Opinião
Por | 15 de Nov de 2021, 16h39
Uma República brasileira para quem 132 anos depois?
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Uma República brasileira para quem 132 anos depois?

[*] Eden Filipe Santos Vieira

A Proclamação da República do Brasil ocorreu um ano e meio após a abolição da escravatura, obtida com muito sangue e suor da população negra escravizada e liberta através de rebeliões coletivas e individuais, bem como do apoio de setores de classe média e de profissionais liberais que aderiram a causa abolicionista.

Foi um processo de abolição que não seguiu de um programa de doação de verbas e ou terras aos recém-libertos. Segundo Lilian Schwarcz, "a ideia era que a lei tornaria Isabel tão popular que impediria os projetos republicanos e garantiria a sucessão e manutenção do regime monárquico".

O golpe republicano reuniu militares e civis, derrubando uma monarquia esgarçada que retardou o máximo que pôde a libertação dos escravos, tornando o Brasil o último país do Ocidente a abolir o sistema escravocrata oficialmente. 

A imposição da República tratou-se, na verdade, de uma reorganização das elites que sempre quiseram deixar a população à margem do processo político e que jamais se responsabilizou devidamente pelo bem comum. O governo republicano, imbuído do positivismo, se empenhou em passar uma borracha na história anterior ao 15/11/1889.

Inclusive, o Hino que homenageava a Proclamação da República, conta com a seguinte estrofe, uma tentativa de sedimentar um processo de amnésia nacional: "Nós nem cremos que escravos outrora/Tenha havido em tão nobre país". 

Nós não só cremos. Nós sabemos que existiram. Nós também sabemos que a obra da escravidão, segundo Joaquim Nabuco, persiste.

O processo histórico ainda repercute problemas que não foram sanados nas décadas que chegaram ao presente. Em 2020, o Brasil chegou ao seu pior nível de concentração de renda desde o ano de 2000, quase a metade da riqueza do país foi toda para a mão do 1% dos mais ricos da população: 49,6%.

Em plena pandemia, 120 milhões de brasileiros e brasileiras passam por insegurança alimentar, e cerca de 20 milhões passam fome. Até 20 de abril de 2021, os números oficiais traziam a quantidade de 46.820 pessoas indígenas contaminadas pelo Covid-19, das quais 640 morreram. 

No ano de 2020, o IBGE também mostra que a população negra foi a mais prejudicada pelos efeitos da crise no mercado de trabalho, escancarando a precarização submetida, historicamente, a toda população negra: preta e parda.

Assim sendo, o Brasil, após 389 anos de Monarquia, após mais de 350 anos de escravidão indígena e africana e seus efeitos deletérios, os mais de 133 anos da abolição e completando 132 anos de República, ainda trilha o seu caminho com problemas graves à espera de solução, para se tornar uma nação menos injusta e mais inclusiva. 

Para a população indígena e negra que constrói o Brasil diariamente, com inteligência, sangue e suor, a República, em sua plenitude, ainda não foi proclamada.


[*] É mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe e historiador do Arquivo Público do Estado de Sergipe.

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