
Retrato do poeta francês Charles Baudelaire por Gustav Coubert, 1848. Baudelaire é autor de “As Flores do Mal”, livro marco do simbolismo no mundo
Arreios, cintilações, música, olhares decididos,
bigodes espessos e graves, tudo isso ele absorve
simultaneamente; e em alguns minutos o poema
que disso resulta estará virtualmente composto.
Charles Baudelaire
As alegadas inexplicabilidade, intangibilidade, como características mesmas do exercício poético - no que concerne, diretamente, à composição do poema - são subterfúgios próprios do superficialismo, da leviandade, com que se aborda este segmento - a saber, a poesia - do campo geral que é a Literatura.
Há um culto, um esoterismo, que nega a total e absoluta necessidade da presença ativa dum ser corpóreo pensante, racional, ou seja o autor, para que a produção artística, no caso, a produção do poema, da peça literária em versos, a qual nos interessa aqui e agora, seja possível.
Essa psicografia dadaísta tardia - perspectiva estética que já era uma boa bosta em sua época - tem, como consequência, o lançar, a esmo, de palavras sobre o papel, o colar, em seguida, de forma troncha, incompetente - alegada estilística -, os termos, em frases coordenadas nas quais o sociologismo, o psicologismo, o efeito pelo efeito, são empacotados e apresentados pelo autor como poema.
Impõe-se deste modo, coisa de criptografia, de mistério, de culto secreto, ao qual não são admitidos senão os iniciados. O “poeta” forja tal zona de conforto, dela não sai, e não há como questionarmos sua produção “literária”.
Protegido por um campo de força metafísica, lavado em sangue de sacrifício, esmagado pela angústia decorrente de sei lá que objeto indeterminado, conta com a solidariedade filistinista de leitores que sabem tanto quanto eu sobre o significado do que foi dito pelo porteiro de zigurate.
Ninguém, por princípio, é obrigado a compreender o poema. Eu mesmo não entendo boa parte do que leio. Quando possível, costumo perguntar ao autor, dirimir, humildemente, minhas dúvidas. E espero a revelação.
Pois parto do princípio de que o estilo, apesar de tornar, por vezes, o texto poético complexo, o que não é incomum, não o torna inexplicável, inacessível. Cabe, pelo menos, ao autor do poema, reconhecer, assumir, o compromisso técnico e ético de explicar, justificar, satisfatoriamente - mediante cada estrofe, cada verso, cada palavra - o objeto que compôs.
Poesia, numa definição geral, é a composição em versos - livres e/ou providos de rima; submetidos total ou parcialmente a regras particulares -, cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de ideias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas.
Seria desnecessário lembrar, aqui, que ideias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas não existem fora do campo racional? Aparentemente, não. Tudo leva a crer que, ao leitor crítico, isto é, ao leitor atento, impõe-se a inevitabilidade de jogar na cara do autor o fato de que toda forma de produção literária é materialista, é histórica. O que não a diminui nada. O que pode ocorrer é a produção descambar para o ruim por incompetência do sujeito que a realizou. E quem mais seria responsável?
O poema é uma construção humana. E à semelhança das demais criações artísticas, é veículo de disposição do autor, queira este ou não, para o enfrentamento dialético. E quanto à língua, ao idioma, no que nos concerne, a língua portuguesa, o texto literário - poema, conto, novela, romance - vale-se de signos do sistema linguístico vigente. A estes signos são acrescidos valores poéticos, ou seja, estéticos. Ao texto é conferido o estatuto de ficção. Não apartada da realidade. Isso é impossível.
O poema, o conto, a novela, o romance são apresentados ao mundo mediante processos comunicativos em que os fatores históricos, geográficos, políticos são, em maior ou menor grau, dimensionados e manifestos.
O material para tanto constitui-se do autor, da obra e do leitor. Nada, sob a ótica do bom senso, nos levaria a crer que estes elementos são figuras fantasmáticas, ilusórias, imaginativas. São estruturais e concretas. Influem no discurso estético na sociedade, na economia, na percepção religiosa e mística, nas posições ideológicas. E, são, evidentemente, influenciados por este e estas.
Maus e más poetas são aqueles e aquelas que não logram sê-lo. Por mais que insistam - são os (as) não poetas. Fariam melhor se compreendessem que a ninguém esta obrigação, isto é, de tornar-se poeta, pode ou deve ser imposta.
O entorno indica, gravemente, que há falta de bons leitores. Aos que não foi dado o talento da escrita, talvez possa ser reconhecido o talento para a leitura crítica, para a capacidade de interpretação.
Quiçá, e expresso isso ciente de que posso ser apontado como um sonhador, haja nalgum futuro próximo o retorno aos diálogos caracterizados pela excelência dos seus interlocutores. Vale dizer: conversas edificantes, inesquecíveis, arrebatadores entre leitores e escritores de escol.
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