Aparte
Opinião - A laicidade como defesa honesta da fé

[*] Romero Venâncio

É preciso levar mais a sério o tema da “laicidade” nesse Brasil, um país marcado de ponta a ponta pelo cristianismo como religião hegemônica e de práticas religiosas intolerantes e preconceituosas.

Óbvio e desnecessário dizer que isto não atinge a todos os cristãos. Nesse Brasil, o cristianismo não é apenas intolerância, conservadorismo e superstição. Não. Foi (e é!) inteligência, solidariedade e luta por direitos humanos em tempos nefastos.

Lembremos! Historicamente, a ideia de ser um país oficialmente católico em nada ajudou o Brasil e menos ainda o catolicismo romano. Parece um paradoxo, mas não é.

Religião estatal no Ocidente sempre foi prejuízo para a maioria das pessoas que viveram sob essas práticas. Perseguições e fogueiras se levantam em nome dessa “fé hegemônica”.

Todo aquele que se considera “terrivelmente alguma coisa” é potencialmente um inquisidor e um idiota. Terrivelmente cristão é uma aberração, com rima e tudo o mais. Sobriedade e solidariedade na fé sempre estiveram mais próximo de práticas democráticas. 

Destaco e comento três pontos fundamentais para se entender a ideia de “laicidade” e sem prejuízo para experiência de fé de quem quer que seja.

Primeiro. Laicidade não é e nunca foi sinônimo de ateísmo. Não tenho e nem terei nada contra a perspectiva ateia. É um direito em qualquer espaço democrático.

Mas como bem lemos no “Compêndio de ciência da religião” (Paulinas/Paulus, 2013), o “laico” é a experiência religiosa não definindo o espaço público como unicamente religioso.

Na maioria das vezes, o medo injustificado dos religiosos com o termo “laico” é muito mais por confusão. Ser religioso num estado laico é saber conviver com a diferença e a pluralidade religiosas - uma das marcas do mundo moderno ocidental.

É entender que essa “forma missionária” de se fazer cristianismo tem limites. Não é absoluta e passa pela forma constitucional do estado de direito. Religião em contexto laico é religião na multiplicidade das vozes. 

Segundo. Laicidade é fundamento para convívio pacífico entre religiões. A religião é um fato social e histórico.

É fenômeno (sabiam os mentores da sociologia moderna ocidental, Marx, Weber e Durkheim). Ateísmo por decreto ou como outra forma ideológica de religiosidade não funciona em sociedades minimamente democráticas.

Na medida em que as religiões se sabem em sociedades laicas, elas afirmam numa outra perspectiva de identidade. Não mais única ou superior, mas em relação. Em construção. Em convivência.

Terceiro. A forma laica de viver uma religião é uma forma profunda de respeito. Nesse horizonte, o religioso se sabe em busca de algo comum enquanto sentido fundamental para vida.

Não se sente numa competição para saber quem é mais ou menos religioso. Uma religião vivida seriamente em sua convicção jamais será uma fonte de competição.

Toda liderança religiosa salafrária, mercenária e embusteira tem pavor do “laico” como prática religiosa. A dominação religiosa passa pela enganação identitária de que aquela religião é a única como caminho para a verdade.

Todo cristianismo sério repugna tal atitude. Todo “terrivelmente evangélico” é terrivelmente hipócrita, e pessoa sem fé. 

Por fim, o Brasil precisa sair dessa “cilada fundamentalista” na maneira de viver a fé cristã. Para o bem dessa mesma fé cristã que os religiosos dizem professar. Atentemos.

[*] É doutor em Filosofia e professor da Universidade Federal de Sergipe.

 

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