciosidades no “Mural”, mas a principal delas, a meu ver, é a generosidade e o tom afetuoso com o qual Seu João Oliva descreve as figuras do seu convívio. Quem não ficaria com vontade de ter conhecido e ficado amigo do senhor Ursino Ramos? Dono do Armarinho Helena e pai da Joésia, do dr. Mirabeau, da professora Magna Ramos, do dr. Byron... E do seu José Araújo Nascimento, de Riachão e Tanque Novo, que o jornalista intitula O meu tipo inesquecível? 

A partir daquele dia na Bienal itabaianense, todos os nossos encontros foram amorosos. Não parávamos de conversar e quando realizei uma Roda de Leitura sobre escritores jornalistas, Seu João Oliva gostou muito da seleção dos textos e da leitura que fiz do poema dedicado por ele a sua saudosa esposa Maria.

Pediu meu telefone. Passou a frequentar as Rodas de Leitura na Biblioteca Epiphânio Dória. Foi também à Roda de Leitura na Clodomir Silva, coordenada pela professora Maruze Reis, em uma homenagem à Maria Lúcia Dal Farra. E a cada novo encontro, uma alegria sem tamanho. No dia dois de julho de 2019, sem saber que perderia meu amigo no dia seguinte, eu abri uma coluna no meu feice com o nome de Minhas Relíquias e comecei por um significado de dicionário: relíquia - coisa rara, antiga e preciosa. 

Conheci Seu João tarde, muito tarde, mas a nossa amizade já nasceu com ares de antiguidade, de encontro raro, precioso: uma relíquia mesmo, que permanecerá comigo até chegar a minha vez. Esteja em paz, Seu João Riachão!

P.S. - Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839.

 

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Antonio Passos
Que sempre permaneça entre nós essa suave sucessão de cronistas da memória. Bravo!
Francisco Alves de Oliva
Parabéns Rosineide, pelo seu texto a respeito do meu saudoso e querido pai. Muito obrigado, pelas palavras elogiosas a ele. Valeu mesmo. Lindo texto. Nós, seus filhos, ficamos muito, agradecidos!