Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Combate à corrupção espera muito do coletivo

Algumas iniciativas sergipanas revelam-se eficazes. Instituições pedem e aceitam mais ações populares. “A gente tem visto que a sociedade tem se envolvido mais com esse tema”, diz Rony Almeida, do Ministério Público do Estado

Em 1980, o advogado e ex-deputado estadual Nelson Araújo foi preso, amarrado e algemado numa praça em Propriá. Essa prisão se deu em função de recursos federais de R$ 280 milhões recebidos por Sergipe quando Augusto Franco era governador. Segundo Nelson Araújo, na época, o Estado passava pela pior seca já registrada.

Mas nenhum centavo desses milhões serviria para atividades de combate à estiagem, e sim para beneficiar e asfaltar as estradas circunvizinhas das usinas de Sergipe. E ele, claro, achou isso um absurdo. “Porque enquanto asfalta uma usina, que era de ricos e eles podiam fazer, o dinheiro público poderia ajudar a combater a seca. E assim começou a luta”, lembra Nelson.

Já no início deste ano, um edital sobre a venda da Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso - chamou a atenção do advogado Herbert Pereira, servidor público e membro do Movimento Mova-se. A licitação, realizada pela Agência Reguladora de Sergipe - Agrese -, de acordo com Herbert, tinha muitas brechas que possibilitariam direcionamento e, após uma denúncia dele, acabou sendo suspensa pela Justiça.

Nelson Araújo: Não confio nas instituições
Rômulo Almeida: Envolvimento da sociedade é fundamental

REAÇÃO

Essa ação pode se dar a partir das redes sociais - grande divã dos dias atuais - e de forma mais séria e eficaz, que é através de uma representação no Ministério Público e outros órgãos de controle. “Às vezes, as pessoas até exageram nas cobranças, porque nós temos que respeitar os trâmites e elas não entendem, querem uma vingança imediata”, alerta o promotor Rony.

Esse exagero, segundo ele, pode ser prejudicial. “Tem que se cumprir a lei, produzir boas investigações, baseadas em provas. Isso demora um pouco, por causa da segurança que precisamos dar aos procedimentos. Não é a toque de caixa”, ressalta Rony Almeida.

Rômulo Almeida, procurador-chefe do Ministério Público Federal em Sergipe – MPF/SE – diz que as autuações que o órgão promove podem, sim, ser originadas a partir de denúncias realizadas por cidadãos - além das realizadas por outros órgãos públicos ou “de ofício”. 

ESTADO NÃO É ONIPRESENTE

“A participação do cidadão no combate à corrupção é fundamental, pois o número de servidores públicos com atribuição para atuar nessa seara é muito pequeno. O Estado não é onipresente”, avalia Rômulo. Para ele, “quanto mais pessoas estiverem controlando os gastos públicos, maior a chance de se revelar um eventual desvio ou uma apropriação de recursos públicos para uso próprio”.

Segundo Rômulo Almeida, em 2016 o MPF/SE atuou sobre 398 procedimentos extrajudiciais relacionados à corrupção. Em 2017, até a semana passada, foram 244. “Com a participação da sociedade, você tem um controle maior, mais olhos observando aquela movimentação de recursos e o problema pode rapidamente chegar ao Ministério Público através das denúncias”, ressalta Rômulo Almeida.

De acordo com Rony, do MPE, os frutos dessas denúncias e das consequentes investigações são as operações Caça-Fantasmas, Indenizar, Antidesmonte e várias outras. Todas elas, segundo o promotor-procurador, realizadas com o devido respeito aos princípios constitucionais. “É preciso deixar isso muito claro. Fazemos tudo com transparência, tudo como tem que ser”, garante.

Herbert Pereira: Engajamento é única forma de provocar mudança

TRANSPARÊNCIA

Rony explica que as pessoas levam até o conhecimento do MPF uma série de situações, que, a partir daí, são investigadas pelo órgão. “Para fazer uma denúncia, basta procurar qualquer Promotoria, de qualquer Comarca. Cada Comarca tem um promotor e os fatos de cada uma delas são de responsabilidade da Comarca. Mas se o denunciado tiver algum foro, aí cabe ao procurador-geral”, esclarece.

 

Mas, como o próprio procurador falou, nem todo mundo concorda com o modus operandi dessas instituições - seja o MPE, MPF, TCE, etc. Nelson Araújo, por exemplo, diz não confiar nelas. “As instituições não operam. Não acredito nelas. Inclusive, participei do lançamento da Focco, no TCE, que representava a esperança de que algo importante nesse sentido (do combate à corrupção) fosse acontecer. Mas simplesmente não funcionou”, critica.

Para Nelson Araújo, não há transparência nas ações dessas entidades - nem mesmo nas do TCE. “Que deveria dar o exemplo, mas é o primeiro a esconder, porque os conselheiros ganham tanto. Enviei ao MP uma documentação mostrando e questionando os salários dos conselheiros, que chegam a ganhar R$ 300 mil num mês, e o MP pediu o arquivamento. Como assim? Tinham é que investigar”, diz Nelson Araújo.

JOGO DE EMPURRA

O ex-deputado continua: “A função do MP não é essa. É a de apurar os fatos. Mas você denuncia ao MPF, ele envia ao MPE, alegando não ser função dele. E fica esse jogo de empurra”, ressalta. Ele diz que já perdeu as contas de quantas denúncias fez. “Tenho uma tonelada de processos em casa. São muitos, incontáveis”, admite.

Questionado sobre quantas das suas denúncias teriam resultado em ações efetivas, ele diz que nenhuma. “Aí é fácil contar, porque nenhuma resultou em algo concreto”, lamenta. Por que continuar denunciando, então? “Porque se não combater, é pior. Enquanto a sociedade está parada, os ladrões estão tomando conta. A corrupção só cresce, se alastra. Não dá para não fazer nada”, justifica Nelson Araújo.

Ele acredita que, mesmo com alguma legislação específica para o combate à corrupção e outros mecanismos, o sistema só vem piorando ao longo dos anos. “Tudo que vem sendo criado deveria dificultar as práticas de corrupção, mas parece que facilitou. Em Sergipe não podia acontecer o que acontece. É muito pequeno, fácil de combater essas práticas”, analisa.

Para o advogado Hebert Pereira, a vigilância ativa é a única forma de haver mudanças substancias, seja em nível local ou global. “As instituições são importantes - o Ministério Público, o Judiciário - para punir e reprimir, mas infelizmente elas também sofrem certa contaminação dessas mazelas, e se a sociedade não apoiar, elas vão continuar a se sentir assim. O sistema é de freio, de contrapeso entre os poderes e acaba funcionando como amarras e mordaças”, reconhece Hebert.

Os promotores Jarbas Adelino e Luciano Duarte comandam a operação Caça-Fantasmas

SISTEMA FALIDO

De acordo com Hebert Pereira, o MP se sente coagido a reprimir certas coisas, porque quem detém o orçamento é o Executivo, e aí não age, com medo de represálias. “Em nível federal, estão querendo criar leis para tirar esse poder do MP, ameaçam não dar aumento de salário e acaba que todo mundo paralisa. Então, a mudança vem do cidadão, da soma de pequenas atitudes. Não precisa ser uma grande operação”, opina.

Além da denúncia com relação às irregularidades na licitação da Deso, o advogado acionou a Justiça com outras ações, como a contratação da limpeza urbana em Aracaju. “O edital também foi suspenso. O procedimento foi aberto e em 48h as empresas tinham que apresentar as propostas. O edital não estava disponível no site e continha indícios de favorecimento. Conseguimos suspender, assim como foram suspensas as taxas do Detran, que são irregulares, porque não há lei”, revela.

Quando ele diz “conseguimos”, está se referindo aos outros membros do Movimento Mova-se, que, segundo Hebert, é um convite para que a população saia da indignação passiva e vá para a ação. “Se observar algo errado, que tome uma atitude, não só reclame. O Movimento orienta o que fazer, quais caminhos devem ser tomados. E os membros têm que dar exemplo. O objetivo é estimular a consciência cidadã, enquanto membro do movimento ou não”, destaca.

VOTE CERTO

Hebert diz que as pessoas estão perplexas, descreditadas no sistema político representativo e esperam um herói, uma figura mitológica, para salvá-las. Mas que os próprios cidadãos é que são capazes disso. O poder, para Rony Almeida, está no voto.  

“A participação popular é fundamental não só na representação junto aos órgãos, mas também nas eleições. É crucial votar em alguém que conheça, que tem conduta que você recomenda. O processo eleitoral é o definidor dos rumos que o país quer tomar. É fundamental eleger gente que pensa nas pessoas e não em si mesmo. Só assim o país tende a melhorar”, argumenta Rony. E você pode estar se perguntando se esse tipo de político existe, mas esse já é assunto para uma outra Reportagem...

A operação Antidesmonte envolveu o MPE e auditorias do setor controle externo do TCE, dirigidas pelo diretor Adir Machado

Participação popular é eficaz - e constitucional

Em 2015, por inciativa popular, o Ministério Público Federal instituiu um pacote anticorrupção chamado “As 10 Medidas Contra a Corrupção”, que visam tornar mais eficaz a punição de agentes corruptos por meio da reforma do sistema de prescrição penal e aumento das penas, entre outras propostas. 

A Constituição Federal, em seu artigo 14, inciso III, e artigo 61, § 2º, diz que a iniciativa popular pode ser exercida por meio da apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados. Para isso, o PL deve conter a assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído por, pelo menos, cinco Estados e com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.

Em todo o país, a campanha arrecadou mais de 2 milhões de assinaturas, sendo 38,7% delas colhidas no Sudeste, 21,7% no Sul, 18,1% no Centro-Oeste, 14,4% no Nordeste e 7,1% no Norte. Os Estados que mais coletaram assinaturas foram São Paulo e Paraná, com 479.564 e 308.806 fichas preenchidas, respectivamente.