Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Racismo é mais antigo e mata mais do que a Covid-19

COTAS
“Começou com o aumento de vagas e de cursos, teve seguimento com a oferta de cursos noturnos - porque havia a constatação de que pessoas tinham que trabalhar e por isso não tinham acesso de dia. Depois veio a interiorização da Universidade e, finalmente, a política de cotas”, revela Josué Modesto. 

De acordo com ele, ela um pouco diferente do que se tornou lei. “Previa a disponibilização de 50% de vagas para a escola pública. Desses 50%, seguindo o percentual da população preta e parda, o mesmo percentual era disponibilizado para negros”, explica. 

Ou seja, se o índice de pretos e pardos fosse de 70%, 70% dos 50% das vagas para a escola pública seriam para negros. “Eu avalio que foi uma política que teve bastante êxito”, avalia. Isso porque, segundo o professor, a ação foi acompanhada pelo Núcleo de Estudo Brasileiro, da UFS, que confirmou o desempenho dos alunos. 

CONJUNTO
“Cotistas e não cotistas tiveram desempenho compatível. Então, foi uma iniciativa de sucesso. Mas a implantação dela provocou reações, manifestações contrárias. De qualquer forma, considero um marco no cenário de tornar a Universidade mais inclusiva”, reforça Modesto. 

Aliás, para ele, esse conjunto de ações fez todo sentido. “Pelo todo das iniciativas, inclusive pela existência de uma política de permanência do aluno, como as bolsas de estudo e a política de moradia. Todas ofertam uma assistência estudantil”, destaca. 

Como secretário, ele diz que a cota é fundamental para alunos que tenham projeto de ingressar na universidade. “Porque alguns deles acham que não é para eles. Geralmente, são os primeiros da família a fazer curso superior, então é muito importante que a UFS consiga manter essas políticas afirmativas e inclusivas, porque elas estimulam muito os alunos das nossas escolas”, assegura. 

NEGAÇÃO
Essa reação de que fala o professor se deu em virtude de, segundo ele, à população negar o racismo. “Em alguns setores da sociedade, a cota foi entendida como uma política racista, porque esses setores partem da ideia de que no Brasil não tem racismo”, explica.

Dessa forma, colocar cota significava trazer ideias exóticas para o Brasil. “Mas do meu ponto de vista isso vem da dificuldade em admitir que a sociedade brasileira é racista. Não admitindo, fica mais difícil exterminar”, analisa. 

Renata Cruz concorda. “É difícil demais debater racismo num país que nega isso, sobretudo que trata a miscigenação como algo bom e natural”, opina. Para ela, a sociedade foi criada em cima do racismo e as pessoas tendem a achar que o racismo está só em atitudes pontuais, como chamar alguém de macaco ou dizer explicitamente que não gostam de pessoas pretas, quando na verdade não é só isso.

“O racismo é um sistema que pressupõe a dominação de uma raça sobre a outra. O Brasil é conhecido como um país da miscigenação, onde existe a união dos povos em harmonia, o que não é dito é como essa miscigenação não foi benéfica, foi forçada e se deu a partir de estupro e violação de mulheres negras e indígenas”, reforça.

Josué Modesto: “cotistas e não cotistas tiveram desempenho compatível. Então, foi uma iniciativa de sucesso”
Segundo IBGE, população sergipana é composta por 79,7% de pretos e pardos

NECROPOLÍTICA
Para Yérsia, de fato, governos atuais são frutos da perspectiva tacanha e racista que ainda busca ter folego e êxito na sociedade. “Existem quem acolha e consiga perceber coerência nessa lógica. Evidentemente que, partindo disso, ter posições governamentais como essas auxiliam no recrudescimento das iniciativas da já ampliada agenda negativa para a comunidade negra”, opina.

Contudo, ela admite que um dos elementos mais interessantes que a história negra e suas articulações contam é de que as estratégias de resistência e subversão são válidas e exitosas. “Além disso, essas estratégias ensinam que o medo e a covardia não são páreos para povos tão aguerridos e espirituosos, como os povos negros do Brasil e de outras diásporas”, avalia.

Yérsia lembra, por exemplo, que as teorias eugenistas no Brasil diziam que o negro era um projeto findado ao fim, à dissolução, e que não haveriam negros no Brasil no século XXI. “Hoje, nós somos mais da metade população brasileira. Com isso, por mais que atitude governamentais reforcem ou ataquem, a resistência e rebeldia fazem esses povos seguirem adiante”, reitera.

MULHER NEGRA
Quando se fala em racismo, um personagem surge como foco da discussão: a mulher negra. Para Renata Santos da Cruz, pesquisadora e estudante de direito, isso não acontece à toa. “A mulher negra está na base da pirâmide social, e sofre ainda mais com o racismo. Grada kilomba explica muito bem isso quando ela fala que "por não serem nem brancas, nem homens, as mulheres negras ocupam uma posição muito difícil na sociedade supremacista branca””, cita. 

De acordo com Renata, ela e as demais mulheres negras representam uma espécie de carência dupla, uma dupla alteridade, já que são a antítese de ambos, branquitude e masculinidade. Nesse esquema, a mulher negra só pode ser o outro, e nunca si mesma.

“Mulheres brancas têm um oscilante status, enquanto si mesmas e enquanto o “outro” do homem branco, pois são brancas, mas não homens; homens negros exercem a função de oponentes dos homens brancos, por serem possíveis competidores na conquista das mulheres brancas, pois são homens, mas não brancos; mulheres negras, entretanto, não são nem brancas, nem homens, e exercem a função de o “outro” do outro”, explica.

POLÍTICA PÚBLICA
Duas ações são sempre citadas como política pública para o povo negro: a criação das cotas raciais e da lei 10.639, que implica na inserção ampla, digna e responsável, além da valorização, da História e cultura afro brasileira. Mas, para a historiadora Carine Mangueira, ambas têm se manifestado insuficientes.

“Não estão devidamente consolidadas. As cotas raciais constantemente questionadas e fraudadas (diversas bancas de heteroidentificação têm disso necessárias para tentar frear essas fraudes)  e a lei reserva espaço mínimo nos livros didáticos e nos calendários escolares. Então, as conquistas são importantes, mas sua consolidação ainda está em movimento e luta contínua”, avalia.

Ex-reitor da Universidade Federal de Sergipe – UFS - e hoje secretário de Estado da Educação de Sergipe, o professor Josué Modesto dos Passos Subrinho conhece os dois lados da moeda quando se fala em cotas raciais. Ele lembra que elas foram implantado na UFS antes mesmo de se tornarem uma lei nacional e que essa política de cotas culminou a partir de um conjunto de ações com o objetivo de tornar a Universidade mais inclusiva. 

Renata Cruz: “por não serem nem brancas, nem homens, as mulheres negras ocupam uma posição muito difícil na sociedade supremacista branca”

DESCONTRUÇÃO DO RACISMO
O caminho é longo. “Mas esmorecer nunca foi uma opção dada para as populações negras da América. Aliados são importantes nesse processo, saber ouvir e assumir a parte que cabe nas ações e reações, também”, avalia Carine Mangueira. Yérsia tem a mesma opinião. Para a antropóloga, é possível que a sociedade esteja num momento histórico onde mais pessoas podendo ter espaço de reivindicação, seja no mundo online, ou fora dele.

“Os jovens e adultos da comunidade negra com mais acesso à educação podem questionar mais e melhor os mitos antihistóricos que organizam a sociedade brasileira, como diria o Abdias Nascimento. Esses mitos, estamos notando cada vez mais, são mundiais e estão trazidos à baila no debate. Reconhecimentos forçados pela própria articulação negra nas suas diversas facetas”, argumenta.

Esse grito, define ela, é antigo e histórico, pois, está sedimentado por todo um lastro de ações, estratégias e mobilizações. “Ou seja, não será apenas um único caminho que irá permitir ou garantir o enfrentamento antirracista seja no Brasil ou no mundo, embora o foco central seja a abolição de qualquer forma de organização de vida social que ampare o racismo e suas formas correlatas”, pondera Yérisa.

CONHECIMENTO PRÁTICO
A antropóloga morou um tempo na África, em Angola, e mantém ainda uma vida lá. “Me considero uma pessoa do transito afrotransatlantico. Angola mantem relações seculares com o Brasil, nosso legado africano tem muito da cultura Bantu, mas não só. Angola é um país que busca se recuperar de anos de guerra, de anos de sofrimentos materiais e humanos, muitos traumas que vão sendo encarados, observados e discutidos”, relata.

Yérsia acredita que os países do continente africano podem fornecer boas informações para as constituições das vidas negras e, no caso dela, Angola fez parte da pesquisa de campo em um projeto chamado Kadila: Culturas e Ambientes, financiado pela Capes com bolsa de doutorado. “Meu repertório e gramática sobre contribuições angolanas se alargam sobremaneira quando da possibilidade de ir para Angola e acessar com mais profundidade as dinâmicas da vida angolana”, reconhece.

O enfoque se deu nas perspectivas de ensinar e aprender sobre África e seus legados, e de como esses elementos auxiliam o próprio Brasil na busca de organizar um modelo pedagógico que enfrente essa temática com devido respeito e coerência que o tema pede. “Além disso, eu tenho uma relação pessoal e familiar com Angola, pois, até onde sabemos na nossa família paterna, a minha tataravó veio de lá. Foi uma africana escravizada saída do Porto de Luanda para o Brasil. Mas, bom, isso é uma outra estória”, ressalta.

E O GOVERNO?
Se esses cenários e realidades vão se repetindo ao longo do tempo, é claro que os Governos têm muito a ver com isso. É o que pensa Carine. “Quando um líder político diz que quilombolas “não servem sequer para procriar”, como se menos que animais fossem e ainda reafirma essa posição ao medi-los em peso em arrobas, como se mede gado, não se pode esperar políticas que valorizem essas vidas”, diz ela, em alusão à fala do presidente Jair Bolsonaro.

A mesma coisa quando se ressalta ações ultramilitarizadas e armamentistas num país onde os índices e pesquisas explicitam quem são os alvos e os vistos como “inimigos”. “Quais corpos são elimináveis, quais vidas não valem manchete. Quais indivíduos as balas perdidas encontram em operações violentas em periferias e favelas? É um desserviço, especialmente quando proferidos de forma constante por líder de qualquer espécie”, acrescenta.

Ela diz ainda que, quando, em plena crise sanitária, há esquivas e posicionamentos contrários à todas as determinações científicas e da Organização Mundial de Saúde, está claro qual população ficará a mercê e morrerá. “É necropolítica. É escolha pela morte e o direcionamento dos que vão morrer prioritária e majoritariamente”, destaca Carine.

Caso do menino Miguel trouxe à tona racismo

NOVOS EPISÓDIOS
Para ela, esses tantos episódios, novos ou antigos, mas sempre recorrentes, fazem Carine admitir: “ou se retoma discursos racistas e eugênicos dos séculos passados sobre predisposição racial à criminalidade e barbárie (o que certas blogueiras fizeram nos últimos dias) ou se assume que há fatores históricos, raciais e sociais que penhascam a nossa população negra, especialmente os mais jovens, num genocídio ignorado”.

Usando como referência o caso Miguel, ela diz que os abusos patronais nas relações domésticas são pauta antiga. “Seus resquícios escravistas de casa-grande e senzala ganharam novo e medonho fôlego com o caso do menino Miguel e de, como em 2015, por exemplo, se bradava contra os direitos então finalmente garantidos para as domésticas como uma emprega com direitos sociais e trabalhistas como qualquer outro trabalhador”, reforça.

O que ela quer dizer com isso? “Que nenhuma dessas discussões e percepções são novas. A comoção e dimensão sim”, reitera. Mas a que atribui a repercussão desses casos? “Há um acúmulo de denúncias, lutas e conquistas nesse sentido dos movimentos negros que insistente e historicamente bradaram as desigualdades e violências sofridas”, justifica.

REPERCUSSÃO
Carine admite que não há nada de novo para quem sofre as exclusões, opressões e violências racistas, mas reconhece que a exposição midiatizada e principalmente nas redes sociais iniciadas trouxeram um novo fôlego novo para essa batalha repercussiva.

“Mais que um clamor subjetivo pela atenção devida que cada caso e vida ceifada por tais violências merece, há uma cobrança mais resolutiva para o cotidiano”, diz Carine Mangueira. Isso porque, segundo ela, deixa explícito que o racismo é estrutural e estruturante na sociedade e que isso envolve não apenas, mas também, instituições diversas, sistema judiciário e penitenciário, escola, mídia e pessoas comuns.

“Todos são chamados a rever seus privilégios, inclusive o de durante quase toda a vida nem ao menos ter consciência da existência desses casos da vivência racializada”, analisa.

HÁ ESPERANÇA?
Carine lembra que, só em 1990 o apartheid foi oficialmente derrubado na África do Sul. “No fim da década de 50 dos anos 1900 ainda tínhamos zoológicos humanos da Bélgica, país que também explorou e massacrou o território e população do Congo até pauperizá-lo quase que irreversivelmente. A Ku Klux Klan e diversos grupos supremacistas raciais ainda se impõe na atualidade”, revela.

A historiadora ressalta que, em 2014, Nayara Justino foi humilhada por ser “negra demais” para o posto de Globeleza – papel também estereotipado para única mulher negra aceitável no país: a hipersexualizada. “Encarar esses casos no Brasil e no mundo como isolados é um dos fatores que fazem com que não se combata o racismo, as suas raízes e frutos podres. Se isola os casos, se entende que foram pontuais e não reflexos de constância histórica”, opina.

Por isso, para Mangueira, uma nova educação transgressora da história única, sempre euro e brancocêntrica como vitoriosa em sua colonialidade, uma abordagem mais contextualizante da realidade racial e a efetivação das leis já existentes seriam, foram e são rumos urgentes nessa luta.

Assassinato de George Floyd causou repercussão mundial

SEGREGADOS
“Filósofos, pensadores, formadores de opinião sempre foram preponderante e publicamente valorizados enquanto homens brancos. Aos negros e negras e à suas trajetórias se impôs e restou apêndices e “saiba mais” minúsculos nos livros de História da educação básica, papéis vilanizados e estereotipados nos roteiros novelescos e na sociedade a aceitação da exclusão como sendo social e não de origem racial, diante da reafirmação de uma identidade forjada numa pacífica e espontânea miscigenação”, analisa.

Esse cenário descrito por Carine talvez seja o resumo do que, tragicamente, ainda justifique uma sociedade racista. “Sempre que acusações de fala e ações racistas surgem, elas são replicadas com defesas chorosas, reivindicando má interpretação, usando um possível, imaginário ou até real bisavô, avó ou antepassado negro qualquer como argumento antirracista. Ou seja, mesmo racismo sendo crime, desculpas bastam socialmente”, critica a historiadora.

Ela completa: “após a abolição, o processo de marginalização e inferiorização de tudo ligado à negritude construiu uma sociedade que vê cabelo crespo como ruim e reproduz racismo recreativo com piadas. O mesmo aconteceu com as religiões de matriz africanas demonizadas e estigmatizadas, todos os traços lidos como negróides (nariz não afilado, boca carnuda, textura capilar)”.

De acordo com Carine, tudo foi introjetado e reproduzido em âmbitos diversos do cotidiano, fazendo com que todas as expressões do racismo sejam ponderadas, relativizadas, amenizadas ou não priorizadas em seu combate. “Quando raramente isso acontece, se vê apenas racismo numa dimensão maior, do outro, nunca uma autorreflexão e crítica”, pondera.

ANTROPOLOGIA
Já do ponto de vista antropológico, que tem estudado e buscado compreender os fenômenos culturais e sociais que envolvem as trajetórias humanas, o racismo é entendido como um sistema complexo, múltiplo e que se organiza com muitos e diferentes aspectos. “No Brasil, ele se organiza a partir da escravidão e segue até os dias atuais, se modificando, buscando outras formas de reproduzir e se manter”, define a antropóloga Yérsia Souza de Assis, professora, cientista social e mulher de axé.

Yérsia acredita que, muito embora esse caminho histórico aponte ganhos, os elementos de retrocessos são ainda maiores. “Vide os números de violência, negação de direitos, exclusão da vida social e pública. No mundo inteiro esse tem sido um tema discutido, e colocado como pauta, especialmente pelas articulações dos movimentos sociais negros”, alerta.

Nesse sentido, de acordo com ele, o racismo ainda é justificado por se tratar de um elemento que, assim como quase tudo no mundo, é passível de modificações, rearranjos e novos contornos. “Com isso, cabe pensar, por exemplo, que se antes era permitido violar (sob a perspectiva legal) o corpo de uma pessoa negra, em que medida isso se alterou quando observamos os números de pessoas negras mortas pela polícia/Estado em ações de todos os tipos?”, questiona.

DIREITOS VIOLADOS
Ou seja, os arranjos mudaram, mas a premissa da violabilidade se mantém. “Evidentemente que mudanças aconteceram, e o fortalecimento das medidas que visam proteger a comunidade negra aumentaram. Essas mudanças se confrontam diretamente com os muitos anos de organização social/cultural/política e educacional que entende e entendeu que as pessoas negras são subclasse humana”, adverte.

Ou seja, o lastro histórico permite entender porque hoje atitudes racistas resistem na sociedade, e só geram comoções quando são extremamente graves, como a morte. Foi o que aconteceu nas últimas semanas, com o assassinato de George Floyd, estado norte-americano do Minnesota, e, depois, com a morte do menino Miguel, deixado sozinho pela patroa da mãe, empregada doméstica.

Carine Mangueira ressalta que os índices de letalidade policial no Brasil são ainda mais alarmantes que nos EUA e alcançaram novos recordes esse ano. “A filmagem do caso Floyd trouxe à tona uma sequência de outros crimes semelhantes aqui e lá. A cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. Ele não morre. É morto”, lamenta.

Yérsia Souza: “evidentemente que mudanças aconteceram, e o fortalecimento das medidas que visam proteger a comunidade negra aumentaram”

ESTATÍSTICAS
Em Aracaju, 10,8% da população reside em aglomerados subnormais, sendo que brancos representam 7,9% estão nessa situação e pretos ou pardos, 12,3%. “Aglomerado subnormal” é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas restritas à ocupação.

Esses assentamentos irregulares correspondem ao que se convencionou chamar de favelas ou invasões. Sergipe e Aracaju possuem o 2º maior rendimento domiciliar per capita no Nordeste, porém pretos ou pardos apresentam menor rendimento do que brancos. Sergipe apresentou, em 2018, um rendimento domiciliar per capita de R$ 897. Esse valor é acima da média nordestina, que é de R$ 815. Para Aracaju, esse valor ficou em R$ 1603. Com isso, Sergipe fica atrás apenas do Rio Grande do Norte, com R$ 944.

Em Sergipe, 46,1% da população preta ou parda está em condição de pobreza: 10,7% da população branca está na extrema pobreza, enquanto pretos ou pardos representam 14,7%. Na pobreza encontra-se 36,1% da população branca, e 46,1% da preta ou parda. As pessoas em condição de pobreza têm rendimento domiciliar per capita mensais de R$ 145 até R$ 420. A extrema pobreza é quando uma proporção de pessoas tem rendimento domiciliar per capita mensais de até R$ 145.

EDUCAÇÃO
No Nordeste, aumentou o percentual de estudantes pretos ou pardos no nível superior. Jovens de 18 a 24 anos que estudavam no ensino superior passaram de 45,6% (2016), para 49,5% (em 2018). A média nacional é de 55,6%. O Nordeste apresenta a 2ª menor taxa de conclusão do ensino médio, ficando atrás apenas do Norte. Essa taxa é de 60,6% no total, sendo que para brancos é de 69,4% e pretos ou pardos é de 58%.

Já a taxa de analfabetismo de pretos ou pardos, embora tenha caído, ainda é maior se comparada aos brancos. Na região Nordeste, a taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais caiu de 14,5% em 2017 para 13,9%, em 2018. Porém, brancos possuem uma taxa menor que pretos ou pardos (10,7% e 14,9%, respectivamente).

Na região Nordeste, a maior porcentagem de pessoas está com o nível de instrução no ensino fundamental incompleto. Apesar disso, a porcentagem com nível superior completo subiu de 10,3% em 2017 para 11,3%, em 2018. Esses dados ajudam a desenhar o cenário em que está inserida essa população, crescendo à margem e tendo que conviver com um preconceito que muitas correntes – histórica, antropológica e social, por exemplo – explicam, mas nenhuma justifica.

HISTÓRIA
O racismo não surgiu na semana passada, com a mobilização criada na internet. Na verdade, para Carine Mangueira da Silva, historiadora, especialista em Ensino de História, militante antirracista e professora, ele é resultado de uma prolongada minimização dos impactos de uma sociedade estruturada historicamente no colonialismo escravocrata.

“A gente aprende na escola desde muito pequena(o) que o Brasil se desenvolveu em diversos ciclos econômicos no sistema de plantation. Se fala de forma mecânica e repetitiva sobre monocultura, exportação, latifúndios e escravidão, sem as devidas reflexões sobre os impactos dessa redução de seres humanos à bestialização e a todo tipo de desumanidade”, destaca.

Ou seja, segundo Carine Mangueira, houve uma naturalização das atrocidades praticadas, desde o sequestro, diáspora e coisificação do negro escravizado e, até hoje, todo esse processo é muito mal trabalhado desde os anos iniciais da vida escolar até nos programas e ementas acadêmicas embranquecidas.

Carine Mangueira: “após a abolição, o processo de marginalização e inferiorização de tudo ligado à negritude construiu uma sociedade que vê cabelo crespo como ruim”

Novos e tristes episódios trouxeram o tema à tona e especialistas falam sobre esse mal que assombra o mundo há séculos

Em meio à pandemia do novo coronavírus, uma antiga doença social, também causadora de muitas mortes, se evidenciou. Resistente por séculos, o racismo fez mais algumas vítimas fatais e diretas e aumentou a profundeza desse mal que também precisa de cura. 

Esse preconceito à raça, direcionado sobretudo a negros em toda a parte do mundo, é uma mazela que depõe contra toda a sociedade e está enraizada pela repetição de práticas cotidianas que segregam e afetam milhões de pessoas direta ou indiretamente.

Em Sergipe, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia – IBGE -, a maior parte da população se autodeclara preta ou parda, seguindo tendência nordestina e nacional: são 79,7% contra 19,4% que se declaram brancos. Em 2012, 66,2% da população sergipana se autodeclarava como parda. Em 2018, esse número passou a ser de 71,5%.

Racismo se organiza a partir da escravidão e segue até os dias atuais, sempre com novas formas de opressão