Aparte
Opinião - O valor da palavra sob Bolsonaro é menor que na ditadura

[*] Rômulo Rodrigues

Definitivamente, a quarta semana deste mês de março impactou minha mente e me remeteu a um longínquo início de ano de 1969, quando extenuado por uma noite de virada coordenando a montagem de uma unidade têxtil, saí para fazer a prova de redação do vestibular de engenharia na Universidade Federal de Pernambuco.

Era uma manhã de segunda-feira e tinha entrado no trabalho na manhã de domingo e dado um plantão de 24 horas puxado.

Fui fazer a prova sem nenhuma esperança de sucesso, mas, como nosso grupo era amigo e coeso, um colega foi me buscar e me vi forçado a enfrentar o desafio.

Naqueles tempos os cursos preparatórios eram específicos para medicina, engenharia, direito e matérias isoladas. Nosso grupo estudava junto e contratava professores por matérias.

A primeira prova eliminatória era a de redação e a insegurança era geral, já que proliferavam as vendas de “bizus” que endoidavam todo mundo.

Como franco atirador, fui no embalo, mesmo sabendo que se aprovado não teria como frequentar um curso que exigia tempo integral, como aconteceu.

Pois bem: no dia “D” e na hora “H”, como bem disse o filósofo Pazuello, frustrando as expectativas de temas como a guerra do Vietnã e a ida do homem à lua, “bizus” bem cotados nas bolsas de apostas, caiu como uma bomba o surpreendente tema: “O valor da palavra”.

Vivendo sob os coturnos de uma ditadura militar, sabendo que a palavra oficial era sempre manchada de sangue e muito mais se sabia da guerra do Vietnã e da chegada do homem à lua, dois “bizus” dos mais vendidos, do que se passava realmente aqui, não consigo lembrar de como encontrei uma narrativa para desabafar o que sentia.

Hoje, gostaria minimamente de lembrar o que escrevi de uma batelada só, antes de adormecer e só acordar com o fiscal pedindo a prova e me liberando.

Moral da história: do nosso estudioso grupo fui o único aprovado na assustadora peneira da redação.

Como o tempo passa voando, me surpreendo ao ver que a palavra do atual presidente da República consegue ter menor valor que as dos ditadores da época e seus porta-vozes.

Na noite em que o Brasil atingiu o recorde de mais de três mil mortes pelo Covid-19 e mais de 300 mil no total, o sr Jair Messias Bolsonaro faz um pronunciamento à nação para mentir, dizendo que o país é o 5º lugar em vacinação na pandemia, quando na realidade é o 73º, e que sempre defendeu os protocolos da OMS, quando sempre os negou. Foi a palavra de um mentiroso.

Em seguida, promoveu uma reunião com representantes dos três Poderes e formou um comitê para gerenciar a crise, mas a principal decisão foi criar uma nova metodologia para falsificar para muito menor os números de óbitos diários, como o exemplo de São Paulo, onde dos mais de mil mortos só podiam ser revelados pouco mais de 200. A palavra válida era a mentira.

Cai por terra também o valor da palavra do ministro Kássio Nunes Marques ao falar, em voto na corte, que faltou o direito de defesa na votação de um Habeas Corpus e chamou a Constituição Federal de Carta Magda. Além de mentira, burrice.

O que dizer da postagem da deputada federal do PSL de São Paulo, Carla Zambelli, mostrando o prédio da loja Havan, como sendo da filha da presidenta Dilma e mostrando a réplica da Estátua da Liberdade à frente, condenando que uma loja com nome em homenagem à capital de Cuba, era uma contradição com o que simbolizava a Estátua, levando multidões a acreditarem numa deslavada mentira?

Que valor têm palavras ditas no Jornal Nacional, quando é noticiado que a segunda turma do STF anulou as provas contra Lula no caso do Triplex, quando, em verdade, nunca houve provas contra Lula? Apenas um jornalismo de mentira?

Voltando no tempo e trasladando os fatos atuais, será que seria capaz de ser aprovado numa redação cujo tema fosse “O valor da palavra”?

Seria sim, dando valor a palavras como: “Artur, vou provar minha inocência e, quando eu for para o céu, vou levar meu diploma de inocente” para lhe mostrar.

Ou ainda, eles queriam matar a Jararaca mas só pisaram no rabo e esqueceram de esmagar a cabeça.

E também fico esperando que o Jornal Nacional se corrija e diga que a loja de produtos orgânicos que está fornecendo comida aos sem tetos do Recife chama-se Armazém do Campo e pertence ao MST.

[*] É sindicalista aposentado e militante político.

 

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