Opinião
Por | 21 de Nov de 2021, 08h55
Consciência Negra: a população afrodescendente no Brasil e em Sergipe
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Consciência Negra: a população afrodescendente no Brasil e em Sergipe

[*] Eden Filipe Santos Vieira

Data emblemática, o dia da Consciência Negra completa 50 anos em 2021. Fora idealizado em Porto Alegre por Antônio Carlos Cortês, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes e Ilmo da Silva, integrantes do grupo Palmares. Estes se reuniram no ano de 1971 pois não concordavam com a data cívica da Abolição da Escravatura, o 13 de maio, pois assim que libertos a população africana e seus descendentes não tiveram nenhuma reparação ou incentivo, seja na reforma agrária, na educação ou no trabalho. Consideravam, daí em diante, rememorar o 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares em 1695, que simbolizava justiça e resistência dos negros pela almejada liberdade. 

A data também foi confirmada na assembleia de fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) no ano de 1978, em São Paulo. O Grupo Palmares e o MNU contestavam e reivindicavam uma outra história que não fosse a oficial, visto que estavam inseridos no contexto de repressão da Ditadura Militar, sobretudo em relação a população negra. O movimento negro era considerado um problema para os militares na medida em que ele negava a veracidade da propaganda oficial brasileira de democracia racial. Na ótica da ditadura, o movimento negro prejudicaria a 'ordem social' do país com a tentativa subversiva de fomentar antagonismos raciais. 

Em Sergipe, a ideia de democracia racial também tinha o seu espaço. O antropólogo Felte Bezerra em seu livro chamado Etnias Sergipanas, de 1950, caracterizava as relações entre senhores e escravos como benevolentes, bem como o tratamento paternalista dispensado aos escravizados resultaria numa melhor alimentação e vestimentas. O autor em questão procurava contornar suavemente a violência da escravidão para justificar, em solo sergipano, a inexistência de antagonismos raciais até a primeira metade do século XX.

Em contraste a essa ideia de democracia racial em Sergipe, o sociólogo Ariosvaldo Figueiredo em seu livro O Negro e a Violência do Branco, publicado em 1977, traz elementos e fontes documentais a respeito do caráter violento assentado nas relações escravistas em Sergipe, bem como das estratégias de resistência dos escravizados. Responsável pelo prefácio deste livro, Clóvis Moura, renomado marxista e estudioso das relações raciais do Brasil, apontava que o estudo realizado por Ariosvaldo era imprescindível para a revisão da história social brasileira, uma vez que provava que em qualquer província do país, inclusive Sergipe, as relações escravistas eram marcadas pela violência.

De volta ao tempo presente, as desigualdades e a violência contra a população negra continua em vigor. Segundo o IBGE, com os dados do ano de 2019, a população negra, entre pretos e pardos, representa 56% da população brasileira e têm os piores indicadores de renda, moradia, escolaridade e serviço do país. O Atlas da Violência de 2020 mostra que, entre 2008 a 2018, a taxa de homicídios cresceu 11,5% na população negra. No mesmo período, a taxa entre não negros caiu 12%.

Em sergipe, torrão natal da historiadora negra Beatriz Nascimento, do diplomata negro Raymundo Souza Dantas e do recém Doutor Honoris Causa Severo D'Acelino, segundo o IBGE em 2019, 79,7% população se declarada como negra. Ou seja, 71,5% são declarados como pardos e 8,2% são pretos. Ainda de acordo com o IBGE, a taxa de desocupação da população sergipana é de 16,3%, mas quando consideramos pretos e pardos essa taxa aumenta e chega a 17,1 %.

Essa oportunidade enseja reflexão para além dessa data, pois a ponderação sobre essa rica e complexa temática precisa estar presente em todos os 365 dias, e não só no novembro negro . Enquanto os índices sócio-econômicos persistirem aviltantes para negros que correspondem a mais da metade da população brasileira, a luta do movimento negro e a resistência da população negra continuará no país. 

Há quem diga que é o próprio discurso identitário que promove a divisão da sociedade em raças. Sabemos, é verdade, que a ciência já revelou a falácia do conceito biológico de raça, mas é interessante notar o caráter político do conceito social de raça se apresenta na persistente reprodução da desigualdade no país. Longe de ser um Brasil mestiço por natureza, o caráter plural da nação principia com a sujeição escravizada e o êxodo forçado de homens e mulheres do continente africano que atravessaram o Atlântico e da dominação dos povos indígenas nativos que habitavam estas paragens antes da colonização portuguesa.

Não é possível alcançar alguma consciência verdadeiramente humana, sem antes atingirmos uma consciência racial,  sem antes conceber uma consciência de classe e sem antes compreender uma consciência da branquitude e seus privilégios. É imperativo ético e moral dos aliados não negros que se dizem antiracistas de somarem esforços em prol da igualdade racial, pois é preciso reconhecer a indivisibilidade humana, condenando qualquer forma de discriminação. Nas palavras da filósofa Sueli Carneiro,  combater as desvantagens raciais com o aprofundamento de políticas públicas de ações afirmativas, bem como iniciativas de reparação econômica e social é consolidar o processo democrático no país, é unificar o Brasil, separado racialmente pela exclusão racial.

[*] Mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe. Historiador do Arquivo Público do Estado de Sergipe.

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