Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Não são boas as condições de parto na esfera pública de Sergipe

Estado tem apenas nove maternidades para mais de 25 mil partos por ano. Falta desde espaço e suporte de pessoal. Órgão de classe vê déficit de mais de 100 enfermeiro só na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes

Quando se fala em políticas públicas para as mulheres, uma das principais pautas engloba a saúde delas. E, nesse cenário, a existência de maternidades bem-equipadas, estruturadas e munidas de equipe médica e insumos é essencial. Afinal, parir é um dos atos mais simbólicos na vida delas e um parto custa caro - na rede particular vai, em média, de R$ 4 mil a R$ 8 mil e, muitas vezes, envolve sérios riscos à parturiente e ao bebê.

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, a rede pública estadual conta com nove maternidades mais os hospitais regionais, que também realizam os procedimentos. São a Maternidade de Alto Risco Nossa Senhora de Lourdes, Maternidade de Risco Habitual - Dr. Carlos Firpo/Santa Isabel – ambas em Aracaju.

No interior, estão o Hospital Regional Amparo de Maria - HRAM -, em Estância; Maternidade de Risco Habitual Zacarias Júnior, em Lagarto; Maternidade de Risco Habitual São José, em Itabaiana; Hospital Regional José Franco Sobrinho, em Nossa Senhora do Socorro; Centro Obstétrico Leonor Barreto Franco, em Capela; Hospital Regional Governador João Alves Filho, em Nossa Senhora da Glória, e Hospital Regional e Maternidade São Vicente de Paula, em Propriá.

Santa Izabel é uma das mais procuradas e, sozinha, realizou mais de 10 mil partos em 2018
Shirley: “a gente tem enfrentado muitos problemas com relação à infraestrutura, dimensionamento de RH e também superlotação”

CENÁRIO GERAL

Complicado é realmente o termo para definir o quadro das unidades. “Nós focamos na de Capela, mas visitamos outras maternidades e há uma dificuldade grande. A maior é a superlotação. É uma pena, porque quando as maternidades do interior conseguem funcionar, desafogam as de Aracaju. E o contrário é um efeito dominó”, diz Matos.

A Secretaria de Estado da Saúde - SES - confirma que mantém o funcionamento da Maternidade de Capela, mas admite que há problemas. “Ela vem operando, conforme as escalas e plantões, mas com dificuldade para fechamento de escala, estando a SES, através do PSS, buscando solucionar as escalas nesses próximos três meses”, informa Helga Muller Mengel, da Referência de Gestão da Rede de Atenção Materno Infantil - Rami.

Segundo Helga, a Secretaria de Estado da Saúde, orientada no compromisso com as ações de saúde de forma integral, investiu ao longo dos anos em qualificação profissional e apoio aos cuidados da gestação, através de incentivos da rede cegonha, a partir da sua adesão em 2012 em 100% do território sergipano.

INVESTIMENTOS

Com isso, houve qualificação profissional para atualização do pré-natal de alto risco e risco habitual para os profissionais da atenção primária, em vista as boas práticas obstétricas e neonatal baseada em evidências científicas; possibilitou apoio à reforma e ampliação da ambiência de banco de leite humano ligado à Maternidade Zacarias Junior, assim como também a construção de um Centro de Parto Normal com cinco quartos pré-parto, parto e puerpério.

“A Secretaria também apoiou a aquisição de equipamento para Maternidade São José, em Itabaiana; a abertura de mais 10 leitos na Maternidade José Franco Sobrinho, em Socorro; apoiou a qualificação para recebimento de incentivos de custeio a 30 leitos de UTINeo e 30 leitos de unidade de cuidado convencional na Maternidade Santa Isabel”, diz.

Também houve a qualificação para o recebimento de custeio de 34 leitos de UTIneo, 25 Leitos de UCINCA e 27 leitos de Cuidado Intermediário Convencional Canguru e 72 leitos de gestação ao Alto risco na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes.

“Realizamos, ainda, adequação na estrutura da Maternidade São Vicente de Paula, individualizando com cortinas box os leitos de pré-parto, a reforma dos espaços da Maternidade de Glória e a reforma da ambiência da Maternidade de Capela”, complementa.

Pré-natal, onde e como é feito?

Embora só o Estado oferte o serviço de rede materna, o pré-natal é de responsabilidade de 100% das Secretarias Municipais de Saúde, realizados pelas equipes de saúde da família em Unidades Básicas de Saúde durante toda a gestação, nos 75 municípios sergipanos, com cobertura da estratégia de 83,97%, perfazendo um total de 597 equipes de Saúde da Família (dados de fevereiro/2019).

Matos: “nós focamos na de Capela, mas visitamos outras maternidades e há uma dificuldade grande”

DESAFOGAMENTO

Procurada pelo JLPolítica, a Secretaria de Saúde de Aracaju informou que a retomada da construção da maternidade no Bairro 17 de Março representa a preocupação que a Prefeitura tem em proporcionar mais qualidade de vida aos aracajuanos.

“Após anos paralisada, movemos esforços para readequar o projeto e hoje, finalmente, uma nova empresa já está atuando no local, fazendo nivelamento do terreno e revisão das estruturas já existentes”, afirmou a secretária municipal da saúde, Waneska Barboza

A obra está orçada em R$ 16.765.873,12 e tem previsão de entrega para setembro de 2020. Já a Maternidade do HU também encontra-se em fase de construção. Ela foi retomada no início do ano passado e, segundo o reitor da UFS, Ângelo Antoniolli, deve ser inaugurada em breve. A afirmação foi feita em recente entrevista à equipe de Reportagem do JL sobre a expansão do HU.

LUTA POLÍTICA

Maternidade públicas mantida pela rede municipal ou federal ajudam – e ajudarão ainda mais – a desafogar as unidades mantidas pelo Estado. Exatamente por isso, o ex-deputado estadual Moritos Matos encabeçou, durante o ano passado, uma verdadeira cruzada pelo não fechamento da Maternidade de Capela, que, na opinião dele, também cumpre esse papel.

Hoje, já fora do mandato, acredita que cumpriu o seu papel nessa questão. “Chamamos a atenção, por muito tempo, para os problemas da Maternidade de Capela, que é geograficamente centralizada no Vale do Cotinguiba e tem cerca de 12 outras cidades no entorno”, afirma Matos.

Atualmente, a unidade continua em funcionamento, mas ainda com dificuldades. “Com ela funcionando, já há um desafogamento nas unidades de Aracaju, por exemplo”, afirma. Segundo Matos, a Maternidade de Capela já atendeu, lá pelos anos de 2012, entre 3 e 4 mil pacientes. “Depois, os investimentos foram diminuindo, os médicos se afastando e a situação se complicando”, ressalta.

Secretaria da Saúde garante que vem realizando investimentos importantes na área

ALTO RISCO

De acordo com Shirley, a situação se agrava com a ‘subutilização’ da Nossa Senhora de Lourdes, única do Estado de alto risco. Isso significa que os leitos dela deveriam ser destinados a casos graves, de alta complexidade. Deveriam. “Infelizmente, o que tem acontecido é que, por alguns problemas nas regionais, temos gestantes que são de risco habitual, mas que acabam indo para a Nossa Senhora de Lourdes”, denuncia.

Risco habitual significa que a gestação envolve somente os riscos comuns de toda gravidez e, por isso, nem a mãe nem o bebê correm riscos, sendo desnecessário, portanto, a utilização da estrutura da Nossa Senhora de Lourdes. “Cerca de 80% das mulheres precisam ser atendidas nas regionais, próximas ao seu local de residência, o que não acontece por problemas de infraestrutura e recursos humanos”, ressalta.

FISCALIZAÇÃO

Para sanar todos esses problemas, Bárbara Tavares, do Coren, explica que as fiscalizações de rotina são realizadas pelo menos uma vez ao ano. Principalmente nas maternidades maiores. “Toda fiscalização gera a instauração de um procedimento administrativo. Nós aguardamos a conclusão para dar prosseguimento em outras esferas. Mas se tiver qualquer fato novo, muitas vezes gerado por denúncias, nós voltamos até a unidade”, ressalta. As visitas também podem ocorrer quando há resoluções novas para a categoria.

O presidente do Coren/SE, Diego Rafael, participou de uma reunião na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes para verificar quais medidas estão sendo tomadas para adequação do dimensionamento de Enfermagem, e consequentemente, suprir o déficit dos profissionais que foi constatado durante as fiscalizações pelo Regional.

“O Coren/SE continuará nesse movimento proativo, empreendendo todos os esforços para a melhoria da qualidade da assistência de enfermagem prestada, primando pelo dimensionamento de enfermagem adequado e obediência às resoluções do sistema Cofen/Conselhos Regionais”, disse Diego Rafael.

Secretária Waneska Barboza: “após anos paralisada, movemos esforços para readequar o projeto”

ESTRUTURA HUMANA

A enfermeira Bárbara Bezerra Tavares, chefe do Departamento de Fiscalização, do Conselho Regional de Enfermagem de Sergipe - Coren/SE -, confirma que o grande problema nesse cenário das maternidades estaduais é o déficit de profissionais. “O último dado que temos é de uma fiscalização na Nossa Senhora de Lourdes, que apontava o déficit de mais 100 enfermeiros. É um número bastante significativo”, diz Bárbara.

Além disso, nas unidades do interior, segundo Bárbara, geralmente faltam obstetras, e aí os enfermeiros sozinhos realizam os procedimentos - caso tenham especialidade em Obstetrícia, claro. “Embora tenham capacidade técnica legal para assistir, a questão foge à nossa competência e acaba comprometendo o atendimento”, justifica Bárbara.

Segundo ela, já há inclusive decisões judiciais – o Coren ingressou com ações – determinando a contratação do número adequado de profissionais. “Mas eles (do Governo) vêm afirmando que só é possível através de processo seletivo, o que dificulta o cumprimento da sentença”, ressalta. Vale lembrar que a decisão do MP contempla a todas as unidades e não apenas a Nossa Senhora de Lourdes, pois o déficit é geral.

LIMITAÇÕES

Para Bárbara, esse cenário da falta de enfermeiros nas unidades traz algumas limitações. “A sobrecarga afeta o profissional, que corre risco na assistência que deve prestar. Além disso, pode fazer com que quem procure o serviço tenha que ser transferido para outra unidade”, observa. 

Shirley Moralez, do Sindicato, concorda. “As maiores dificuldades decorrem do déficit de pessoal, porque não há profissionais suficientes para cobrir as escalas”, reforça. Segundo ela, o Estado também não contratou os profissionais do processo seletivo, o que gerou mais confusão entre a gestão e os trabalhadores. “Eles entenderam que pessoas com vínculo duplo não poderiam assumir, mas se eles tivessem disponibilidade, não teria problema algum”, diz.

Como o contrato entre a Fundação Hospitalar de Saúde e o Estado encerra agora em março, Shirley teme que não haja tempo para outro processo ou sequer para um levantamento da real situação do quadro de pessoal, já prometido pelo Estado. “O contrato vai acabar findando sem o levantamento das demandas, sendo que hoje temos um grave problema de deficiência de profissionais”, critica.

Solenidade de retomada das obras do HU, no ano passado

PROBLEMAS

Shirley Marshal Díaz Morales, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Sergipe, afirma que as maternidades enfrentam graves problemas tanto com relação a pessoal quanto com a infraestrutura. “A gente tem enfrentado muitos problemas com relação à infraestrutura, dimensionamento de RH e também superlotação nas maternidades que se localizam em nível de Estado, principalmente a Nossa Senhora de Lourdes”, ressalta Shirley.

Segundo Shirley Marshal Díaz Morales, o número de leitos também não é suficiente. “Representantes do Ministério Público Estadual fizeram uma visita à Nossa Senhora de Lourdes e observaram as deficiências da infraestrutura, a falta de condições para o acolhimento das mulheres, enfermarias sem ventilação necessária, instalações sanitárias com problemas e também ausência de medicação”, revela Shirley Moralez. 

“Os problemas são da própria rede”, completa. Mas, para a presidente do Sindicato, há agravantes que fogem à competência estadual. “O quadro realmente é deficitário no Estado, mas isso também se deve à falta de gestão nas esferas municipais, que hoje não têm responsabilidade com relação à saúde da mulher. Com o estrangulamento nas maternidades, tem que haver diálogo de rede entre municípios e Estado”, aconselha.

INSUFICIENTES

Além disso, Shirley Moralez afirma que o Estado não tem um número suficiente de maternidades, o que se agrava com a falta de um hospital ou maternidade da rede municipal de Aracaju. “A Capital não consegue dar conta dos próprios munícipes, eles são referenciados para a rede estadual. Isso acaba sendo um problema, porque quando junta o pessoal do interior e o da Capital, cria essa superlotação”, pondera.

“Na esfera federal, também temos a promessa da maternidade do Hospital Universitário, que está em obras, mas acabou não ficando pronto ainda”, acrescenta Shirley. Ela garante que o Sindicato tem buscado o diálogo com o Estado e com Aracaju, mas que a gestão municipal tem “se fechado em copas”. “Por mais que a gente tenha uma mesa de negociação instalada, a gestão acaba sempre fazendo diferente do pactuado, então nem podemos dizer que temos essa mesa de negociação”, critica.

Com relação ao Estado, Shirley afirma que o diálogo é mais produtivo. “Tivemos uma reunião com o secretário antes do carnaval levando essas demandas, inclusive das maternidades. Mas também falamos sobre a deficiência de equipamentos e insumos. Pelo Estado, somos bem acolhidos com essas denúncias”, assegura a presidente do Sindicato. 

Bárbara Tavares: “uma fiscalização na Nossa Senhora de Lourdes apontava o déficit de mais 100 enfermeiros”