Aparte
Opinião - A democracia precisa priorizar vidas e não vidraças

[*] Mário Leony

É mais importante defender a democracia ou as vidraças? Utilizando o fato isolado de quebra de vidraças de bancos durante as manifestações em São Paulo pelo Fora Bolsonaro, o deputado federal Major Vítor Hugo, do PSL de Goiás, e da base de apoio bolsonarista, apresentou o projeto de lei 1.595, que pode tipificar como terrorismo quaisquer manifestações democráticas nas ruas.

Bolsonaro apresentou esse projeto de lei pela primeira vez em 2016, quando ainda era deputado federal. A proposta expirou em 2019, quando assumiu o governo, mas o Major Hugo reformulou o projeto.

O documento, contudo, não deixa claro quais atitudes devem ser enquadradas como terrorismo e, uma vez convertido em lei, permite a proibição da realização de manifestações contra o governo, como as que aconteceram no último sábado em mais de 300 cidades do país, e se tipifique como crime a participação em protestos.

A proposta também conta com artigos que garantem uma espécie de excludente de ilicitude aos policiais que eventualmente atirarem contra os “terroristas” durante alguma ação, e que permite a esses profissionais que se infiltrarem em organizações da sociedade civil. A matéria propõe, ainda, a instituição de um sistema de premiação aos agentes públicos que se destacarem nesse enfrentamento. 

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos se manifestou contra o projeto, por “criar fortes limitações às liberdades fundamentais, impactando diretamente na atuação da sociedade civil, movimentos sociais e pessoas defensoras dos direitos humanos, estimulando e facilitando a repressão”. 

Durante a ditadura militar empresarial toda a oposição democrática era caracterizada como “terrorista” pelo governo. A repressão às manifestações de rua, posteriormente às organizações civis, era apresentada como uma política prioritária de segurança nacional. 

Quem trabalha na linha de frente da segurança pública sabe que as manifestações de rua nunca foram sinônimo de crescimento da violência, nem do terror. Esse projeto representa uma proposta miliciana com a criação de um corpo policial atrelado diretamente ao autoritarismo político.

Nenhuma vida foi perdida por causa das manifestações do dia 3 de julho. Nem de manifestantes, nem de policiais, mesmo com milhares de pessoas nas ruas. O único que corre risco é o genocida: o risco de sofrer impeachment por quase 350 mil mortes pela Covid-19, todas produzidas pela gestão necropolítica da pandemia, mas evitáveis. 

O povo grita que o presidente é mais perigoso que o vírus, enquanto congressistas governistas revidam ao atacar a democracia com esse inconstitucional projeto de lei, elegendo como símbolo as vidraças e os agentes de seguranças a serviço da milícia neofascista. Mas reafirmamos que a democracia precisa priorizar vidas e não vidraças.

[*] É delegado da Polícia Judiciária do Estado de Sergipe há mais de 20 anos e está lotado no Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa- DHPP - em Aracaju.

 

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