Aparte
Opinião - Albano Franco, 80 anos: Hoje é dia de apertar a mão de quem na vida só fez amigos e o bem

Albano Franco: um homem cordial e contador de apertos de mãos

[*] Nilson Socorro

Se tem coisa que político gosta em campanha é do cumprimento ao eleitor e, nessa matéria, o aperto de mão é a preferência nacional. O abraço, o aceno e até o beijinho no rosto fazem parte desse acervo para conquistar o voto, principalmente nesses tempos de vacas magras e de limitações das campanhas eleitorais, com a proibição dos showmícios e da distribuição de brindes, além de outras restrições impostas pela legislação para diminuir a influência do poder econômico na disputa pelo voto.

O abraço até que poderia ser o predileto, mas, tem lá suas desvantagens. Primeiro, é mais demorado e na correria por votos, por exemplo, numa feira livre, numa passeata ou durante procissão religiosa, o amplexo requer mais tempo de contato e o político precisa correr para atingir a meta de cumprimentar o maior número possível.

O ato de abraçar também pode suscitar uma cumplicidade ou, até mesmo, no caso do gênero oposto, uma intimidade perigosa para olhos mais conservadores e, durante uma campanha, todo e qualquer ruído negativo deve ser evitado.

Outro ponto desfavorável para a relevância do abraço a plano secundário em relação ao aperto de mão é a questão higiênica. No Nordeste de temperaturas altas, depois dos cemitérios, as feiras livres parecem ser os locais mais quentes do planeta.

Naquela correria, disputando espaços entre gaiolas de aves, cestos de frutas, vira-latas pulguentos, mendigos, carregadores de feiras, mulheres de ancas largas e vendedores de bugigangas, o político termina suando por todos os poros e, convenhamos, um abraço com a roupa encharcada não é um recurso lá muito recomendável para agradar o eleitor.

Os mesmos argumentos se aplicam em relação ao beijinho. Mas, ao contrário, o ósculo é disparado o preferido quando se trata de candidato galã, aquele que deliberadamente usa a aparência física para conquistar a preferência feminina.

Exemplo nacional foi, em 1989, o então candidato Fernando Collor, que se elegeu presidente dando muitos beijinhos nas moçoilas ensandecidas. Por aqui, o fenômeno se repetiu com o saudoso Marcelo Déda, que beijou muito para chegar ao Governo do Estado em 2006. Na campanha, quando descia do carro, Déda, sedento por voto, se perdia no meio da multidão feminina sedenta por seu beijo.

Mas, voltando ao aperto de mão, o campeão eleitoral de preferência, tem candidatos que projeta o êxito da campanha à quantidade desses afagos. E isso é levado bem a sério. Gastar sapato para apertar mão de eleitor é estratégia fundamental.

Lembro do amigo Jorge Araujo, vereador por várias vezes em Aracaju e eleito deputado estadual por um mandato. Nas campanhas para a Câmara Municipal, onde o voto é mais intimista, se conquista entre parentes, amigos e as pessoas mais próximas da redondeza, ele sempre ressaltava a necessidade de gastar sapatos para apertar as mãos dos eleitores.

Outro político, o também amigo e ex-governador Albano Franco, com o qual convivi mais de perto nas suas duas últimas campanhas eleitorais, elegia o aperto de mão, o contato direto com o eleitor, como um dos seus principais recursos para a caçada ao voto.

Mesmo diante da incredulidade dos que o acompanhava nessas incursões, entre os quais me incluo, ele chegava a estimar quantos apertos de mão seriam dados durante todo processo eleitoral e essa contabilidade, em algumas ocasiões, era revelada por evento e até por cidade.

Particularmente, desconhecia não só os critérios para orientar a projeção numérica desses afagos como a forma que essa contagem era feita, até porque não tinha ninguém do staf escalado para aferição do desempenho.

Na preparação da campanha, eram levantadas as realizações dele como governador por cidade, lideranças políticas apoiadoras, quantidade de eleitores, projeção de possível número de votos que poderiam ser obtidos, mas nunca a equipe de trabalho chegava a estimar a estatística de aperto de mãos.

Essa era uma contagem pessoal do candidato. Real ou apenas imaginariamente desopilante, a verdade é quando chegava aos eventos, mentalmente Albano parecia fazer o cálculo e, no retorno, ao entrar no carro, com a firmeza de quem estava convencido da exatidão da informação passada, anunciava o número de pessoas cumprimentadas com o aperto de mão.

Pelo menos a mim, aquilo intrigava. No começo, não levava a sério. Achava que era só uma brincadeira dele, mas, com o passar da campanha e ao se aproximar do final, parece que com a contabilidade em déficit, ele demonstrava ansiedade com a possibilidade de não alcançar a meta traçada.

“E o senhor conta mesmo os apertos de mão?” Arrependi-me, mas fiz esse questionamento um dia após uma passeata numa grande cidade do agreste.

“Você duvida?”. Devolveu-me a pergunta, esboçando certo ar de surpresa, sem esconder um disfarçado e leve sorriso no canto do lábio, mas, logo substituído pela feição mais séria ao me propor um desafio.

“Na próxima cidade fique ao meu lado e vá contando. Vamos ver se sua contagem bate com a minha”.

Preferi não contestar seus argumentos na defesa da relação matemática entre o aperto de mão e o êxito eleitoral. Voltamos a conversar sobre os assuntos da campanha e as informações para a próxima parada.

Mas, não esqueci. Um dia, mesmo sem avisar, toparia o desafio, não agora. Estava cansado, já era final da agenda daquele dia e me desvencilhei ao prometer que outro dia, antes do final da campanha, ficaria mais atento para aferir seu desempenho de cumprimentador.

“Ele não está acreditando”, argumentava ao chamar o testemunho da amiga Miriam Ribeiro, seu “anjo da guarda”, como assim tratava generosamente. Miriam ria discretamente, mas, mesmo desaprovando aquela contabilidade, por comodidade deixava transparecer que concordava.

“É verdade. Da próxima vez nós vamos contar seus apertos de mão”, prometeu para também encerrar assunto.

Um dos últimos compromissos daquela vitoriosa campanha de 2006, quando Albano Franco se elegeu deputado federal, foi numa segunda-feira na cidade de Tobias Barreto, onde se realiza uma das maiores, senão a maior feira do interior do Estado.

A comercialização começa na noite do domingo e entra pela madrugada, a chamada Feira da Coruja, e se estende até o final da tarde. Chegamos por volta das 10 horas e durante quase sete horas, sem interrupção, na companhia da professora Maly Barreto, então vice-prefeita, ele visitou todos os cantos, recantos, becos e bibocas, cumprimentando pessoas. Não é exagero dizer que não ficou um só feirante ou consumidor, naquele dia, sem receber o afago.

“E aí, quantos hoje?”. Fui até politicamente inconveniente, mas, estava devolvendo o desafio. Para ele, naquela maratona exaustiva, contar o número de apertos de mão teria sido um acréscimo quase que humanamente impossível e certamente dispensável. Mas, para quem conhece o Dr. Albano Franco sabe que ele não acusaria o golpe.

“Foi de arrombar. Era para ser uns 1.500, mas, só consegui 756 apertos de mão. Mais mulheres e crianças, mas também muitos homens”.

O semblante de seriedade e a demonstração de cansaço, não deixariam dúvidas a um observador desavisado de que estava diante de uma sessão de prestação de contas.

“E você, contou quantos?”. A réplica foi inevitável. Como teria contado, logo eu que já nas primeiras horas de caminhada, providencialmente para descanso, tinha me distanciado do grupo por várias vezes?

Numa dessas escapadas, aproveitei para renovar a energia com pão e requeijão, única refeição da caminhada na agradável companhia das simpáticas “albanetes”, as mocinhas que faziam a distribuição dos impressos e a alegria da campanha.

“Deixa pra lá, comecei a contar, mas, me perdi na contabilidade. O senhor sabe, né: jornalista é bem melhor nas letras do que nos números”.

Contando ou não os afagos, naquela eleição ele foi eleito deputado federal, seu último mandato, com 97.019 votos, dos quais 3.124 vieram de Tobias Barreto, certamente muitos conquistados entre aqueles anunciados 756 apertos de mão.

Em 2010, Albano Franco foi candidato ao Senado e conheceu sua primeira e única derrota eleitoral. Em entrevista ao Jornal da Cidade em 10 de outubro daquele ano, quando se pronunciou sobre o insucesso daquela que depois seria sua última campanha, afirmou:

“Este resultado não vai modificar a minha história, impedir a minha caminhada ou alterar o meu compromisso de continuar trabalhando pelo desenvolvimento de Sergipe com justiça social”. 

Foi realmente sua última campanha eleitoral, mas, não os últimos apertos de mão. E hoje é dia dos seus amigos apertarem sua mão. Afinal, comemoramos 80 anos de quem na vida só fez amigos e o bem.

[*] É jornalista, professor e advogado. Foi secretário de Estado da Ação Social e do Trabalho e secretário de Estado da Educação no Governo Albano Franco.

 

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