Articulista
Gustavo Felicíssimo

É poeta, cronista, fundador e editor da Mondrongo. Escreve às terças.

Aeronauta: fragmentos de Ângela Vilma
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Ângela Vilma: original até no modo de ser captada em foto

Sei que sou, como editor, um leitor privilegiado. No momento, por exemplo, releio o novo livro de Ângela Vilma, “Histórias de gente miúda”, obra inaugural do Clube da Crônica, o selo da Mondrongo criado exclusivamente para cronistas e que apenas no próximo mês será disponibilizado para os leitores.

E quando chegar o próximo mês estarei, sem dúvidas, apaixonado por outro novo livro que outras pessoas estarão à espera. Assim, enquanto os escritores me entregam seus sonhos e desejos de realização para edição, tenho a oportunidade de sonhar junto a eles ao mesmo tempo em que me coloco como meio para a materialização dos seus esforços.

Talvez por isso eu me encontre agora diante da folha sobre a qual espero escrever algo de bom a respeito da segunda edição de “Aeronauta”, livro que em muitas passagens nos leva de volta à nossa cidade natal por meio de textos tecidos de maneira tão terna, a linguagem sempre coloquial, a palavra de pés descalços, a autora revisitando o seu chão ainda vivo na memória, ao mesmo instante em que nos devolve sensações esquecidas por meio das nossas reminiscências que acabam se interligando às da autora.

E mais: sua relação familiar através da figura forte e teimosa do pai, a firmeza e a ternura da mãe, a rivalidade com a irmã, a solidão, sua relação com o magistério e com os livros.

Vale ainda observar que o texto de Ângela Vilma vem coberto de um humor bem depurado, bem dosado, às vezes irônico, às vezes zombeteiro, onde ela ri de si mesma, como faz em algumas crônicas a respeito dos seus encontros e desencontros amorosos. Melhor. Ela zomba de certas circunstâncias, de sua inadequação à modernidade, de seus namorados, todos eles, de um modo ou de outro, fora do esquadro.

Por esses motivos é que podemos dizer que as crônicas de “Aeronauta” nos revelam fragmentos de Ângela Vilma, pois vê-se na publicação uma espécie de autobiografismo que se espalha, pedindo ao leitor que conecte as partes que vão espelhar a autora em um intrincado mosaico.

Tudo isso, vale lembrar, graças ao empenho e a extraordinária intuição de Emmanuel Mirdad, amigo e admirador da prosa da autora, na seleção e organização dos textos que formam o volume. Isso, deixemos bem claro, sem que ela ao menos desconfiasse.

Explico: Ângela Vilma publicou crônicas por anos em um blog que dá título à presente obra. Então, percebendo toda a potencialidade do que ali estava esquecido, visto que há muito a autora não publicava mais nada naquele espaço, ele resolveu revirar o conteúdo e dar ao que foi selecionado a unidade de livro, o que de fato merece os nossos melhores elogios. 

Quanto às crônicas de “Aeronauta”, elas são fundadas em uma estética moderna, a autora atenta aos detalhes aparentemente mais ínfimos do cotidiano, aos fenômenos efêmeros, seus sortilégios íntimos, sem deixar de legar-lhes um olhar de poeta e ficcionista ao mesmo tempo.

Ademais, ao percorrermos página a página, temos sempre a gostosa sensação de estarmos o tempo inteiro ouvindo uma voz que nos soa familiar ou amiga, às vezes confessional, às vezes repleta de sabedoria. Tudo isso nos lembra os procedimentos estéticos de outras grandes cultoras do gênero, como Cecília Meirelles e Clarice Lispector, explicitadas no próprio livro, e também Lygia Fagundes Telles, cujos ecos caracterizados pela exploração e forma intimista com que vasculha a psicologia feminina ressoam por aqui.

Mas aí o papo é outro e esse texto não pretende ser mais do que uma crônica. Certo mesmo é que essa tríade de cronistas de difícil rotulação, cujo lirismo narrativo intensifica o intimismo no enfoque aparentemente despretensioso de questões existenciais, ganha definitivamente mais uma confreira de brilho excepcional, e esta é Ângela Vilma.

 

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Denise Mendes Moutinho
Ângela Vilma , escritora maravilhosa que empresta para seus leitores a oportunidade de serem normais e deixa uma atmosfera de saudosismo carinhoso e dando o poder de brincar com suas próprias dores .
Wladimir Saldanha
Ângela Vilma consegue articular muito bem a memória pessoal com a necessária dimensão estética da crônica, sem ser meramente confessional. Tem humor, como ressalta seu editor, virtude cada vez mais rara hoje em dia entre escritores, que pensam que escrever bem é ser sério, e que ser sério é ser grave. Foge das temáticas da moda, não recai em nenhuma pauta identitária e produz, portanto, um texto limpo e livre de amarras, ao sabor de associações líricas por vezes inusitadas. Em bom tempo seu livro é reeditado e novos títulos seus também chegam.
Geiza Teixeira
Perfeito, estou ansiosa para conhecer esta obra.
Inocêncio Silva Monteiro
"Ângela Vilma: original até no modo de ser captada em foto". Além das palavras acima destacadas, não ousaria dizer muita coisa a mais sobre esta extraordinária amiga, conterrânea, poetisa, senão ratificar a alegria e a honra de tê-la como alguém com quem compartilho um carinho e uma admiração já um tanto antigos, mas que o tempo não conseguiu arruinar como costumeiramente faz com os sentimentos menos sólidos e sinceros. Enfim, Aeronauta é uma espécie de ave que voa, voa, voa, mas tem garras fincadas em pessoas e lugares que sempre foram e serão seus, confirmando a sua inabalável originalidade e encanto.
Lidiane Hora Peixoto
Minhas saudações a todos os leitores e admiradores de Ângela Vilma. São tantas coisas para falar de ti, como profissional e ser humano. Obrigada por ser original e natural.
Maria Cristina Dantas Pina
Que texto lindo, um editor assim é o sonho de toda escritora! E, certamente, traduziu Ângela Vilma divinamente!!!
Alexandre Uilton Lopes Gomes
Sou fã do lirismo de Ângela Vilma.
Ângela Vilma
Tão belas palavras desse editor generoso e magnânimo, Gustavo Felicíssimo! Uma honra ser editada por você! Muito obrigada!