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“A Flor de Bronze e outros poemas de Mediamor”, ou a memória de um livro que faz 37 anos
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“A Flor de Bronze e outros poemas de Mediamor”: livro de um estreante, mas já com sinais do sal definitivo

Hoje, 15 de novembro de 2023, tem um alto significado na minha, ops, “carreira literária”: foi neste dia de 1986 que lancei meu primeiro livro de poemas, “A Flor de Bronze e outros poemas de Mediamor” - mediamor é a fusão das palavras medo e amor.

É uma coletânea de 110 poemas da minha primeira fase de produção, iniciada aos 19 anos, lá em 1980, e aprimorada depois da minha entrada, em 1983, no curso de Letras da bela e boa Universidade Estadual de Feira de Santana, a quem devo muitíssimo pelo poeta e pelo jornalista em que de fato me tornei.

Naquele 15 de novembro de 1986 eu tinha então 26 anos completados há quatro dias. “A Flor de Bronze e outros poemas de Mediamor” é, portanto, livro de um poeta imberbe e inebriado de sonhos e utopias. E de ceticismos positivados, às vezes, se é que existe essa categoria.

Mas estão entre os 110 poemas dele 25 com os quais em 1985 eu ganhara o Prêmio de Poesia Godofredo Filho, promovido pela Universidade Estadual da Feira - aquilo soou para o jovem de 24 anos - faria 25 em 11 de novembro - como uma espécie de Prêmio Camões ou um Nobel. Fiquei pimpão.

Mas o fato é que estava ali, também, a semente do poeta em que me tornei, dado a observar os movimentos do mundo e os sísmicos da memória e dos afetos - em 1996 e em 2004, com os livros inteiros “Plenespanto” e “Retrato Diverso”, respectivamente, e não mais com fragmentos, eu viria a ser o vencedor do Prêmio Santo Souza de Poesia em Sergipe, promovido pela Secretaria de Estado de Cultura. Santo Souza está para Sergipe como Godofredo Filho estivera para a Bahia em significado literário.

A Flor de Bronze e outros poemas de Mediamor” nasce sob o amparo de duas grandes figuras da cultura da Bahia - Rita Olivieri-Godet, que era a querida professora de Teoria Literária e que assinara um espetacular prefácio vendo em mim já um poeta, e Juraci Dória, o grande artista plástico brasileiro plantado em Feira de Santana, que pincelou uma série de ilustração espargidas entre a capa e as divisões dos cinco capítulos.

Se memória tem a ver com gratidão, devo também evocar e agradecer aqui a importância do empresário Modezil Cerqueira para a edição daquele livrinho, de quem ele se passou por mecenas, dando-me cortesmente a impressão pela Indústria Gráfica Jornal Feira Hoje, bravo diário de quem era dono e no qual eu, com enormes cabelos ao vento, era o repórter e o editor de Política.

“Retrato Diverso”, de 2004, o vencedor do Prêmio Santo Souza de Poesia em Sergipe

Lembro-me, ainda e com olhos do agradecimento, do papel do diretor de marketing e designer do Jornal, Roque Tavares, que desenhou todo o livro e acompanhou o destino dele pelos rios da gráfica, e da ação psicodélica do fotógrafo Edison P. S. Filho, que tentou fazer de mim um Alain Delon de capa e espada. Na secção de agradecimentos, o livreco cita, ainda, as personas de Araylton Alexandre Públio, Antonio Brasileiro e José Jerônimo de Moraes.

O 15 de novembro de 1986 era dia de greve nacional contra o Governo Sarney e sua superinflação. E depois de cobrir as intempéries políticas daquilo durante o dia, à noite estávamos nós, lúdicos, numa exposição coletiva de artes plásticas numa galeria feirense no bojo da qual meu primeiro livro rompia a placenta e vinha ao mundo. Era uma montanha de livros que eu sequer saberia o que fazer com tantos. Quem disse que existe leitor de poesia? 

Mas de qualquer modo, como “não nego minha raça” e “faço versos por pirraça e também por precisão - isso é o poeta Cacaso, hein gente -, dou aqui o meu muito obrigado a ele e obrigado aos 37 anos que me mantiveram vivo.

Vivo e com a mesma capacidade quase pueril de espanto e de alegria (ou de tristeza) diante das coisas do mundo - e olhe que ali, de inflexão cética construtiva eu só conhecia Carlos Drummond de Andrade, Eclesiastes e 10Schopenhauer. Mais tarde me acudiria, também, o inevitável desesperado Emil Cioran. E, assim, que viva, portanto, a poesia. E que viva quem dela gosta e quem a deprecia.

(O “Condição” a seguir é um daqueles 110 poemas, e já nasce parecido com o que seu hoje. Ah, o gentílico varzeano contido nele é designativo do lugar onde nasci, Várzea do Poço, na Bahia).

CONDIÇÃO

não há mais cavalos

nem dias varzeanos a cavalgar.

estás apeado com os arreios

no torno da memória na noite esconsa

na vida esconsa - perdido.

hás de ir sozinho. é teu tempo

sem face. esquece os teus.

[*] É poeta e jornalista, como bem diz o texto acima. Depois do livrinho aí citado, vieram “Plenespanto”, “Retrato Diverso”, “Viagem na Argila” e “Ainda os Lobos”. No forno, está “Sob o Sol Dali”. Qualquer dia ele vem à tona.

“Ainda os Lobos”: derradeiro livro, de 2016, mas fora de catálogo
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