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Opinião - Ciranda de delicadezas e solidão

[*] Acácia Rios

A noite escura e mais eu, de Lygia Fagundes Telles, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995, 206 páginas.
Assim como em Mistérios, o título que batiza o mais novo livro de Lygia Fagundes Telles não é o de nenhum conto em particular, mas o tema de todas os relatos.

A noite escura e mais eu não trai o estilo inconfundível da autora. Ela mescla prosa e poesia e constrói uma narrativa em que a solidão é, sobretudo, o cerne de todos os conflitos.

Nove contos compõem o livro, que foi tecido a partir de um quarteto de Cecília Meirelles: “Ninguém abra a sua porta / para ver o que aconteceu: / saímos de braços dados / a noite escura e mais eu”. A ambiguidade é a marca maior de Lygia, que denota seu aprendizado com o mestre Machado de Assis, de quem é admiradora.

Difícil é escolher os contos para mostrar ao leitor. Mas começo pelo primeiro. “Dolly”, que dá nome ao relato, é uma aspirante à estrela de Hollywood que fala pelos cotovelos, bebe, fuma - numa época em que, para a mulher, esses hábitos eram mal vistos -, e ainda critica a virgindade de Adelaide.

Um dia depois de se conhecerem, Dolly é vítima de um crime que possivelmente foi fruto de seus envolvimentos no meio artístico. Essa cena de fundo nos remete ao incipiente cinema brasileiro.

Outro a destacar é “Papoulas em feltro negro”. Narrado em primeira pessoa, a personagem, uma professora de piano, é surpreendida por um telefonema de uma colega da escola convidando-a para um chá em homenagem à professora de Aritmética.

A personagem, então, vasculha a memória e redescobre em dona Elzira – castradora de seus sonhos -, a sua infância. O clima de tensão é tamanho que reforça a tese de Edgar Allan Poe (outro mestre admirado pela autora) de que um conto é um conto quando, finda a leitura, nos deixa a sensação de termos levado um tapa.

Relações homoafetivas também compõem a temática do livro em “Você não acha que esfriou?” e “Uma branca sombra pálida”. No primeiro, Lygia destaca um triângulo amoroso entre pessoas da alta sociedade e ressalta o casamento por interesse. Kori, que é casada com Otávio, mantém um caso com Armando, que é apaixonado por seu marido.

“Otávio, você sabe, gosta de dinheiro e eu gosto da companhia dele, a gente se entende. Ninguém está enganando ninguém e isso é importante, é um jogo silencioso, mas limpo”.

Já no segundo, a história se passa num cemitério. A mãe lamenta o suicídio da única filha, Gina, (“num domingo de páscoa sem ressurreição”), que era apaixonada pela amiga Oriana.

Quando a mãe descobriu, mandou que ela escolhesse: “ou ela ou eu”. A filha escolheu uma terceira saída e “cortou com aquela tesourinha o fio da vida no mesmo estilo oblíquo com que cortara os caules das rosas vermelhas que ganhara de Oriana”.

Mas agora cabe ao leitor percorrer os caminhos infindáveis da ambiguidade e pluralidade dos contos de Lygia Fagundes Telles.

Com o cuidado, porém, de não esgotar o prazer da leitura de um fôlego só, ainda que a linguagem da autora não nos permita parar para tomar um cafezinho.

[*] É escritora e fez esta resenha em 1995, quando era ainda uma estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe. O texto foi publicado originalmente na falecido Cinform. 

 

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