Aparte
Opinião - 2022: um acerto de contas com a história

[*] Mário Resende

Há três dias, o ano de 2022 estreou na história. Lembro que, ainda criança, meu sonho de vivenciar o ano 2000 foi um processo longínquo.

Passamos por ele e hoje, duas décadas depois, aprendi que não podemos e não devemos esperar nada do ano novo a não ser fazer acontecer nossos sonhos e ações.

Mas, principalmente, nossas obrigações históricas. Aquelas situações pelas quais lutamos porque dão sentido às nossas vidas, vão além do nosso quintal particular, nos fazem humanos e pertencentes a um povo. Sem sonho e ação, sem movimento, a vida fica estática.
A ação humana é a consequência de um sonho, transformado em projeto, seja individual ou coletivo. Por vezes, nos ensina a história, as ações se tornam pesadelos. Por isso mesmo, racionalidade e clareza, nem sempre práticas humanas, precisam irmanar-se aos impulsos desencadeadores das ações.
Quem não se lembra das jornadas de 2013? Queriam o que mesmo? E o vazio movimento dos 20 centavos? Onde estão seus líderes? Quem os bancava? Onde funcionava a central de mobilização que levou tanta gente às ruas? Que resultados temos de tudo aquilo?
Quando, em 2016, um governo legitimamente eleito foi derrubado, cessaram os acontecimentos. Os historiadores terão dificuldade para explicar que, contraditoriamente, esse fato ocorreu quando tínhamos quase pleno emprego, controle da fome endêmica, tínhamos o mais planejado sistema social de combate à pobreza, a maior expansão do SUS, com o Mais Médicos, e do sistema público de educação, no ensino técnico e superior, dentre outras ações governamentais nunca registradas na história do Brasil.
Desde 2016, entramos em uma bancarrota. Os que ajudaram a criar esse tsunami que façam a devida crítica. Hoje vivenciamos o desemprego nas alturas. A fome voltou, sem trégua, em um dos países que mais produz alimentos no mundo.

Direitos mínimos foram retirados. Em meia década, o salário mínimo, que já chegou a US$ 400, hoje está na faixa dos US$ 190, não teve o ganho de um centavo acima da inflação. O pavor em democratizar a renda, o conhecimento e o poder levou muita gente às ruas para lutar contra si mesma. O resultado está aí.
A lista das tragédias é enorme. Não vou enumerar aqui o que todos sabem. O símbolo maior do tsunami em que nos meteram são os mais de 600 mil mortos por falta de vacinas ou de responsabilidade do Governo Federal. Uma Aracaju inteira sucumbiu durante menos de dois anos.
Quem diria que iríamos chegar a tanto e que ainda podemos piorar? Ou melhorar também, quem sabe. Eu acredito nas ações humanas. As multidões que escondidas estão nas suas casas, mas que já ocuparam as ruas por 20 centavos, a essa altura do campeonato, algumas lições já tomaram.

Não só as multidões impulsionadas pelos sentimentos, mas, acredito eu, os manipuladores das redes sociais, os sacerdotes da grande religião, o novo culto a Mefistófeles do século XXI. O que farão nesse ano de 2022?
Que grande ação porei em prática nesse ano de 2022? Recuperar a democracia perdida com o golpe de 2016. Não há algo mais sagrado, mais humano, mais digno, que a luta pelo respeito à soberania popular, sem manipulação, dolo ou desonra. Nesse aspecto, 2022 será um ano de prestar contas dos acertos e dos erros cometidos, no pessoal e no coletivo, com a democracia e com a história desse país.
Recuperar a democracia e unificar essa nação é o impossível que se faz necessário. Os milagres, aqueles em que acredito, em que todos acreditam, esses ficam para depois.

[*] É professor da Universidade Federal de Sergipe.

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