
Ulysses Guimarães: “Que a promulgação seja o nosso grito. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”
Em 2023, a Constituição da República Federativa do Brasil completa 35 anos de promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte, presidida por Ulysses Guimarães.
Após ano e meio de trabalho, em sessão solene na Câmara dos Deputados, a Constituinte - na presença do presidente da República, José Sarney, e do Supremo Tribunal Federal, Rafael Mayer - entregou ao povo a chamada “carta da esperança”.
Coube à Ulysses, às 15h50, do dia 5 de outubro de 1988, proclamar sua vigência: “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”.
E encerrava-se a transição entre o período autoritário de exceção e instalação da democracia liberal representativa. Mas faltava o recado alto e bom som, então o “Senhor Diretas” bradou aos quatro cantos a ditadura envergonhada, escancarada, derrotada, encurralada e acabada, como escreveu Elio Gaspari em sua quintologia.
Infelizmente, não foi sepultado o golpismo histórico, presente desde “A noite da agonia”, quando Pedro I ordenou cerco militar ao prédio dos deputados constituintes e dissolveu a Assembleia, avocando o poder constituinte e outorgando a Constituição Imperial vigente de 1824 até 1891, quando foi promulgada a Constituição dos Estados Unidos do Brazil, após golpe militar que proclamou a República em 1889.
Como divisor de águas rumo à nova era de direitos, Ulysses admitiu: “A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”,
Em seguida, o velho líder ecoou eloquente advertência: “Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia, bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações”.
Com mais de 1,6 mil dispositivos diversos - desde direitos fundamentais até a organização do Estado e poderes, passando por tributação, orçamento, ordem econômica e social, meio ambiente, família, cultura, desporto, educação, saúde, ciência, tecnologia, assistência e previdência social, índios e outros -, há quem a critique por constitucionalizar temas de status legal, mas a Carta democratizou direitos e disciplinou limites ao exercício do poder.
A Constituinte estimulou a participação popular, recebendo 72.719 sugestões, que inspiraram Ulysses: “Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar”.
Por sua vez, constituintes e entidades somaram 12 mil propostas. A análise, triagem, redação e sistematização levou sete etapas em 25 fases até votação pela Assembleia. Com propósito de criar mecanismos de efetividade, constituintes protagonizaram intensos debates, materializados em princípios e normas programáticas, não só com regras de non facere.
Fortaleceram o Poder Judiciário e delegaram ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da Carta. Robusteceram o Ministério Público. A advocacia, declarada indispensável à administração da justiça, e a Ordem dos Advogados do Brasil, única entidade de classe nominada e com missões relevantes.
Criou-se o SUS. Previu projetos de lei de iniciativa popular e liberdade de expressão. Vedou censura, tortura, confisco, banimento, pena de morte e prisão perpétua. Estabeleceu controle judicial em prisões. Protegeu o consumidor, trabalhador e o camponês.
Afirmou garantias aos presos, investigados e acusados. Impôs freios e contrapesos aos poderes, exigindo harmonia e independência. Estipulou cláusulas pétreas que não podem ser objeto de Proposta de Emenda à Constituição, como federação; voto direto e universal; separação dos Poderes e direitos individuais.
Ao lado da soberania, valores sociais do trabalho e livre iniciativa, e pluralismo político, ganharam relevo, como fundamentos do Estado Democrático de Direito, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, evidenciando amálgama entre princípios liberais e sociais, onde todo poder emana do povo, que, após 25 anos, voltaria a eleger o presidente da República - o último havia sido Jânio Quadros ao vencer o General Teixeira Lott.
Enfim, arrematou o “Senhor Constituinte”: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja o nosso grito.Mudar para vencer. Muda Brasil."
Foto: Arquivo/Agência Brasil
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