Aparte
Opinião - A fome, o Centrão e as almas sebosas 

[*] Henri Clay Andrade

Desde os tempos coloniais, a fome sempre foi um gravíssimo problema no Brasil. Atualmente, 116,8 milhões de brasileiros encontram-se em situação de insegurança alimentar, dentre os quais, 19 milhões passam fome. Ou seja, mais da metade da população não tem emprego ou renda para atender às suas necessidades básicas de alimentação.

O crescimento da fome no Brasil é vertiginoso. Mas a pandemia da Covid-19 não é a sua causa principal, embora tenha contribuído para ampliar o estado de extrema pobreza da população.

Foi a partir de 2016 que ressurgiu o alastramento da fome no Brasil. Nos governos de Temer e Bolsonaro, ambos oriundos do Centrão, as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional foram esvaziadas, havendo gradativa e absurda redução dos investimentos com políticas sociais nesse setor.

Além disso, Temer extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Bolsonaro acabou com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - Consea. Esses dois órgãos governamentais eram estratégicos para a promoção de políticas públicas eficientes à segurança alimentar e nutricional.

Os dados oficiais são alarmantes: em 2013, no Governo Dilma, os investimentos nesta causa foram de R$ 1,13 bilhão. Em 2019, o Governo Bolsonaro destinou apenas R$ 510 milhões, o que corresponde a uma queda de 55% dos investimentos no combate à fome.

A política econômica e social implementada pelo Governo Bolsonaro tem promovido espantosa contradição: enquanto as exportações do agronegócio brasileiro estão pujantes - o Brasil chega a ser o segundo maior exportador de alimentos do mundo -, ao mesmo tempo o nosso país volta ao mapa mundial da fome.

As consequências dessa política resultaram, portanto, em gritante retrocesso social. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE -, em 2013 a população que passava fome no Brasil era de 4,2% - o nível mais baixo da nossa história.

Já em 2019, antes da pandemia, esse índice cresceu para 7% dos brasileiros e, atualmente, 9% passam fome, e ainda, 55,2% sofrem sérias privações alimentares e nutricionais. Um escândalo!      

No Brasil, houve avanços históricos no combate à fome, mas nunca a sua erradicação. Qual seria, portanto, a solução viável para acabar com essa miséria absoluta?  

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse recentemente que a solução encontrada pelo Governo para combater a fome é pegar sobras de comidas de restaurantes e distribuir para as pessoas em situação de carência alimentar.

Um desalento ouvir tamanho despautério. Distribuir restos de comidas de restaurantes como medida central do Governo é deprimente. Revela a insensatez e a absoluta insensibilidade diante do mais grave problema social do Brasil.

As pessoas passam fome porque lhes falta emprego ou renda. As medidas eficientes para combater as reais causas são a implementação de uma política de desenvolvimento econômico nacional que aqueça o mercado e gere emprego e institua uma renda básica para as pessoas extremamente carentes.        

Desde 2004, a lei 10.835, de autoria do então senador Eduardo Suplicy, PT-SP, prevê o benefício da renda básica para todos. No entanto, por falta de regulamentação de lei complementar, esse direito nunca foi posto em prática.      

Diante da calamitosa situação de extrema pobreza e da acintosa omissão do Congresso Nacional em regulamentar a renda básica, o Supremo Tribunal Federal – STF -, em julgamento recente, determinou que o Governo Federal fixe um valor da renda básica e passe a pagar o benefício a partir de 2022, para as pessoas em situação de extrema pobreza, com renda de R$ 89 a R$ 178, até que o Congresso Nacional, dominado pelo Centrão, cumpra o seu dever e venha a suprir essa vergonhosa lacuna legal.

O Brasil foi o primeiro país a aprovar uma lei criando renda básica, porém nunca deu efetividade prática a ela. É uma lei para “inglês ver”. E mesmo a constituição federal, em seu artigo 6º, garantindo o direito social fundamental à alimentação para todos, ainda assim milhões de pessoas passam fome e morrem de desnutrição.

Está posto que no Brasil, para extirpar a fome do povo, constituição e leis não bastam. É preciso eliminar da vida pública brasileira o Centrão e as almas sebosas.            

[*] É advogado e ex-presidente da OAB de Sergipe. 

 

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