Aparte
Opinião - O Museu do Cangaço e a preservação da memória cultural

[*] Antônio Porfírio de Matos Neto

Preservar significa conservar, manter, sob permanente cuidado, a memória daquilo que tenha valor histórico, artístico, cultural ou tradicional. Preservar significa, pois, resguardar para o presente e para a posteridade o que do passado se manteve em importância e grandiosidade. Mesmo num pequeno objeto, mas que traduz uma significação tal que permita reflexão e conhecimento de sua importância num determinado contexto histórico-cultural.

Neste sentido é que o Museu do Cangaço, fundado no ano de 2009, no povoado Alagadiço, em Frei Paulo, tornou-se referencial na preservação de aspectos históricos e culturais da região, do Nordeste e até do Brasil e além- fronteiras, vez que a riqueza de seu acervo transcende o regionalismo para ir beber na fonte de fronteiras muitos distantes. Daí que o nome Museu do Cangaço bem poderia ser Museu das Artes e da História, ou algo similar que contemplasse toda a sua grandeza.

Embora surgisse no ano de 2009, porém o Museu do Cangaço já vinha sendo construído pelas raízes familiares fincadas na povoação frei-paulistana de Alagadiço, cujas memórias sempre acompanharam como verdadeiro livro a ser cotidianamente relido. Houve a necessidade de se embrenhar tão profundamente na percepção da história, no passado e na atualidade de seu povo, transpondo o conhecimento nos livros História de Frei Paulo e Zé Baiano no povoado Alagadiço.

Ora, há as marcas deixadas pelo cangaço. A presença forte do cangaceirismo na região, com embates e vinditas de sangue, bem como os túmulos daquele passado ainda marcados com cruzes na povoação, então veio o despertar para a necessidade de contextualizar aquelas marcas do passado com a crescente importância da história do cangaço.

Os testemunhos de um povo, os retratos amarelados de tempo, as sepulturas e antigas construções, tudo prenunciando a formalização de uma obra maior: um museu, onde o acervo estaria não só em salões como pelos cantos e recantos do lugar.

Como fundador, desde pequeno ouço essas histórias sobre os cangaceiros que foram mortos por conterrâneos meus. Quando cresci, ficava me perguntando qual o motivo para que o povoado não fosse reconhecido por esse feito. Então, decidi ir atrás da história, registrar isso em livro e montar um museu que abrigasse objetos da época, documentos e uma biblioteca bem formatada de títulos de sergipanos e grandes escritores dos séculos XIX e XX.

A igrejinha, o túmulo do famoso cangaceiro ali tombado, os objetos históricos, os retratos, os testemunhos que jamais poderiam ser esquecidos. Um museu voltado para aspectos da história cangaceira, mas com um acervo onde estivesse contemplada a literatura, as artes plásticas, as relíquias históricas. Daí que atualmente seu acervo é um dos mais ricos de Sergipe, contando com raras reproduções fotográficas, com obras-primas e raridades da literatura sergipana e mundial, com mapas descritivos do passado.

Dentre as obras raras do museu, estão as três coleções de Tobias Barreto (composta por 10 volumes), editadas por Sílvio Romero, Graccho Cardoso e José Sarney. Também o “Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa”, de Laudelino Freire, a “Concepção Monística do Universo”, de Fausto Cardoso, “Memórias”, de Olímpio Rabelo, dentre outros. São obras raríssimas e que hoje enriquecem o acervo do Museu do Cangaço.

Como visto, muito além do cangaço para aclamar todas as formas de arte. E dessa amplitude no acervo, também o reconhecimento de sua importância perante visitantes, pesquisadores, estudiosos e a comunidade em geral. Semanalmente, dezenas de interessados visitam o povoado Alagadiço exclusivamente para adentrar, fruir e usufruir das riquezas do Museu do Cangaço.

Ademais, diversos eventos são realizados dentro do museu e no seu redor, como palestras, exposições, encontros acadêmicos e outras manifestações culturais. Visitar o Museu do Cangaço e estar perante tamanha grandiosidade de acervo é beber na preciosa fonte do conhecimento, do saber, da intelectualidade ou apenas do puro prazer da interação com a história, a cultura, a arte.

E sempre com a percepção de se estar diante de objetos dificilmente encontrados em outros lugares. Ou em nenhum outro lugar, pois em grande parte gestado no passado da própria região. Verdadeiramente, uma riqueza indescritível. E a certeza de que todos precisam, algum dia, visitar o Museu do Cangaço.

[*] É diretor do Museu do Cangaço e membro da Academia Sergipana de Letras.

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