Aparte
Opinião - Passaporte Sanitário da UFS e o falseamento da realidade

[*] Denise Leal Albano

[**] Gerlis de Souza Brito

Nos últimos tempos, é cada vez mais realçada a utilização da autonomia universitária como uma espécie de permissivo para que as universidades públicas fiquem imunes a um maior e mais efetivo controle externo de seus atos e, ainda, vem servindo até mesmo para a adoção de procedimentos e tomadas de decisões que não apenas contrariam o bom senso como também violam a ordem jurídico-constitucional vigente.

Na Universidade Federal de Sergipe, esse quadro é ainda mais profundo e perturbador. Diversos atos e medidas administrativas vem sendo adotados desde que se instalou a pandemia sem maior respeito à legalidade.

De distribuição de recursos milionários para projetos de pesquisa e extensão ligados à pandemia sem um único edital publicado, a contratos milionários sem a presença obrigatória de fiscais e orçamento prévio.

Não bastasse isto, ainda estamos com a cobrança radical de um comprovante de vacinações - passaporte vacinal - para o ingresso nas dependências da universidade. No momento, são cobradas duas doses de vacina, mas amanhã podem ser três, quarto... doses.

Trata-se de uma repudiável arbitrariedade, quando se sabe que, com a publicação da Portaria do Ministério da Saúde de número 913, de 22 de abril de 2022, foi declarado o encerramento da emergência em saúde pública no país e houve a revogação expressa de diversos atos normativos relacionados à pandemia.

Assim, uma instituição superior de ensino não pode se valer da autonomia universitária para ser alçada a uma espécie de território soberano, onde o poder não conhece limites e a vontade de quem governa não tem peias nem amarras.

Ora, um quadro assim somente se faz presente em ditaduras que, sob a escusa de uma suposta primazia ou absolutização do direito coletivo à saúde, sufoca direitos fundamentais dos indivíduos, em especial aqueles que são pressupostos para o exercício de outros direitos, como é o caso do direito ao trabalho e ao estudo.

Os sinais são claros de que o tempo presente é de retomada da normalidade e não se justifica que a UFS persista no radicalismo de exigir um passaporte vacinal para que se tenha acesso a suas instalações e, o que é mais grave, exigência essa totalmente em aberto e em claro divórcio da realidade e do que impõe o bom senso.

A verdade inegável é esta: no atual momento, o que temos são shoppings com alta frequência de clientes, bares, casas noturnas, shows e restaurantes com clientela assídua, especialmente nos fins de semana, cultos e missas sendo realizadas com fiéis que acorrem aos templos e igrejas; jogos de futebol com maciça presença de público, além de bancos, lotéricas, lojas, cinemas, faculdades e escolas das redes pública e privada e, diversos outros estabelecimentos, com fluxo de pessoas praticamente similar ao que se via antes da pandemia.

Tudo funcionando normalmente e sem nenhuma exigência descabida e arbitrária de passaporte vacinal para a frequência de fiéis, clientes, alunos, professores, famílias, turistas, etc. Vale registrar que, recentemente, foi realizada uma grande festa de comemoração dos 54 anos da UFS e não houve qualquer controle de acesso aos que foram prestigiar a solenidade. Isso revela toda uma repulsiva contradição ou desabrido falseamento da realidade que vem sendo levado a cabo na instituição.

É absolutamente claro e factível aos olhos de toda a sociedade que a pandemia de Covid-19 já se posicionou no fim do seu ciclo regular, tornando-se uma endemia. Com isso, a cobrança de passaporte vacinal na UFS é injustificável do ponto de vista lógico, científico e até mesmo legal em razão da decretação do fim do estado de emergência sanitária. Em diversas instituições de ensino e outros órgãos, a cobrança do passaporte vacinal vem sendo derrubada ou já foi revogada.

Apesar de haver quem ainda insista em negar a realidade, a vida praticamente voltou à normalidade e os gestores da UFS sabem disso. Essa é a realidade que salta aos olhos! A hipótese mais provável é a de que desejam continuar com a exigência do passaporte de vacinações como mero instrumento que pode ser utilizado com o propósito de perseguição, como repulsivo meio de controle absoluto sobre a vida de algumas centenas de servidores e estudantes que, no exercício de um direito fundamental, tomaram apenas uma ou nenhuma dose dessas “vacinas” por um legítimo e justificável temor de seus efeitos graves adversos, como registra atualmente ampla literatura médica.

Também já começam a ser divulgadas pesquisas demonstrando que os efeitos de medidas tão restritivas como o lockdown não resultaram em diminuição razoavelmente significativa do número de casos de Covid-19, assim como outras que revelam que a exigência de passaporte vacinal produziu efeitos bem mais danosos à saúde das pessoas do que propriamente a doença causada pelo vírus Sars-Cov19.

O direito não pode ser conspurcado de forma tão reprovável como se vê na UFS. Normativas que inviabilizem direitos tão caros como a liberdade de ir e vir e o direito de acesso ao local de trabalho e de estudo não podem ser editadas como expressão de mero capricho da autoridade de ocasião.

É inadmissível que normas restritivas de direitos sejam estabelecidas sem a devida ponderação, totalmente desconectadas da realidade social ou para atingir fins bem diversos do que seria o superior interesse público. Enfim, o império do direito e da lei somente é reconhecido e tem legitimidade quando esses são expressão de justiça e de equilíbrio, e não de mera força bruta e deplorável autoritarismo. Impõe-se, urgentemente, regatar o império da lei e do mais elevado direito na UFS! PS: Quem assina este artigo são dois professores vacinados.

[*] É professora do Departamento de Direito da UFS e [**] é professor do Departamento de Ciências Contábeis da UFS.

 

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