Aparte
Jozailto Lima

É jornalista há 40 anos, poeta e fundador do Portal JLPolítica. Colaboração / Tatianne Melo.

Capitão-deputado Samuel Barreto não pode decretar pena de morte e ficar impune
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Segunda postagem do deputado Samuel Barreto: festa sobre a necessidade de matar

Antes de qualquer outra palavra desta Coluna Aparte, minhas desculpas pela grotesca imagem da pessoa morta aí acima. Mas ela está aí porque é o ponto de partida de tudo.

Melhor dizendo: esta imagem está aí por ser quase fruto do cumprimento de uma estúpida sentença de morte, de um estranho apelo, ou ordem, dada por um homem público que fala sob o manto de duas patentes: a de capitão da Polícia Militar e a de deputado estadual de Sergipe.

Na última quarta-feira, 9, um bandido, ainda sem a devida identificação, assassinou à queima-roupa no povoado Nova Descoberta, em Itaporanga D’Ájuda, o sargento reformado da Polícia Militar Arnaldo Bispo, de 54 anos.

O mequetrefezinho estava em ação, assaltando um supermercado do povoado, quando o sargento aparece e, do alto da sua tradição de ofício, saca de um revólver, tenta reagir e é surpreendido. Leva um tiro, é socorrido, mas morre.

Tudo isso é constrangedoramente revelado num vídeo captado pelas câmeras do estabelecimento. De posse das imagens da ocorrência, o capitão-deputado comete outros crimes identicamente ultrajantes nesses tempos de violência sem limites contra os sergipanos e contra os brasileiros.

Carregado de uma justificável emoção por ver assassinado um colega de farda, o capitão- deputado faz o registro da ocorrência em seu Twitter - “Infelizmente, o guerreiro veio a óbito”, escreve ele - e comete o primeiro crime, o de incitação à violência e da vingança do olho por olho e do dente por dente: “Clamo aos irmãos para devolver na mesma moeda”. 

Abaixo dessa sua sentença de morte, mais um outro crime: o militar-deputado expõe dois cidadãos negros, juntos numa mesma foto, e coloca a inoportuna legenda única: “Suspeito da morte do sargento”. E eram dois o suspeito? Pela lógica de Samuel, a qualquer um que “os irmãos” conclamados a “devolver na mesma moeda” assassinassem estava resolvida a questão da vingança.

Toda essa comunicação de Samuel Barreto se deu na quarta. Mas nesta quinta, 10, para saciar sua gula de sangue, vingança e justiciamento barato, e por conta própria, o capitão-deputado ou deputado-capitão fez novos registros estupidamente triunfalistas e sanguinários.

Acompanhado deste corpo ensanguentado e despojado ao chão, da imagem que abre a Coluna, Samuel Barreto trouxe no Twitter sua sentença talibã: “Parabenizar (sic) os Policiais Sergipanos envolvido (sic) na operação de cancelamento do CPF do bandido que assassinou o Sargento Bispo em Itaporanga. Valeu a todos os colegas pela resposta à altura e rápida”. Como assim cancelamento do CPF do bandido?

Aqui há uma série de crimes e erros. O primeiro deles é que, na sede de justiciamento, de vingança e sangue, Samuel entregou à corporação da PM a imagem de um morto falso. Um morto de mentira.

Segundo a SSP disse a esta Coluna, o morto disseminado por Samuel é o jovem José Fernandes Santos, de 22 anos, assassinado por dois outros homens num conjunto popular na cidade de Estância e que a polícia acha que seja por vingança em questões de drogas.

Certamente essa barrigada de Samuel - barrigada é erro de informação, a venda de gato por lebre, no jargão do jornalismo - seja a de menor poder ofensivo destas duas ações de comunicação do capitão-deputado. 

Grave mesmo - gravíssimo - é que Samuel Barreto se valha da sua dupla condição de militar e de parlamentar para pregar vingança via assassinatos em praças públicas. Sob todos e quaisquer aspectos, é plenamente reprovável esse seu “clamo aos irmãos para devolver na mesma moeda”.

Desde quando compete ou cabe a um militar e ou a um deputado estadual “clamar aos irmãos” de fardas “para devolver na mesma moeda” o assassinato de um dos seus? Que exemplo mais insolente é este e compartilhado aos borbotões pelas mídias sociais? Temos por aqui um novo Tenório Cavalcanti, um Tenório Capa Preta?     

Dois rapazes negros expostos sob o rótulo de assassinato: qualquer um poderia ser eliminado

Independentemente do apego ou desapego aos direitos humanos que cada cidadão tenha, é preciso reagir fortemente a este agradecimento do “valeu a todos os colegas pela resposta à altura e rápida”, pouco importando que este Samuel aliado do crime de vingança esteja comemorando a morte errada ou não. A frase dele celebra a vingança. A eliminação do outro.

Mesmo porque, caro Samuel, defender assassinato em praça pública é, sem nenhum rodeio, um clássico atentado ao Estado Democrático de Direito. É um retorno, de novo sem rodeios, à crua e cruel barbárie - e ninguém está aqui para ouvir o patrocínio disso por qualquer pessoa, menos ainda por quem tem um bom soldo de militar e um gordo salário de parlamentar pagos exatamente por este Estado Democrático de Direito.

Mesmo com todo apiedamento que, com lógica e humanidade, se deva ter pela morte do sargento Arnaldo Bispo, com toda rejeição que se deve ter ao tal do bandido que lhe tirou a vida, a ninguém, capitão e deputado Samuel, é dado o direito de embarcar nessa fuleira visão de que bandido bom é bandido morto.

Nem tampouco cabe aqui, caro senhor, a temerária e repulsiva visão de que diretos humanos só valem para humanos diretos. Mesmo porque, está embutido nisso uma visão fascista. Direitos humanos é para humanos, cada um no campo do direito que lhe assiste. Nisso, não está bala de revólver.

Em síntese, o capitão-deputado Samuel Barreto não pode sair por aí decretando pena morte e se safar impune – ainda mais expondo mortos fakes. Cabe às duas instituições às quais ele pertence - a Polícia Militar de Sergipe e o Poder Legislativo Estadual - chamá-lo à ordem e rigorosamente enquadrá-lo.

Este último Poder, sobretudo, fica lhe devendo uma reprimenda pela sua Comissão de Ética. Se não o fizer, corre o risco de ser confundido com um Poder Legislativo que dá os braços à barbárie, o que não lhe é realmente uma imagem verdadeira.

PS – Neste dia 10, depois das duas tuitadas desastradas, Samuel postou uma informação de que a Polícia havia prendido o autor do assassinato do sargento. Mas a apologia à vingança por meio de assassinato já estava feita.

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