Articulista
Gustavo Felicíssimo

É poeta, cronista, fundador e editor da Mondrongo. Escreve às terças.

P. S. de carta a Rubem Braga
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Vês aí, Velho Braga, o bem-te-vi: tem imponência maior do que a deste sujeito?

É madrugadinha, meu caro Braga, logo algum galo despertará, e como no poema do Cabral, outros galos juntarão seus cantos ao canto do galo primeiro e assim estará fundada a nova manhã.

Mas antes que isso aconteça, escrevo esta nova carta para te dizer que estive por quase uma semana com o pé na estrada. E na volta, adivinha só, tinham nascido os filhotinhos de canário-da-terra que falei na carta anterior.

São todos da cor parda, o que achei estranho, mas comentando com um amigo ele me disse que a cor amarela e os tons avermelhados na cabeça eles só adquirem quando adultos.
Satisfeito com a explicação, estou agora pensando em me tornar fazendeiro de pássaros, mas de pássaros livres, sem gaiolas, viveiros e similares.

Pois naquela de botar mamão para os canarinhos, muitas aves passaram a frequentar meu terraço, inclusive um beija-flor.

Só que pássaro bonito, mas bonito mesmo, é o tal do bem-te-vi. Outro dia um deles esteve zanzando por aqui, todo imponente com a sua cauda alongada, agressivo e barulhento.

O peito, de um amarelo tão vivo, mas tão vivo que chegava a cintilar. Em breve se inicia a cantoria deles por aqui. 

Mas, como ia te dizendo, passei quase uma semana com o pé na estrada. Acabo de retornar de João Pessoa. Estive lá, oficialmente, para o lançamento de livros, só que no duro, no duro mesmo, a minha intenção era descansar um pouco e rever a cidade, suas mulheres, praias e encontrar os amigos. Os livros não passavam de detalhes.

Lá, conheci a Feira de Oitizeiro na companhia de Hildeberto Barbosa Filho, um sujeito que ias gostar de conhecer. Outros amigos também nos acompanhavam.

O lugar é impressionante, e ainda tem uma diversidade inimaginável de coisas e bichos, como roupas, livros usados, bode, galinhas, galos de rinha, e, claro, pássaros, muitos pássaros, tantos que nem os nomes consegui guardar.

Conta-se que tudo teve início com a construção de um mercado público, destinado a abrigar o comércio que proliferava nas ruas do bairro, só que os comerciantes mais fortes começaram a investir no interior dessa área e outros pequenos foram se instalando na parte externa, formando assim essa grande feira que ocupa diversas ruas, onde muita coisa é exposta diretamente no chão, o que me levou a imaginar como uma feira primitiva funcionava.

Há no lugar, inclusive, uma área conhecida por “feira da troca”, onde, dizem, há um comércio de todo tipo de produtos ilegais.

Tem ali, inclusive, uns pequenos restaurantes, com aquelas senhoras gordas preparando a comida e umas moças bonitas servindo a gente. Só vendo. E tudo muito barato, meu caro.

Comemos lá um bode guisado, muito gostoso, acompanhado de macaxeira e linguiça, além disso, bebemos até nos fartar. Depois fomos ver o mar, que, naquele dia, estava um rebuliço só. As ondas furiosas. O sol a pino.

Mas à sombra de uma imensa amendoeira e com uma cerveja bem gelada à mesa, não há calor que resista, nem os 35 graus de João Pessoa.

Parafraseando o Manuel Bandeira, devo dizer que não sou como tu, Velho Braga, um budista meditando em voz alta, mas, ao fim daquela tarde, de volta ao apartamento em que estava hospedado, cuja hospedagem pago com livros ao amigo Ed Porto, quis o meu dia terminar como na sua crônica “As músicas de Deus”, de repente um apagamento de todas as luzes para toda gente recordar a noite, o escuro, as estrelas e, mesmo, um pouco, Deus.

Pois Deus, naqueles dias, não tenho dúvidas, esteve um pouquinho mais de bem comigo.

 

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