Aparte
Opinião - Lockdown, toque de recolher e aquilo que não se vê

[*] Leonardo Lisboa

No último dia de 15 de março, o governador de Sergipe, Belivaldo Chagas, PSD, assinou mais um decreto limitando ainda mais a circulação e a aglomeração de pessoas em espaços fechados.

Tal medida, que parece em primeira análise benigna, meritosa e necessária para a contenção da pandemia em nosso Estado, esconde algumas situações que parecem fugir a olho nu daqueles que nos representam politicamente.

Nem irei me demorar a falar na pessoa do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, PDT, que durante todo esse tempo tem agido como uma máquina de xerox, apenas copiando, executando e sancionando o mesmo discurso do excelentíssimo governador.

Já completamos uma semana da expedição do decreto que instituiu o toque de recolher em nossa cidade e outras medidas restritivas mais severas. Todavia, me chama a atenção a falta de senso da realidade por parte de alguns que compõem o nosso erário político, digno de uma nota de três reais.

Um autor de prenome Frédéric Bastiat nos alertou ainda no século XIX que “na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei, não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis”.

Explicando em miúdos a referida citação, poucos são os políticos que tomam consciência do prejuízo que suas ações causam ao povo, pois estão enclausurados em seus castelos, cercados por bajuladores e imersos em uma realidade paralela distinta do que se vive no mundo real.

Ao instituir um lockdown mais severo e um toque de recolher com a finalidade de conter a disseminação do vírus, não atentaram que faltou ao poder público combinar com o vírus em si mesmo para circular tão somente a partir das 20h e que não mais utilizasse o transporte público, pois, como todos precisam correr para trancarem-se em suas casas, seria natural, óbvio e perceptível para qualquer pessoa com mais de dois neurônios em funcionamento que em horários de pico, milhares de cidadãos estariam sujeitos ao contato e encerrados nas latas de sardinhas que alguns teimam em chamar de ônibus.

Em um dos seus artigos mais famosos, Bastiat questiona o que se vê e o que não se vê após a aprovação de uma lei. Olhemos então o decreto do governador seguido à risca por Edvaldo Nogueira e apliquemos a máxima do Bastiat.

1 - Comércios e serviços não essências fossem fechados no final de semana. O que podemos ver é a tentativa de reduzir a aglomeração. O que não se vê é o aumento da aglomeração em outros dias e o aumento do desemprego de trabalhadores que dependem essencialmente dos empregos que o governador/prefeito determina não serem essenciais.

2 - Templos religiosos fechados aos finais de semana. A ideia por trás dessa medida anticlerical é reduzir a aglomeração de pessoas. O que não se vê são pessoas carentes de suporte espiritual e um político que não possui legitimidade para encerrar as atividades de cunho religioso. Lembremos de que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”.

Em uma canetada, o governador e o prefeito outorgam para si um poder terreno e divino. Decidem quem pode trabalhar, como trabalhar a até mesmo quando trabalhar.

Países como Estados Unidos, Canadá, Espanha, Itália e Suíça adotaram o toque de recolher como estratégia para tentar frear a contaminação pelo vírus, mas os resultados não são claros e muitos pesquisadores consideram que a medida é insuficiente e, na maioria das vezes, foi adotada tardiamente para que pudesse surtir efeito.

Não quero com essa afirmação baseada em estudos científicos explicitar que nada deve ser feito. Quero apenas pontuar que o remédio, quando aplicado de forma desregulada, pode vir a causar mais danos colaterais do que a própria doença.

E para que não me acusem de ser um articulista pessimista, tenho acompanhado de perto o trabalho da Câmara Municipal de Aracaju e a atuação de alguns parlamentares tem sido digno de nota honorífica.

Para que meus detratores não digam que não falei das flores, seguem algumas ideias ventiladas por vereadores que merecem destaque:

1 - O vereador Ricardo Marques tem acompanhado de perto a situação do transporte público e relatado diariamente a situação calamitosa dos passageiros em tempos de pandemia nas suas redes sociais.

2 - A vereadora Ângela Melo protocolou Projeto de Lei para que trabalhadores da educação tenham prioridade na vacinação do Covid-19.

3 - O vereador Breno Garibalde pediu apoio para a classe artística em mais um momento de restrições.

4 - A vereadora Linda Brasil lamentou o aumento de mortes pela Covid-19 e solicitou explicações sobre o Consórcio de Vacinas.

Outras tantas proposituras podem ser visualizadas no site da própria Câmara de Aracaju. Porém, um fato merece ser apresentado sem pudor algum: de nada adianta uma Câmara atuante, quando o Poder Executivo não movimenta-se na mesma sintonia.

Muitos problemas podem ser resolvidos via decreto ou mesmo em concordância com os vereadores. Um dos primeiros projetos de lei aprovado nessa legislatura foi a criação do dia do Surf, que aguarda tão somente a sanção do prefeito.

Um outro projeto de lei enviado pelo prefeito Edvaldo Nogueira tratou da criação de novos bairros, projeto esse que foi rebatido por alguns vereadores da oposição, entre eles, Ricardo Marques que não concordou com a urgência.

O que disse Ricardo Marques: “A única urgência e prioridade no momento é discutir as vidas, é focar na vacinação e na saúde das pessoas. Isso tem sido dito várias vezes aqui nesta Casa. Não entendo o porquê de tanta urgência para somente mudar o nome dos bairros”.

O questionamento do vereador é sintomático e detrator da nossa própria classe política que encontra em alguns representantes uma postura soberba, vil e alheia ao que acontece em nossa volta.

Encerro este artigo convidando os vereadores e os que compõem o Poder Executivo a descerem de suas torres de marfim e buscarem descobrir os efeitos de suas palavras fincadas no papel no dia-a-dia do aracajuano.

Observem atentamente que a lei deve proteger a personalidade, a liberdade e a propriedade de cada um, mas infelizmente, ela pode ser pervertida e posta a serviço de interesses particulares, tornando-se então um instrumento de opressão e perpetuação de enfermidades de ordem material e espiritual.

Aquilo que conseguimos ver nos salta aos olhos. Mas o que não conseguimos ver carece mais ainda de nossa atenção.

[*] É presidente do Instituto Liberal de Sergipe, professor e comentarista político.

 

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