Poema Jozailto Lima/Ilustração Ronaldson
meu coração de vidro
e eternidade me atira
num despenhadeiro abissal:
presta a atenção na areia,
perscruta e extrai dela o silício
do ser que viaja contigo a trilhões
de pulsos, compassos e dissolvências.
e eu, de tão alheio ao chão,
de tão trepado em outros saltos,
de toda a arenosa flora separado
a pedra, laje, asfalto, e a distâncias
nada porosas nem primevas,
[eu velho em meu próprio centro]
pouso o ouvido sobre mim,
ouço tudo e não escuto nada.
nem o suspirado eco do primeiro barro.
e do alto dos meus galhos
sem frutos me espanto:
onde os vestígios
do homem que fui,
do homem que sou,
e do homem que serei?
meu coração de vidro é trágico.
feito de memória lenta e descampados.
e se quebra em silêncios de silícios mudos.
em ecos de nada.
na floresta de árvores mortas e soterradas da carne,
meu coração de vidro, sangue de anilina,
não compulsa nem o mais próximo dos trisavôs.
mas, insano, tenta infundir em mim a ilusão
de que um poema pode amar.
meu coração de vidro, ora faça-me o favor de se calar.
Do livro “Viagem na Argila”, edição do autor, gráfica J.Andrade, Aracaju, Sergipe, 2012.