Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Isso é grave: todos os rios que cortam Sergipe e Aracaju estão assoreados

Sandro Holanda, engenheiro agrônomo e professor titular da UFS, adverte que como “a vazão dos rios estava muito alta e, com a margem desprotegida e a calha assoreada, os processos de inundação ocorreram, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas” durante as chuvas da semana passada


A última semana começou com o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, PCdoB, anunciando, em um evento no bairro Jabotiana, uma série de ações para recuperar a cidade depois das intensas chuvas registradas na capital. Uma dessas ações passa pelo desassoreamento do Rio Poxim, que transbordou e acabou piorando a situação dos alagamentos em algumas regiões.

“A Prefeitura fez todo o trabalho preventivo, com a limpeza dos canais e a desobstrução da rede de drenagem, tanto que áreas que sempre alagaram agora suportaram bem, o que provou a efetividade do serviço. No entanto, o índice de chuvas foi muito alto. No Jabotiana, a situação se agravou por causa da cheia do rio Poxim. Por isso, entendemos que é necessário realizar uma obra de dragagem, para ampliar a capacidade do rio”, disse o prefeito durante o ato.

Mas, de acordo com Edvaldo, essa seria uma obra que precisaria ser realizada em parceria com o Governo do Estado e com recursos do Governo Federal. “Isso é fundamental”, ressaltou o prefeito. O governador Belivaldo Chagas, PSD, sinalizou positivamente para a necessidade de realização da obra. “Essa possibilidade existe, sim. Prefeitura e Governo irão realizar um projeto para a captação dos recursos necessários. Não é uma obra fácil, nem pequena, mas vamos atuar”, garante Belivaldo.

Situação, segundo especialistas, é preocupante e requer atenção
Prefeito Edvaldo Nogueira visitou áreas afetadas pelas chuvas

AÇAO CONJUNTA

De fato, há um prejuízo ambiental imenso com o assoreamento dos rios, independentemente da causa dele – se a ação humana ou a da própria natureza. E isso pode fazer com que todo esse potencial hídrico de Sergipe ou se perca ou seja mal utilizado. Ambas as hipóteses são ruins.

Portanto, tornar a preservação de rios uma ação de política pública já não é mais suficiente: é preciso que isso seja objetivo de todos. “É um cenário crítico, que causa, inclusive, problemas para a saúde pública. Por isso, requer atenção do Poder público e da população”, ressalta Sandro Holanda.

Preservação de mata ciliar é fundamental para a saúde dos rios

POUCA AÇÃO

Nesse contexto, o Governo de Sergipe, através da Secretaria de Estado dos Recursos Hídricos objetiva promover a recuperação de áreas degradadas por meio do Programa Produtor de Águas, da implantação de Unidades Conservacionistas, da implantação de novas unidades de conservação, com ênfase e regularização ambiental de imóveis rurais, com base no Cadastro Ambiental Rural.

Sandro Holanda tem uma opinião diferente. Para o professor, o poder público não está atento o suficiente à necessidade de preservação dos rios. “Embora muito tenha sido efeito, ainda é pouco, principalmente nas regiões mais periféricas, onde não há saneamento, por exemplo”, opina. Ele lembra que o próprio São Francisco, um rio nacional, não tem a política de revitalização executada.

Outro aspecto abordado por Sandro Holanda é do lixo jogado na rua, que entope os bueiros e impede a passagem da água. “É uma prática da população que é prejudicial, porque esse lixo também vai ocupar volume dessa calha. O espaço vai ser demandado pela água e não será suficiente, transbordando e provocando inundação”, reitera. “Nesse aspecto, cabe ao poder público também a orientação da sociedade e a oferta de uma coleta de lixo regular”, reforça.

OCUPAÇÃO

José Firmo dos Santos é militante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju e acompanhou o cenário das chuvas e do depois delas com bastante apreensão. Na opinião dele, uma cidade estabelecida numa região tão sensível do ponto de vista ambiental, requer preocupação com a forma como o seu solo é ocupado.

“E a mínima preocupação não está relacionada apenas aos crimes ambientais, mas também à forma e à qualidade de vida dos seus habitantes e dos seus visitantes”, considera José Firmo. Para Firmo, “a cidade de Aracaju está sendo ocupada feroz e agressivamente pela ganância do mercado imobiliário”.  “Não é pelo povo pobre, que necessita de um teto. Não é por aqueles que não sabem identificar uma Área de Preservação Permanente (APP)”, diz.

Por isso, ele acredita que Aracaju precisa rever tanto a questão do Plano Diretor quanto do Códigos de Obras, de Edificações e de Uso e Parcelamento do Solo. “São eles que podem apontar os melhores caminhos para a solução desses problemas, pois quando os licenciamentos atuais são concedidos sem as preocupações necessárias, as vítimas acabam sendo os compradores dos imóveis e, de resto, todos nós, contribuintes”, reitera.

José Firmo diz que Aracaju requer preocupação com a forma que o solo é ocupado

CONSERVAÇÃO

Ailton reforça que o uso adequado do solo, além de garantir o suprimento de água para as culturas, criações e comunidades, previne a erosão, evita inundações e o assoreamento dos rios, assim como abastece os lençóis freáticos que alimentam os cursos de água.

“Em virtude disso, a utilização de práticas conservacionistas é de fundamental importância no controle de perdas de solo e água em áreas agriculturáveis, propiciando a maximização do lucro sem provocar redução da capacidade produtiva”, avalia o superintendente.

Ailton destaca ainda que a extensão rural desenvolvida tanto pela Emdagro quanto pela Cohidro vem incentivando o uso de práticas conservacionistas para o controle da erosão. Essas práticas são aquelas em que se procura adequar o sistema de cultivo de modo a manter ou melhorar a fertilidade do solo, provendo, dessa forma, sua superfície com a maior quantidade de cobertura possível.

DESMATAMENTO

Essa ação é muito importante, já que Sergipe é um Estado cortado por rios. Atualmente, segundo o Inventário Florestal, publicado recentemente, o Estado de Sergipe possui apenas 13% de cobertura vegetal nativa. “Tenho dito que sem cobertura vegetal em região tropical como a nossa, inclusive com extensa área no semiárido, não teremos rios permanentes. A situação se agrava com as mudanças climáticas que tem proporcionado secas recorrentes”, alerta.

Ailton Rocha explica que as principais causas do assoreamento de rios, ribeirões e córregos, lagos, lagoas e nascentes estão relacionadas aos desmatamentos – tanto das matas ciliares quanto das demais coberturas vegetais que, naturalmente, protegem os solos.

“A exposição dos solos para práticas agrícolas, exploração agropecuária, mineração ou para ocupações urbanas, em geral acompanhadas de movimentação de terra e da impermeabilização do solo, abrem caminho para os processos erosivos e para o transporte de materiais orgânicos e inorgânicos, que são drenados até o depósito final nos leitos dos cursos d’água e dos lagos”, adverte.

Sandro Hollanda ressalta que poder e público e sociedade precisam enfrentar o problema

PREOCUPANTE

O professor Sandro Holanda diz que o assoreamento do rio é como se ele estivesse sendo aterrado com o solo que vem das áreas cultivadas, por exemplo. Esse solo, segundo Holanda, vai direto para as calhas. “É como se ele ficasse mais raso, suportando menos água. Então, aquele volume grande de água tende a procurar terrenos ao seu entorno para se acomodar. São as chamadas planícies de inundação”, esclarece.

Com a calha dos rios assoreada, essas planícies de inundação, que como o nome sugere existem para isso, acabam não dando conta da quantidade de água em excesso, como ocorreu em Aracaju, que acumulou quase 400 milímetros de água em cinco dias, gerando as inundações. “Nas áreas rurais, inclusive, há grandes prejuízos, como a perda da produção”, reforça.

O professor chama a atenção para o fato de os rios serem responsáveis por drenar as águas da chuva, o que fica inviável quando estão sem capacidade para receberem-nas. “Nesse caso, há a inundação da própria planície de inundação”, exemplifica. Segundo o especialista, toda essa situação é resultante, em grande parte, da ausência da mata ciliar, que funciona como um filtro para os rios, evitando que o solo chegue ao canal principal dele e cause o assoreamento.

POLÍTICA DE ESTADO

“O que ocorre é que, principalmente quando os rios atravessam as cidades e essa mata ciliar ou não existe ou existe em pequena quantidade, os sedimentos vêm e adentram o canal do rio. Como não existe uma política de Estado de proteção a essas matas junto aos agricultores, mostrando a importância da preservação e do não assoreamento, a situação se agrava”, diz o professor.

Essa falta de política de Estado, aliás, segundo o professor, colocou praticamente todos os rios que cortam o Estado na mesma situação. “De forma geral, estão assoreados, e isso é resultado da falta de proteção das margens”, reitera Sandro Holanda. E esse cenário é reversível?

“Sim, na medida em o sedimento pode ser dragado, mas depende da envergadura do rio. Em rios grandes, é difícil diminuir o assoreamento”, reforça. Mas o próprio rio, segundo o professor, em sua dinâmica natural, sofre um ajuste. “É como se a enxurrada que ocorre dentro da calha desse uma lavada no sedimento, diminuindo a carga dele”, esclarece.

Ailton Rocha admite que o Estado enfrenta uma série de problemas com relação ao cenário hídrico

PROBLEMAS

O engenheiro agrônomo e advogado Ailton Francisco da Rocha, superintendente Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente de Sergipe, admite que o Estado de Sergipe enfrenta uma série de problemas com relação a esse cenário, como o alto grau de erosão e compactação dos solos, destruição desordenada das matas nativas e o assoreamento dos canais fluviais, além de outros problemas ambientais.

Problemas estes que, segundo Ailton Rocha, são decorrentes da expansão urbana, que vem provocando alterações na fisionomia da paisagem sergipana, e da ocupação agrícola sem os devidos tratos conservacionistas. “E a situação dos rios que compõem as oito bacias hidrográficas de Sergipe apresenta situações semelhantes que se agravam quando o rio se aproxima do meio urbano, a exemplo do rio Sergipe”, diz Ailton.

Ailton Rocha explica que o solo é um recurso natural que deve ser utilizado como patrimônio da humanidade, independentemente do seu uso ou posse. “É um dos componentes vitais do meio ambiente e constitui o substrato natural para o desenvolvimento das plantas. Uma das principais funções do planejamento de uso das terras é ter maior aproveitamento das águas das chuvas, evitando-se perdas excessivas por escoamento superficial, criando-se condições para que a água pluvial se infiltre no solo”, esclarece.

CHUVAS

E é aí que faz sentido a correlação entre o alto nível de assoreamento dos rios e os alagamentos das cidades – Aracaju inclusa. “O desmatamento, a ocupação desordenada do território, a impermeabilização do solo e as canalizações dos cursos d’água acarretam em diversos efeitos sobre os rios. Estes impactos são sentidos pelas populações, principalmente através das enchentes”, ressalta Ailton Rocha.

Segundo Rocha, essa é uma das principais consequências da urbanização, e tem como principal causa à construção de edifícios, indústrias e avenidas implantadas em áreas de várzea ou margens dos rios, sendo um problema recorrente nas principais cidades do mundo. “A causa das enchentes, porém, não se resume ao rio e está associada também ao volume de chuvas, ao escoamento superficial, à impermeabilização do solo, às condições dos tributários, entre outros”, ressalta Ailton Rocha.

O engenheiro agrônomo Sandro Holanda,professor titular da Universidade Federal de Sergipe - UFS -, é PhD especialista em Conservação de Água e Solo e Recuperação Ambiental e afirma que a relação entre o assoreamento e as enchentes é total. “A vazão dos rios estava muito alta e, com a margem desprotegida e a calha assoreada, os processos de inundação ocorreram, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas”, explica Sandro Holanda.

Governador Belivaldo Chagas acenou positivamente para obra de desassoreamento