
Poema Jozailto Lima/Ilustração Ronaldson
armei rede e ânsia
bem rente à estrada longa
e lenta da esperança.
e nada de antoninha.
todos os meus cristais
acendi por estações a fio,
e de novo e sempre nada.
nenhuma primavera
nenhuma outonal folha caída,
nenhum rebento de vida nova,
bulbo, girino, raiz, larva
de luz ao fim da estrada.
muito menos qualquer
traço da trança de antoninha.
dia após dia assisti à mudez
e à tristeza irrevogável
dos meus inúteis alçapões
e suas tampas armadas
das mais doces intenções.
e antoninha esconsa, erma.
meu verão fez-se
no mais latejante inverno
e o meu chão ficou liso
de um tão liso que de chão
não teria nada, nenhum grão,
não fosse a imagem em chama fria
de antoninha neste chão do nada.
pus fogo na cumeeira,
e antoninha lambia as labaredas;
sacudi as roupas ao vento,
e antoninha chinfrava a brisa
e destecia fio por fio do que ia no linho;
revirei as trompas e tomei
o caminho de volta ao útero de judite
– holofernes, nabuconodosor arrependido -,
revisitei os gametas de josé
por todos os cantos de egitos,
e antoninha zombou dos elos
e dos milagres da existência;
tomei de empréstimo
a bílis do diabo,
e antoninha sorvia pedra
de soda cáustica, e ria;
me fiz irmão de lázaro,
e antoninha tangeu fora
esparadrapos, cauterizadores e tipoias;
dormi milhões de sóis
sonhei milhões de luas
fodi com a aurora e o arrebol;
refiz as pazes entre deus
e o capeta, e antoninha atávica:
casulo inexplodível, incomunicável.
antoninha sempre ali, bem guardada
sob as vestes glaciais da indiferença
em sua nudez de vidro e éter
rasgava minha rede de intenções,
pitava um cigarro apagado
sobre meus acenos de esperança
e brandia ternura e mais ternura
- ó antoninha substantiva e inadjetivada -,
em sua inacessível e indiferente trança.
Do livro “Viagem na Argila”, edição do autor, gráfica J.Andrade, Aracaju, Sergipe, 2012.