Articulista
Gustavo Felicíssimo

É poeta, cronista, fundador e editor da Mondrongo. Escreve às terças.

Eu também vou por aí!
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Hildeberto Barbosa Filho: com seu “Vou por aí”, acerta no meio exato da titela da alma do leitor

Ler é quase sempre um ato solitário e particular. Tem a ver com os gostos e hábitos de cada um. Mas como disse Jorge de Sousa Araujo, ler é necessário para evitar que a alma enfarte.

No entanto, a melhor forma de fazê-lo, a mais gostosa, é a contemplativa, em que o leitor está totalmente à vontade para a entrega, para o prazer que proporciona uma leitura agradável.

Ler um livro de uma só vez ou aos poucos, não importa. Necessário é que se leia mais e mais, e sempre, pois o hábito da leitura nos leva à construção dos alicerces que vão sustentar a vida e o existir em um tempo cada vez mais pobre.

Há, porém, muitas formas de não enfartar. Ler o saborosíssimo livro de crônicas “Vou por aí” (Ideia, 2015), do paraibano Hildeberto Barbosa Filho, é uma delas. Li as primeiras de um só fôlego, mas ao sentir o encantamento adotei uma estratégia diferente, impondo-me a leitura diária de apenas um texto.

Desse modo, como se em pílulas, prolonguei o prazer que o livro me trouxe por exatos 75 dias. Ou melhor: 75 manhãs. Fiz isso no aconchego do meu quarto e, invariavelmente, com uma caneca de café quentinho.

Pois bem. E se me perguntarem o que vi no livro, muita coisa posso dizer. A começar pelo estilo. Hildeberto retoma a tradição do cronista-poeta, como foram Drummond, Bandeira, Rubem Braga ou Millôr Fernandes, um tipo particular de escritor que se preocupa com a carga lírica do texto, utilizando alegorias e conotações - elementos próprios da poesia - para sugerir ideias, imagens, sensações, vivências e impressões.

Como é o caso da crônica “Coisas que não sei”, em que o autor nega o conhecimento sobre certos fatos e acontecimentos, mas onde demonstra, no entanto, habitar a consciência histórica de seu tempo munido das informações mais relevantes ao pensamento crítico.

Percebi que o autor mantém laços extremamente fortes e apaixonados com a sua Comarca das Pedras, a preciosa e inelutável Aroeiras, onde veio ao mundo em 1954. E com toda a Serra da Borborema. Todo o Cariri. Terra de lajedos, onde o cinza predomina na terra e o céu é sempre azul e límpido. São diversas crônicas sobre o lugar.

Aliás, em uma em especial, a que dá título ao livro, a tônica está carregada de reminiscências, onde se narra um percurso poético do autor por sua terra natal, a mesma que lhe oferece a hóstia sacrossanta da poesia.

Em outras crônicas há o contato efusivo com o movimento literário do Estado da Paraíba e as preocupações do autor com as questões acadêmicas. Hildeberto, contrariando a máxima que diz ser mais fácil falar dos mortos que dos vivos, demonstra uma generosidade sem medidas ao comentar e dar visibilidade à obra dos escritores do seu tempo e lugar.

O mesmo se observa, por exemplo, em um Jorge Amado, que exerceu brilhante papel na divulgação de muitos escritores baianos. E é um sábio quando discorre acerca do terreno movediço e escorregadio que é o da metalinguagem, observando poesia nos detalhes, nos absurdos, como na escalação de um time de futebol ou no pregão de uma vendedora de guloseimas em frente a uma agência bancária.

Mas antes de me encaminhar para a conclusão desta crônica, para o derradeiro parágrafo, devo dizer que, por causa da mais pura identificação com o tema, são os textos de Hildeberto sobre a boemia que mais e melhor afetam o meu coração. Aqui o personagem principal não é um poeta, não é um cantador, um contador de histórias, mas o próprio bar.

Mais especificamente, o Bar de Baiano, localizado em João Pessoa, e toda a sua fauna, elementos de diversos momentos do livro, como em “Um bar e seus habitantes”, apenas para exemplificar, onde se elenca uma lista generosa dos seus conhecidos habitués.

Um bar com as suas vicissitudes. Um bar com todo o seu sentido lírico. Um bar e suas personalidades. Isto é inevitável quando um bar é um bar. E um bar só pode ser um bar se o boêmio se sentir em casa, na companhia inevitável de Dionísio. E tão somente se os seus frequentadores são “como eternos guardiões de um território mágico e simbólico”.

Deixando de lado o Bar de Baiano, podemos afirmar que se a crônica moderna é um gênero das margens, que abriga o flanêur, observações corriqueiras sobre o cotidiano, a política e a cidade, fatos históricos e afetivos, tanto melhor se ela trouxer aquela chama que aproxima Hildeberto Barbosa Filho dos mais conceituados cultores do gênero, certa flama narrativa extremamente fascinante, poética, erudita mas sem nenhuma afetação, que atinge em cheio a alma do leitor comum e a do mais exigente estudioso do gênero. É por isso que eu também vou por aí!

 

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