Articulista
Leo Mittaraquis

É escritor e apaixonado pela arte culinária. Escreve às terças.

Um livrinho para ser bebido lentamente - falo de “Bebo, Logo Existo: Guia de um filósofo para o vinho”
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Capa de “Bebo, Logo Existo”: creia, lê-lo é bebê-lo

“Pois o vinho lembra à alma de que ela se origina no corpo, e ao corpo de que ele tem um significado espiritual”
Roger Scruton


O flagrante estado de beatitude no qual o filósofo conservador Roger Scruton se mantinha e, coerentemente, pensava e escrevia, leva-me a tomar como ponto de partida, para a produção deste artigo, uma perspectiva scrutoniana: não vale a pena perder tempo a rosnar contra as coisas das quais não gosto.

Bem melhor é exercitar a dedicação exclusiva às coisas das quais gosto, coisas que incorporaram o sentido do bem, do bom, do belo. Deste modo, formou-se, ao meu redor, uma cerca viva, constituída pelo melhor da arte visual, musical, literária, culinária e do amor.

“Bebo, Logo Existo” é uma produção filosófica e enológica que representa, de maneira emblemática, as referências acima apontadas.

Quase 300 páginas a oferecer ao leitor atento e - ajuda muito - amante dos bons vinhos as mesmas notas de aromas e sabores que um tinto, um rosé, um branco bem selecionado revelam em ocasiões muito especiais.

A depender do objeto e do modo como este é comentado pelo autor, o leitor irá perceber traços mais acentuados de taninos; delicadeza aveludada e amável dos rótulos que remetem à compota… Ou o saltitar vibrante de uma safra floral e mentolada - dois adjetivos utilizados de forma certeira por Iara Chagas Mittaraquis, a dominar, aos poucos e de forma segura, aspectos essenciais do milenar e determinante ritual do bem beber vinhos.

Scruton recorre às próprias origens para relembrar e registrar, como se o tivesse a fazer no momento em que lemos, o papel do vinho em sua formação: “Mas eu bebia sem conhecimento, sem ter a mínima ideia dos sacerdotes espalhados por Baco pelo mundo e que perseguem sua vocação em lugares que podem ser descobertos por acaso’.

Como sói acontecer com aqueles que adentram, sem o devido conhecimento, no vinífero universo, Scruton bebeu de garrafas pouco recomendáveis.

No entanto, seu lastro intelectual precoce e a oportunidade única de viver, estudar e trabalhar na França permitiram que se aprofundasse na arte vínica.

O filósofo soube aproveitar-se muito bem disso, com elegância, espírito explorador e plena consciência de que estava a fazer com que sua trajetória de vida fosse feita de leituras, elaboração de sistemas, de amor pela verdadeira música e pelo cheiro dos terroirs.

“Bebo, Logo Existo” é leitura das mais significativas. A valoração é gasta, repetida à exaustão. Contudo, a manifesto de forma pensada. Pois Scruton nos brinda, taça contra taça, com uma produção que se estrutura pela biografia, pela gastronomia, pela enofilia, pela história…

Lê-lo é bebê-lo. E, na minha opinião, a melhor harmonização para com esta leitura é um vinho que tenha nos tocado com a verdade em nosso coração e num lugar em que, na medida do possível, predomine o silêncio.
Bon appétit et santé.

 

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