Aparte
Opinião - Desfiguração das festas juninas sergipanas

[*] José Paulino da Silva

Estamos em pleno mês de junho de 2022 e a esta altura as atrações dos festejos juninos das cidades sergipanas estão definidas. Como podemos constatar, mais uma vez, a grande maioria dos artistas do ciclo junino, os forrozeiros, ficaram de fora da programação musical dos principais palcos das cidades do nosso Estado.

Diga-se que a exclusão destes artistas não é de hoje. É um fato que vem acontecendo há alguns anos, porém cada vez mais crescente e acintoso. Os artistas forrozeiros são substituídos por artistas de outros gêneros musicais e por bandas que trazem em seus repertórios e ritmos nada que lembre ou se relacione com o acervo musical e mensagem poética do cancioneiro junino.

Suas apresentações primam pela espetacularização que é vendida como entretenimento a uma plateia de consumidores que já não dançam nem cantam, mas são meros espectadores da exibição que acontece no palco. É a indústria dos megashows que vêm se alastrando através de pessoas travestidas de empresários ou gestores que visam exclusivamente interesses pessoais, político - eleitoreiros e financeiros.

Entendemos que este processo é uma concorrência desleal e danosa ao patrimônio imaterial, o forró, enquanto expressão mais representativa do ciclo junino no Nordeste - uma das riquezas da cultura popular nordestina construída com muito esforço e arte ao longo dos anos por inúmeros artistas provenientes deste mesmo povo.

Excluir os forrozeiros das apresentações musicais dos festejos juninos substituindo por artistas e bandas de outros estilos musicais é privar o povo de um direito a um laser educativo, sadio. Um entretenimento que sempre lhe trouxe a alegria de viver e do conviver festivo, do prazer da dança do forró como terapia que ajuda a reafirmar sua humanidade e resistir às adversidades na luta pela sobrevivência.

O mês de junho no Nordeste sempre foi o período propício para celebração da alegria do viver e do conviver festivo através dos festejos onde as comidas típicas. A dança do forró, das quadrilhas juninas, as fogueiras, os fogos, as bandeirolas enfeitando as ruas e os ambientes residenciais fazem parte de um patrimônio cultural imaterial de grande valor artístico cultural que pertence a uma coletividade: o povo nordestino.

A destruição deste patrimônio imaterial dá-se principalmente pela exclusão dos artistas forrozeiros das programações musicais dos principais palcos das cidades de nosso Estado. Mais uma vez boa parte dos prefeitos das cidades sergipanas está depredando a tradição musical dos festejos juninos, uma riqueza do povo que eles, gestores públicos junto com seus secretários de cultura, têm obrigação de preservar.

O forró enquanto sucessão de ritmos dançantes, com suas canções inspiradas na história e na vida do nordestino do litoral ao sertão, expressão cultural com a qual o povo tanto se identifica, está sendo literalmente abandonado, destruído por uma programação musical alheia e alienante com bandas e artistas que se repetem na programação junina de várias cidades, como se no Estado e na região Nordeste não mais existissem os forrozeiros que são os principais intérpretes da musicalidade deste ciclo.

Vejamos uma pequena amostra da programação dos festejos juninos de 2022 de algumas cidades sergipanas:

 

CIDADES

ATRAÇÕES

Cachês

Areia Branca

Wesley Safadão

Unha Pintada

Alma Gêmea

Natan 

Xand Avião

550 mil

200 mil

30 mil

200 mil

350 mil

Capela

Luanzinho

Unha Pintada

Xand Avião

Fogo na Saia

Matheus e Kauan

Avine Viny

 

 

Estância

Xande Avião

Willy Cantor

Cleitinho Garanhão

Morangos do Nordeste

Douglas Gavião

Dudu Swingão             

Banda Cintura Fina

 

 

Itabiana

Sandro D’Jota

Matheus e Kauan

Wesley Safadão

Jonas Esticado

Xand Avião

Alma Gêmea

Natan 

 

 

Nossa Senhora do Socorro

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Aracaju / Forrozão 2022

 

 

 

 

 

Aracaju Forró Caju

 

 

 

Fogo na Saia

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Devinho Novaes

Matheus Fernandes

Taty Girl

Márcia  Felipe

Tayrone

Calcinha Preta

Luan Estilizado

Fogo na saia

Jonas Esticado

Michel Teló

 

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Não se trata aqui de condenar o lucro de alguém pelo resultado de seu trabalho. Nem de ser contra este ou aquele artista e bandas que utilizam sua voz e seu corpo, sua arte como instrumentos de expressão para se divertir, para trabalhar e enfim multiplicar seus talentos e realizar-se profissionalmente.

O que está em jogo na dinâmica deste processo é o caráter destrutivo de um bem cultural praticado por pessoas sem escrúpulo, ao arrepio da lei e da honestidade. Veja o que está acontecendo com muitos prefeitos de cidades brasileiras que estão sob a mira dos Ministérios Públicos por causa de cachês absurdos de alguns artistas e bandas da música sertaneja.

Qual a situação danosa disto e a quem compete combatê-la? Um passo para a solução deste problema está na sociedade organizada, na atuação dos órgãos fiscalizadores da sociedade, na adoção de políticas públicas de valorização da cultura popular por parte dos governos municipais, estaduais e federal.

A compreensão deste problema é obrigação de nossos governantes atuais e futuros. Vale repetir o que diz a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da Unesco: “A cultura pode ser um instrumento formidável de progresso econômico e social. Ao se desvalorizar a cultura de um povo, está se enfraquecendo a identidade. Uma identidade golpeada gera sentimentos coletivos e individuais de baixa autoestima” - Bernardo Kliksberg.

Repito o que já disse em outra oportunidade: resgatar o forró é devolver ao povo o direito ao lúdico, ao protagonismo da festa e, aos poetas do forró, enquanto intérpretes do povo, a oportunidade de provocar a dança que exorciza cansaço, preocupações, tensões; que liberta pra alegria de viver no aqui e agora e para a esperança de dias melhores.

[*] É professor aposentado da UFS.

 

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